terça-feira, 15 de setembro de 2015

Refugiados na Europa? É a globalização, estúpido!


As coisas estavam a correr de forma quase perfeita. Circulavam os capitais e os bens, mas as pessoas estavam quietinhas, ou pelo menos pouco se movimentavam… os lucros acumulavam-se e era importante manter o ritmo.

Em tempos de absoluto desprezo pelas pessoas e de endeusamento do dinheiro e dos pseudo gurus da Economia, os ditos-cujos sempre defenderam a absoluta normalidade da deslocalização (adoro a novilíngua…) de empresas, em regra para países de mão-de-obra barata que permitia aumentar os lucros (diziam que era em nome da competitividade, da viabilidade das empresas, essas coisas…); os mesmos ditos-cujos acham normal a livre circulação de capitais e que seja possível comprar acções na bolsa de Pequim ou Tóquio durante a manhã, fazer o mesmo à hora de almoço em Paris ou Londres, e terminar o dia em negociata na bolsa de Nova Iorque; os mesmos ditos cujos acham normal os off-shores que não passam de uma forma de fuga ao fisco que sonega dinheiro aos orçamentos dos Estados; os mesmos ditos cujos defenderam, em nome dos negócios (entenda-se dinheiro que fabrica dinheiro sem produzir qualquer riqueza), que a comercialização de bens deve ser o mais alargada possível e desregulada ao máximo, e que as fronteiras a essa circulação devem ser derrubadas; os mesmos ditos-cujos sempre disseram que que a globalização é algo imparável, incontornável, inevitável, disseram até que não adianta tentar controlar o que é incontrolável e que mais tarde ou mais cedo vai acontecer. 

Defenderam tudo isto enquanto a máquina registadora facturava, mesmo que todas estas opções e desregulação provocassem, simultaneamente, vagas de desemprego e empobrecimento nos países em que a mão-de-obra é mais dispendiosa. Diziam que era um sinal dos tempos e que nada havia a fazer. Ou talvez houvesse, como por exemplo desvalorizar o trabalho nos países em que era mais dispendioso. Olhavam com desprezo para quem os contrariava e largavam a estafada fórmula: é a Economia, estúpidos!

Para estes tempos de endeusamento do dinheiro e de desprezo pelas pessoas, um mundo em que as empresas pudessem mudar de país e em que as pessoas não pudessem fazer o mesmo, seria, era, o mundo ideal. 

Mas eis que as voltas da guerra, com que alguns muito lucram, trocam as voltas a este cenário perfeito. De repente, milhares de pessoas sem alternativa metem pés ao caminho e decidem procurar um local seguro onde não sintam a ameaça de um bombardeamento, de um tiroteio ou a perseguição de fanáticos loucos com sede de sangue. Procuram um porto seguro e querem, porque a isso têm tanto direito como aqueles que vivem na Europa, um trabalho, uma casa, uma vida normal. Apenas isso: uma vida normal. E eis que, aqueles que se referiam à globalização como algo de incontrolável e inevitável se apressam a tomar medidas: levantam muros, criam campos de acolhimento, convocam militares e polícia, encerram espaço aéreo (fronteira Hungria/Sérvia), alvitram a possibilidade da entrada de terroristas e da invasão muçulmana… traçam cenários negros… os mais conservadores recusam quotas de acolhimento. Todos estão atarantados com algo que não esperavam e não desejavam. Uma chatice: estava tudo a correr tão bem.

Se as empresas podem deslocalizar-se com o argumento de irem em busca de mercados de mão-de-obra mais barata, por que razão as pessoas que fogem da guerra não poderão deslocalizar-se em busca de locais seguros e de empregos que lhes assegurem uma vida normal? Sendo certo que a movimentação de pessoas não pode ser um processo desregulado e anárquico, esta sim é a verdadeira globalização: a das pessoas! Porque o mundo é de todos. A globalização é desejável, enquanto enriquecimento colectivo através do que cada um de nós pode dar e aprender com o outro.

Pinhal Novo, 15 de Setembro de 2015

josé manuel rosendo

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