Já alguém escreveu que o controlo de Faluja é fácil de
perder mas muito difícil de recuperar. É uma leitura acertada da história
recente desta cidade estratégica da província de Al Anbar. Desde logo uma outra
nota: os invasores de 2003 só muito tarde percebram a importância desta enorme
província, de maioria sunita, que tem “só” três fronteiras internacionais:
Síria, Jordânia e Arábia Saudita. Demorou bastante até que o General
norte-americano David Petraeus (que chegou em 2012 a Director da CIA) desenvolvesse
a estratégia de aproximação às tribos sunitas, marginalizadas após a invasão,
para tirar o tapete à Al Qaeda no Iraque. Estratégia feita com malas cheias de
dinheiro e promessas de integração, não cumpridas, aos sunitas.
A cidade conhece o cheiro da guerra como nenhuma outra no
Iraque. Há regiões do mundo relativamente às quais se diz que quem domina a
capital de um país domina esse país. Em relação a Faluja não se pode dizer o mesmo,
mas estando a cidade a pouco mais de meia-centena de quilómetros de Bagdad e
sendo um símbolo da resistência sunita aos invasores e ao poder do Governo
(xiita) iraquiano, dominar Faluja é meio-caminho andado e é um sinal de que a
resistência está controlada.
O único sinal de concertação dos que combatem a organização
Estado Islâmico – mesmo tendo diferentes interesses e perseguindo diferentes
objectivos estratégicos – é que houve muita propaganda em relação a alegados
ataques iminentes a Mossul e Raqqa. Houve até notícia em Raqqa de lançamento de
panfletos convidando a população a abandonar a cidade antes da batalha. Há
manobras e combates nos arredores longínquos das duas cidades referidas, mas
onde a tentativa de reconquista está mesmo a acontecer é em Faluja. Porquê?
Porque para o Governo de Bagdad essa é uma batalha decisiva. De que adianta
tentar reconquistar Mossul se não for possível conquistar uma cidade a
meia-centena de quilómetros de Bagdad? De que adianta conquistar Mossul se a
oposição xiita (de Moqtada al Sadr) que exige reformas contra a corrupção e
remodelação governamental não for calada com uma vitória contra os sunitas da
organização Estado Islâmico. O Governo de Haider al Abadi (exilado até 2003 no
Reino Unido e posteriormente regressado ao Iraque, esteve sempre na esfera do
poder, tendo sido ministro, e agora primeiro-ministro) precisa desesperadamente
de uma vitória na batalha de Faluja para se poder afirmar internamente. É quase
impossível que não a consiga mas falta saber a que preço. Esse preço pode
transformar uma vitória numa derrota e se assim for tudo ficará mais complicado
quando se tratar de tentar a reconquista de Mossul. Raqqa é outra conversa e é mais complicado.
Em Faluja, que se saiba, não há jornalistas. A propaganda
das duas partes faz circular informação contraditória. Há notícias de forte
resistência da organização Estado Islâmico (e o recurso a ataques aéreos podem
ser um sinal dessa resistência e da incapacidade das tropas iraquianas
avançarem) e há notícias de fuga dos combatentes da organização Estado Islâmico;
há notícia de avanços das forças governamentais mas também há notícias de
elevadas baixas entre as tropas de Bagdad. Atacantes e defensores trocam
acusações sobre a utilização de habitantes como escudos humanos. As Nações
Unidas referem cerca de 50 mil civis em Faluja mas só quando a batalha terminar
irá ser possível avaliar o preço desta batalha de Faluja. É isto o que se sabe
e porque se sabe pouco as notícias de Faluja desapareceram dos alinhamentos
noticiosos.
Pinhal Novo, 3 de Junho de 2016
josé manuel rosendo
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