As coisas estavam a correr de forma quase perfeita.
Circulavam os capitais e os bens, mas as pessoas estavam quietinhas, ou pelo
menos pouco se movimentavam… os lucros acumulavam-se e era importante manter o
ritmo.
Em tempos de absoluto desprezo pelas pessoas e de
endeusamento do dinheiro e dos pseudo gurus da Economia, os ditos-cujos sempre defenderam
a absoluta normalidade da deslocalização (adoro a novilíngua…) de empresas, em
regra para países de mão-de-obra barata que permitia aumentar os lucros (diziam
que era em nome da competitividade, da viabilidade das empresas, essas coisas…);
os mesmos ditos-cujos acham normal a livre circulação de capitais e que seja
possível comprar acções na bolsa de Pequim ou Tóquio durante a manhã, fazer o
mesmo à hora de almoço em Paris ou Londres, e terminar o dia em negociata na
bolsa de Nova Iorque; os mesmos ditos cujos acham normal os off-shores que não
passam de uma forma de fuga ao fisco que sonega dinheiro aos orçamentos dos
Estados; os mesmos ditos cujos defenderam, em nome dos negócios (entenda-se
dinheiro que fabrica dinheiro sem produzir qualquer riqueza), que a
comercialização de bens deve ser o mais alargada possível e desregulada ao
máximo, e que as fronteiras a essa circulação devem ser derrubadas; os mesmos
ditos-cujos sempre disseram que que a globalização é algo imparável,
incontornável, inevitável, disseram até que não adianta tentar controlar o que
é incontrolável e que mais tarde ou mais cedo vai acontecer.
Defenderam tudo isto enquanto a máquina registadora
facturava, mesmo que todas estas opções e desregulação provocassem,
simultaneamente, vagas de desemprego e empobrecimento nos países em que a
mão-de-obra é mais dispendiosa. Diziam que era um sinal dos tempos e que nada
havia a fazer. Ou talvez houvesse, como por exemplo desvalorizar o trabalho nos
países em que era mais dispendioso. Olhavam com desprezo para quem os
contrariava e largavam a estafada fórmula: é a Economia, estúpidos!
Para estes tempos de endeusamento do dinheiro e de
desprezo pelas pessoas, um mundo em que as empresas pudessem mudar de país e em
que as pessoas não pudessem fazer o mesmo, seria, era, o mundo ideal.
Mas eis
que as voltas da guerra, com que alguns muito lucram, trocam as voltas a este cenário perfeito. De repente, milhares de pessoas sem alternativa metem pés ao
caminho e decidem procurar um local seguro onde não sintam a ameaça de um
bombardeamento, de um tiroteio ou a perseguição de fanáticos loucos com sede de
sangue. Procuram um porto seguro e querem, porque a isso têm tanto direito como
aqueles que vivem na Europa, um trabalho, uma casa, uma vida normal. Apenas
isso: uma vida normal. E eis que, aqueles que se referiam à globalização como
algo de incontrolável e inevitável se apressam a tomar medidas: levantam muros,
criam campos de acolhimento, convocam militares e polícia, encerram espaço
aéreo (fronteira Hungria/Sérvia), alvitram a possibilidade da entrada de
terroristas e da invasão muçulmana… traçam cenários negros… os mais
conservadores recusam quotas de acolhimento. Todos estão atarantados com algo que não
esperavam e não desejavam. Uma chatice: estava tudo a correr tão bem.
Se as empresas podem deslocalizar-se com o argumento
de irem em busca de mercados de mão-de-obra mais barata, por que razão as
pessoas que fogem da guerra não poderão deslocalizar-se em busca de locais
seguros e de empregos que lhes assegurem uma vida normal? Sendo certo que a
movimentação de pessoas não pode ser um processo desregulado e anárquico, esta
sim é a verdadeira globalização: a das pessoas! Porque o mundo é de todos. A globalização é desejável, enquanto enriquecimento colectivo através do que cada um de nós pode dar e aprender com o outro.
Pinhal Novo, 15 de Setembro de 2015
josé manuel rosendo
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