Sem saber o que fazer, a União Europeia está em
crise profunda. É assim desde há muito tempo, mas conseguia disfarçar. E não é
por falta de avisos e sinais que se deixa chegar a este ponto. Há muitos meses
que os refugiados estão a chegar à Europa; há anos que os europeus andam a
fazer asneira no local de origem da maioria dos refugiados que chegam às
fronteiras europeias; há anos que a União Europeia não tem uma política externa
comum; há anos que, sobretudo os países do Sul da Europa deixaram-se enredar em
interesses de outros Estados europeus para os quais a vizinhança do
Mediterrâneo é algo distante e fora da agenda. Por fim, uma coisa chamada Frontex (Agência europeia de gestão das fronteiras externas da União Europeia) mostrou toda a sua falência. Estamos a pagar a factura. O
efeito boomerang nunca falha.
A resposta a esta crise mostra que esta tem sido a
União Europeia errada e toda a gente tem encolhido os ombros, principalmente
líderes políticos deslumbrados com as luzes da ribalta política, com a
possibilidade de passear na Grand Place de Bruxelas e com um lugar à mesa nas grandes
cimeiras, transformadas em passadeiras da vaidade, de onde não saem políticas nem
ideias consistentes que façam deste continente esse lugar de paz, de verdadeira
solidariedade, de desenvolvimento e de farol dos Direitos Humanos. Tem sido o
vazio, onde a especulação financeira é o grande deus. Apenas isso.
Curiosamente, são pessoas, sim, pessoas, pessoas com
problemas, que destapam o caldeirão dos desentendimentos e põem a nu a
verdadeira natureza dos líderes europeus e a inconsistência das políticas
europeias. É habitual vermos os líderes europeus enxofrados – muitas vezes
apenas fazem de enxofrados para as respectivas opiniões públicas – com questões
económicas e financeiras, mas desta vez estão em desacordo por causa de pessoas.
O que os líderes europeus já deviam estar a fazer nesta altura era estar em
campo com um discurso pedagógico para que nos vários países a opinião pública
percebesse que todos temos o dever de auxiliar.
Torna-se óbvio que esta Europa não sabe lidar com
problemas das pessoas. Estes líderes apenas estão habituados a relatórios e
power points que tratam de problemas financeiros e económicos, sempre
assessorados por grandes gabinetes da consultadoria e ouvindo sempre os
impérios da banca. Os problemas reais das pessoas são algo de estranho para
eles, mas desta vez têm pessoas a bater à porta e nenhum deles arrisca apontar
o caminho de regresso ao mar a todos aqueles que já entraram na Europa.
É triste ouvir o líder do PS dizer que os refugiados
podem vir limpar florestas “porque está habituada a trabalho agrícola”. António
Costa está mal-informado: grande parte dos refugiados que estão a chegar à Europa
vindos da Síria e do Iraque são classe média, muitos com formação universitária
e não estão nada habituados a trabalhar na agricultura. É triste ouvir o
Governo português mostrar abertura a acolher mais refugiados, mas como sempre,
apenas depois de a Alemanha dizer o mesmo. Ainda é mais triste ouvir o
Primeiro-Ministro húngaro dizer que os refugiados põem em risco a cristandade
na Europa e ao mesmo tempo admitir que, depois de construir um muro na
fronteira com a Sérvia, pode agora construir um muro na fronteira com a
Croácia. Continua a ser triste e preocupante saber que a Hungria e a Bulgária perguntaram
a Israel como se constroem os muros nas fronteiras (a agência Reuters deu a
notícia), algo em que Israel tem muita prática. A Hungria esqueceu rapidamente
o Muro de Berlim e a cortina de ferro.
É difícil saber qual é a resposta adequada a esta
chegada de milhares de refugiados? É verdade! Mas para já a questão é
humanitária. É preciso ajudar quem apenas procura sobreviver. Ter uma visão utilitarista,
tentando antever o que a Europa pode ganhar com a chegada destes refugiados é
algo de cínico, mesmo que sirva de argumento para ajudar a convencer a opinião
pública europeia. Um refugiado deve ser ajudado porque está em fuga e
fragilizado. Apenas isso. É o dever de auxílio a quem está nestas condições.
Neste momento há uma tentação de agradecer a sírios, afegãos,
iraquianos, líbios, somalis, e tantos outros, por nos terem ajudado a perceber a União Europeia que temos. Pura e simplesmente não existe, a não ser para a grande
negociata e bela vida em Bruxelas e arredores. Não é possível dizer quando nem como, mas
esta União Europeia vai ruir qual castelo de cartas. Pelo menos aproxima-se a
passos largos do abismo.
Pinhal Novo, 4 de Setembro de 2015
josé manuel rosendo
Belo texto. A tornar viral!
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