quinta-feira, 9 de junho de 2016

Fujam que é legal…



É tudo legal. Oiço esta frase e a primeira reacção é a de fugir, ficar longe de quem a diz. Há uma nuance que consiste em dizer: não é ilegal! Assim como que a admitir que há um buraquinho na Lei, uma omissão. Mas há ainda outra que me dá vontade de fugir: quando oiço alguém dizer que não há incompatibilidade. Num e noutro caso, há marosca, pela certa.

Os offshores são legais; os milhões de euros em prémios pagos a administradores de bancos falidos são legais; as PPP’s são legais; as reformas douradas são legais; a deslocalização de sede de empresas é legal; o corte de salários e pensões é legal; aumentar o salário dos gestores da Caixa Geral de Depósitos passou a ser legal. Admito que seja tudo legal, mas quem é que não fica admirado com estas leis?

Paulo Portas vai trabalhar com a Mota-Engil e não há incompatibilidades; o ex-Ministro das Finanças Vítor Gaspar foi trabalhar com o FMI e não há incompatibilidade; a ex-Ministra das Finanças foi trabalhar com a financeira Arrow, continua deputada, e não há incompatibilidade. Não vale a pena continuar a listar os casos. Admito que não haja incompatibilidade. Mas quem é que não torce o nariz?

Houve um tempo em que associávamos a justiça ao direito e à Lei. Pensávamos que a Lei significava justiça naquele sentido amplo da palavra. Pensávamos que cumprir a Lei era fazer o que está certo e é melhor para a comunidade, de modo a que cada um tivesse o que lhe é devido (segundo um velho conceito romano). Isso seria justo. Afinal não é assim.

Demorámos a perceber que justiça e direito (o conjunto das normas que regulam a nossa vida) são coisas diferentes. Entre a justiça e o direito há um fosso. As conveniências particulares de quem controla o sistema tornaram-se legais. A promiscuidade tornou-se legal. A justiça, nesse conceito amplo da palavra, é uma miragem.

Desde logo a Lei devia ser algo simples. E não venham dizer que a Lei é complexa na directa medida em que a vida e a realidade são complexas. Não é por isso. Já todos percebemos que é bom para determinados interesses que a Lei seja complexa. Quanto mais complexa mais difícil o nosso entendimento. Ganham os iluminados que fazem a Lei a seu bel-prazer deixando abertos os alçapões por onde entram os interesses assim legalizados e nunca incompatíveis.

Há ainda aquele argumento de que temos um Estado de Direito Democrático. É verdade, embora apenas na forma. E aqui chegado não sinto vontade de fugir, mas sinto uma enorme tristeza de que a Democracia seja associada a este estado das coisas. Não devia ser assim.

Pinhal Novo, 8 de Junho de 2016

josé manuel rosendo

1 comentário:

  1. Muito bem. Faço minhas as suas palavras. Claro que a justiça jamais se aplicará com leis feitas à medida e no interesse dos homens de colarinho branco. Aconselho a propósito a leitura do livro do jornalista Gustavo Sampaio «Os Facilitadores - como a política e os negócios se entrecruzam nas sociedades de advogados».

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