Foto: FPF
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças...
Miguel Torga, in Sísifo
Se por esta hora, a selecção nacional de futebol não
se tivesse sagrado campeã da Europa, não tenho grandes dúvidas de que já se
teriam feito ouvir muitas vozes, alegando que a Fé do treinador tinha sido
insuficiente para vencer jogos; que Fernando Santos confundia Fé com
competência; que os troféus não se ganham com promessas a Fátima, e por aí fora…
Talvez até, os mais atrevidotes que gostam de dar um tom pretensamente erudito (asneira
na boca das elites é sempre um momento de erudição…) acrescentassem que a única
coincidência é a de que Fé e futebol começam pela mesma letra e mais uma vez
tínhamos sido f……!
Muito honestamente, confesso que ao ouvir Fernando
Santos dizer que só voltaria a casa após a final do Europeu, pensei que estava
a colocar a fasquia demasiado alta, e a cabeça no cepo. Apenas isso: vai ser muito difícil. Não fui
dos que pensaram que era palermice, nem fui dos que não acreditaram. E o motivo
é muito simples: durante uns anos pratiquei um desporto colectivo e tive a
sorte de ter bons mestres. E nunca tendo jogado num dos chamados grandes,
sempre que entrava em campo, contra os chamados grandes, acreditava que podia
vencer. Entrávamos em campo e era até à última gota de suor. A cada minuto que
passava com o resultado taco-a-taco nós acreditávamos que era possível. Esse
espírito era-nos incutido. E algumas vezes isso resultou, embora noutros casos
a realidade se tenha encarregado de provar a inexequibilidade do objectivo.
Surge também por estes dias quem condene o futebol
como se (tal como a religião muitas vezes é considerada) fosse outro ópio do
povo. O futebol, tal como a religião ou as tecnologias, a política ou até (cada
vez mais) os órgãos de comunicação social, apenas são o que os homens quiserem
e não mais do que isso.
Por que não ter paixão pelo futebol? Por que não ter
Fé? O problema não é ter, é querer encontrar uma explicação racional para isso.
A parte mais importante do nosso ser e da nossa vida é aquilo que não consta no
cartão do cidadão e faz de cada um de nós mais do que um nome e um conjunto de
números associados a uma fotografia: faz de nós, pessoas! É a nossa alma, a
nossa ética, o nosso coração, a bandeira que cada um decide empunhar, as causas
pelas quais decide combater, é isso que faz de nós pessoas. Ignorar isto é o
mesmo que pretender explicar a vida apenas com recurso a uma folha de excel com
dados sobre economia, produtividade, etc..
É por tudo isso (gosto de ser uma pessoa) que sinto
um arrepio quando ouço o Hino Nacional, adoro futebol (sensação maravilhosa ver a bola chutada por Éder colar-se ao fundo da baliza francesa) e estou grato à selecção
nacional por nos ter proporcionado estes momentos de alegria.
Depois temos as
outras causas, essas sim racionais. O que eu também gostava (ai se gostava…) de
ter visto era as janelas e as varandas decoradas com a bandeira nacional quando
a troika aterrou em Portugal; gostava de ver a Alameda cheia para protestar
contra a venda da REN, da EDP, dos CTT, da TAP; gostava de ver Portugal na rua
quando um qualquer governo negoceia a cedência de soberania sem consultar o
povo. Mas essa é outra conversa e se assim não aconteceu a culpa
não é do futebol nem da Fé. É nossa!
Pinhal Novo, 12 de Julho de 2016
josé manuel rosendo
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