Vem aí um novo Syriza. É o alerta dos arautos da
morte das ideologias perante a eleição de Jeremy Corbyn para líder do Labour
(Partido Trabalhista). Para estes arautos só há uma política e um pensamento, podem
existir acertos de pormenor nos orçamentos mas, para lá disso, tudo o resto é
impossível. E nem se coíbem de dizer que a União Europeia e a real politik (assim
algo que ninguém entende muito bem mas que determina o nosso futuro – algo que
a vontade dos homens não pode alterar) já mostraram que não há espaço para
Syrizas e Labour’s liderados por gente como Corbyn. Nem se apercebem que estão
a dizer que já não há espaço para a democracia, mas escrevem-no com todas as
letras. Rendidos aos poderosos da Europa e do mundo financeiro que traçam as
linhas com que nos cosemos, os intérpretes do mainstream hesitam relativamente ao
futuro de Corbyn: coveiro do Labour ou líder efémero. A nada de melhor Corbyn
pode aspirar.
Estas leituras fazem-se em Portugal, mas também lá
por fora. As “bíblias” regularmente citadas afinam pelo mesmo diapasão: Corbyn
pode tirar o Reino Unido da União Europeia; o homem não percebe o mundo em que
vive e é inelegível como Primeiro-Ministro; foi eleito líder porque os
trabalhistas votaram com o coração e não com a cabeça. Em resumo, Jeremy Corbyn
tem um conjunto de opiniões que não agrada ao mainstream. Daí, o mainstream
conclui que é um perigoso esquerdista, um republicano em terras de sua
majestade Isabel II, falava com o Sinn Fein e com Hugo Chávez, quer o Reino
Unido fora da NATO e, talvez, fora da União Europeia, quer nacionalizações, não
quer austeridade, deu as boas-vindas aos refugiados e, pecado de recente
homologação, gosta de conversar com Varoufakis, esse mesmo, o ex-ministro das
finanças que a troika obrigou a Grécia a atirar para fora do Governo de modo a
ter o tal terceiro resgate e o empréstimo intercalar. Ora, bem vistas as
coisas, Jeremy Corbyn só pode ser um “bandido” da pior espécie.
Os líderes trabalhistas que sucederam a Tony Blair (e antecederam Corbyn) não deixaram marca política que se veja a não ser a das derrotas eleitorais,
atribuídas a um discurso que nuns dias era de esquerda e noutros dias de
direita. Aquela tentativa de agradar a deus e ao diabo que os partidos
socialistas blairistas seguiram nos tempos mais recentes.
Assim sendo, a
referência das análises e das opiniões é o tempo de Blair embora ninguém pareça
querer aprofundar a descaracterização do Labour realizada precisamente por Tony
Blair e ninguém parece querer saber do que Blair fez enquanto Primeiro-Ministro
britânico na guerra de 2003 no Iraque. Não, isso não interessa, é um tabu que o
mainstream ignora olimpícamente. Mesmo num país em que, como alguns escribas
reconhecem, a direita (acrescento eu, em função da liderança errática de Blair)
se apoderou de bandeiras da esquerda, ter agora um líder que as pretende
recolocar onde devem estar, isso não interessa.
Há até quem defenda que Corbyn só foi eleito porque,
vejam lá, ou era ele ou era o vazio. Corbyn venceu com cerca de 60% dos votos. A
eleição agradou às bases do Labour, mas foi evidente que não agradou à
nomenclatura. Vamos ver no que dá a liderança de Jeremy Corbyn, mas o que
chateia desde logo é o preconceito e a caixa quadrada em que alguns
comentadores e analistas se movimentam, não aceitando nada de diferente do
habitual embora gostem de encher a boca (e os textos) com as virtudes da
diversidade e da diferença.
Perante o que foi escrito e dito nas horas que se
seguiram à eleição de Corbyn, torna-se evidente que o cerco está montado, tal
como esteve montado ao Syriza quando venceu as eleições gregas e varreu alguns
dos políticos tradicionais, esses sim, com fortes responsabilidades na situação
a que a Grécia chegou. Entenda-se por cerco a opinião e análise predominante
nos media. Como é evidente, toda a gente tem direito (era o que faltava que não
tivesse…) a ter opinião e a liberdade de a tornar pública. É o caso de muitos
dos que ocupam posições que lhes dão acesso regular aos media e de outros que
nos media têm poder de decisão. O problema é que a esmagadora maioria dos que
têm esse acesso e dos que ocupam esses lugares com poder de decisão têm sempre
tendência a defender determinada área política em detrimento de outra.
Dizer
que o pluralismo de opinião nos media é um dado adquirido e algo substantivo em
Portugal, é um acto de grande esforço e um bocado zarolho.
Pinhal Novo, 15 de Setembro de 2015
josé manuel rosendo
PS - créditos da foto: The Guardian
PS - créditos da foto: The Guardian
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