segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

E depois do Estado Islâmico?


Após os atentados de Paris, as emoções estão (ainda) à flor da pele e quando não alinhamos no instinto primário da vingança somos quase automaticamente colados aos defensores e autores da barbárie.

Ponto prévio: é muito escassa a informação fidedigna sobre o Estado Islâmico. Sabemos quase nada e o que sabemos tem origem na propaganda do próprio Estado Islâmico e na propaganda anti Estado Islâmico. Na maior parte dos casos a informação tem origem em fontes impossíveis de verificar. Existe uma guerra e, como em todas as guerras, a propaganda e a contra-informação fazem o seu caminho. Em qualquer guerra a face visível do confronto é apenas uma pequena parte do que de facto está em jogo.

Há várias semanas que, oficialmente, Estados Unidos e Rússia anunciam centenas de voos e milhares de alvos atacados. Das duas uma: ou o Estado islâmico tem uma dimensão, capacidade e organização, que ninguém quer admitir ou estão a largar bombas de forma indiscriminada sem terem noção dos alvos que estão a atingir e correndo o risco de provocar os habituais danos colaterais.

Aceitando como boa a informação que Estados Unidos e Rússia têm divulgado sobre os ataques aéreos, poucos terão dúvidas sobre o futuro do Estado Islâmico. Quando as duas grandes potências mundiais (e outras) descarregam toneladas de bombas na Síria e no Iraque, torna-se evidente que o Califa e os seus seguidores vão ser pulverizados ou, quanto muito, ficarão reduzidos a pequenos grupos dissimulados na população e de regresso à estratégia de guerrilha.

Convém no entanto avaliar alguns dados: porquê apenas agora o intensificar dos bombardeamentos? Porquê apenas agora os ataques a zonas petrolíferas (dizem…) e a camiões cisterna de transporte de petróleo? O que é que estes ataques significam? Vão “desfazer” o Estado Islâmico e deixar a sírios e iraquianos o resto do problema? E depois há aquela pergunta de “1 milhão de dólares”: a quem interessa esta guerra e a existência do Estado Islâmico? Há tantas respostas possíveis, mas a participação de várias potências e vários actores regionais nesta guerra tem desde logo um significado muito simples: querem ter uma palavra sobre o futuro da região quando o Estado Islâmico acabar. Acho que já vimos algo parecido precisamente na mesma região.

O futuro passa por uma pergunta simples de resposta terrivelmente complexa: e depois do Estado Islâmico? Desde logo não é de todo impossível que o Estado Islâmico não evolua para um “estado sunita” (faltando saber em que moldes e em que território). Há teorias nesse sentido. Depois: acabada a guerra com o Estado Islâmico (com a qual todos parecem concordar), o que fazer com Bashar al Assad? Como resolver o problema na Síria, palco para uma miríade de grupos mais ou menos extremistas, mais ou menos laicos? O que fazer com os curdos? O que fazer com o PKK (que combate o Estado Islâmico), considerado terrorista pelo ocidente? O que fazer com as (YPG) Unidades de Protecção Popular (que também combatem o Estado Islâmico) marcadas com o mesmo rótulo? O que fazer com os combatentes do Estado Islâmico que sobreviverem?

Um exemplo simples ajuda a explicar a complexidade da situação: Mossul. A segunda maior cidade do Iraque fica na fronteira da zona árabe com a zona curda. É reivindicada por curdos e árabes. Neste momento, a questão que já se discute no terreno é a de saber quem fica a controlar a cidade após a expulsão do Estado Islâmico. Parte da população de Mossul prefere viver com o Estado Islâmico a ver entrar os xiitas e as previsíveis vinganças; os xiitas querem a cidade para eles porque vão ter que ser as milícias xiitas, juntamente com as forças do governo de Bagdad – também quase só xiitas – a desencadear o ataque à cidade; os curdos reivindicam a cidade e têm o argumento de terem travado o Estado Islâmico quando o exército iraquiano bateu em retirada. Não é possível tomar Mossul sem a colaboração dos curdos mas estes não confiam na capacidade das forças de Bagdad – dizem que não podem confiar num governo que precisa de milícias para defender o seu próprio povo.

Sobre Raqaa, na Síria, declarada capital do Estado Islâmico, podemos fazer perguntas semelhantes embora envolvendo actores diferentes. Alguém sabe responder a tantas perguntas e a questões tão complexas? Parece haver, no entanto, uma resposta segura: vamos ter outras guerras na região depois de terminada a guerra ao Estado Islâmico.

Pinhal Novo, 7 de Dezembro de 2015

josé manuel rosendo

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