É tudo legal. Oiço esta frase e a primeira reacção é
a de fugir, ficar longe de quem a diz. Há uma nuance que consiste em dizer: não
é ilegal! Assim como que a admitir que há um buraquinho na Lei, uma omissão. Mas
há ainda outra que me dá vontade de fugir: quando oiço alguém dizer que não há incompatibilidade.
Num e noutro caso, há marosca, pela certa.
Os offshores são legais; os milhões de euros em prémios
pagos a administradores de bancos falidos são legais; as PPP’s são legais; as
reformas douradas são legais; a deslocalização de sede de empresas é legal; o
corte de salários e pensões é legal; aumentar o salário dos gestores da Caixa
Geral de Depósitos passou a ser legal. Admito que seja tudo legal, mas quem é
que não fica admirado com estas leis?
Paulo Portas vai trabalhar com a Mota-Engil e não há
incompatibilidades; o ex-Ministro das Finanças Vítor Gaspar foi trabalhar com o
FMI e não há incompatibilidade; a ex-Ministra das Finanças foi trabalhar com a
financeira Arrow, continua deputada, e não há incompatibilidade. Não vale a
pena continuar a listar os casos. Admito que não haja incompatibilidade. Mas
quem é que não torce o nariz?
Houve um tempo em que associávamos a justiça ao
direito e à Lei. Pensávamos que a Lei significava justiça naquele sentido amplo
da palavra. Pensávamos que cumprir a Lei era fazer o que está certo e é melhor
para a comunidade, de modo a que cada um tivesse o que lhe é devido (segundo um
velho conceito romano). Isso seria justo. Afinal não é assim.
Demorámos a perceber que justiça e direito (o
conjunto das normas que regulam a nossa vida) são coisas diferentes. Entre a justiça
e o direito há um fosso. As conveniências particulares de quem controla o
sistema tornaram-se legais. A promiscuidade tornou-se legal. A justiça, nesse conceito amplo da palavra, é uma miragem.
Desde logo a Lei devia ser algo simples. E não
venham dizer que a Lei é complexa na directa medida em que a vida e a realidade
são complexas. Não é por isso. Já todos percebemos que é bom para determinados
interesses que a Lei seja complexa. Quanto mais complexa mais difícil o nosso
entendimento. Ganham os iluminados que fazem a Lei a seu bel-prazer deixando
abertos os alçapões por onde entram os interesses assim legalizados e nunca
incompatíveis.
Há ainda aquele argumento de que temos um Estado de
Direito Democrático. É verdade, embora apenas na forma. E aqui chegado não
sinto vontade de fugir, mas sinto uma enorme tristeza de que a Democracia seja
associada a este estado das coisas. Não devia ser assim.
Pinhal Novo, 8 de Junho de 2016
josé manuel rosendo
Muito bem. Faço minhas as suas palavras. Claro que a justiça jamais se aplicará com leis feitas à medida e no interesse dos homens de colarinho branco. Aconselho a propósito a leitura do livro do jornalista Gustavo Sampaio «Os Facilitadores - como a política e os negócios se entrecruzam nas sociedades de advogados».
ResponderEliminar