Estamos num tempo em que o absurdo faz caminho. Passa à bruta, com ares de arrogância e inevitabilidade. Todos os dias as notícias nos surpreendem, sempre no mau sentido. Houve um tempo (quem diria…) quando Paulo Portas fazia o semanário “O Independente”, que alguns políticos (entre eles o então Primeiro-Ministro Cavaco Silva) tremiam à medida que se aproximava cada sexta-feira: era o dia da publicação de O Independente e era quase certo que havia político apanhado num cambalacho. Muitas vezes, políticos com ligações ao poder ou até do núcleo duro. As coisas estão diferentes. Para pior.
Já não há O Independente e agora quem treme e tem insónias somos nós, pessoas comuns, diariamente, com medo do que os jornais vão trazer em título na manhã seguinte: mais um corte, mais um sector afectado, mais uma empresa a fechar portas, mais despedimentos, menos subsídios, menos saúde, menos educação, menos transportes.
Dizem-nos – até a senhora do Banco Alimentar – que estivemos a viver acima das nossas possibilidades. Essa agora… então a maioria de portugueses que vive com os ordenados quase mais miseráveis da União Europeia é que vive acima das suas possibilidades? E aqueles que são os grandes patrões e gestores portugueses que vivem com os melhores ordenados da União Europeia (provocando a maior disparidade em termos de salários, que tem vindo consecutivamente a alargar-se) viveram acima de quê? Alguém, que pague renda de casa, que tenha filhos na escola e que receba mil Euros por mês, aceita que lhe digam que viveu acima das suas possibilidades? Eu acho que é melhor calarem-se com isso porque alguém vai perder a paciência.
Por outro lado criou-se a ideia de que qualquer retribuição que não tenha a forma de salário é uma “regalia” quase de contornos pornográficos. A ideia está ser vendida de forma populista, o povo embarca e aponta o dedo a quem estiver a ser posto em causa. E os homens dos cortes esfregam as mãos. Ninguém se questiona sobre o motivo que leva alguém a ser pago com um carro de serviço ou por que é que alguém tem uma isenção de horário, ou por que é que tem direito a andar sem pagar nos transportes públicos, ou por que é que alguns trabalhadores numa determinada empresa têm subsídio de assiduidade.
Alguns demagogos de serviço esgrimem argumentos destes como se o mundo estivesse a começar agora e não houvesse um passado que é preciso entender. Marques Mendes é um deles. Descaradamente nunca explicou nenhum processo negocial de uma empresa onde esse subsídio de assiduidade esteja a ser atribuído. E da mesma forma que um dia perguntou por que é que os trabalhadores que são pagos para trabalhar ainda têm um subsídio de assiduidade, não teve a coragem de perguntar por que é que (alguns) gestores que são pagos para gerir têm prémios de gestão escandalosos. E o povo embarca. E os homens dos cortes esfregam as mãos.
Este é o país que não entende que não pode viver sem universidades dignas que sirvam as pessoas independentemente do que possam pagar, sem hospitais que não recusem tratamentos ou empurrem doentes de uns para os outros para pouparem uns euros nos tratamentos, sem forças militares, sem instituições que nos caracterizem enquanto país e enquanto o Estado Nação com as fronteiras mais antigas da Europa.
Não tarda e vai chegar o tempo em que qualquer remuneração acima do salário mínimo seja considerada acima das possibilidades do país e das empresas. E os homens dos cortes voltarão a esfregar as mãos. Estaremos então no tempo da malga de sopa por um dia de trabalho.
Palavra de honra que me apetece dizer – embora saiba que não o devo fazer – que tenho vergonha e pena deste país.
josé manuel rosendo
Pinhal Novo, 8 de Novembro de 2012
Sem comentários:
Enviar um comentário