Ainda não há muito tempo o Presidente dos Estados Unidos tratava o
Presidente da Rússia como "o meu amigo Medvedev" e o próprio Medvedev
admitia que a adesão da Rússia à Nato era “um tópico aberto para debate se
houver boa vontade e desejo" da parte dos membros da NATO (ver Expresso
online 20.11.2010). Foi na Cimeira da NATO, em Lisboa. A Rússia era parceiro. Era
o tempo da NATO redefinir estratégias, de falar em “operações fora de área” e
de um comprehensive aproach para tentar sair sem mais problemas do Afeganistão.
Não passou muito tempo, mas muita coisa mudou.
Os Estados Unidos “acabaram” com a sua presença nas guerras no Iraque e
no Afeganistão mas continuam envolvidos nesses países; a organização Estado
Islâmico incendiou grande parte do Médio Oriente e Norte de África; a Rússia
anexou a Crimeia e a Ucrânia está em guerra; a Europa enfrenta atentados e uma
possibilidade de desagregação da União Europeia; vários países da Europa de
Leste olham para a NATO como a alternativa à influência de Moscovo.
É com este pano de fundo que os líderes dos países da NATO vão estar
reunidos (8 e 9 de Julho) na Polónia. É com este pano de fundo que analistas e
comentadores vão tecer as teorias que estabelecem quem está no campo dos “bons”
e quem está no campo dos “maus”.
Mas em termos de Política Internacional utilizar essa denominação, mesmo
sem ser de forma explícita, é o primeiro passo para não entender o grande jogo
do xadrez mundial. Desde logo convém lembrar que há coisa de dois séculos atrás
os Estados Unidos tinham uma “Doutrina Monroe” que estabelecia uma barreira às
potências que pensassem em aproximar-se dos países das Américas que tinham
chegado à independência. Basicamente, os Estados Unidos – recentemente chegados
à independência – reivindicavam o direito de ter uma palavra a dizer em tudo o
que se passasse no continente americano. Os Impérios desse tempo, reunidos em
Alianças diversas, tinham obviamente interesses opostos. Era assim há 200 anos
e assim continua. O exemplo de Cuba é um caso flagrante.
Questões geográficas,
território, influência política e, mais recentemente económica como é o caso da
Alemanha dentro da própria Europa, determinam as políticas externas. É o caso
da Rússia neste momento. Desfeita a União Soviética, a Rússia procura recuperar
influência e, naturalmente, opõe-se à influência alheia em zonas onde julga ter
o direito de ser a potência reconhecida. Se há 200 anos os Estados Unidos
acharam natural reivindicar o direito de ter influência directa em todo o
continente americano, não parece nada de estranhar que a Rússia queira hoje ter
influência em países da sua vizinhança próxima, relativamente aos quais, ainda
há meia-dúzia de anos, era uma quase potência imperial. Foi também por isso que
a Rússia entrou abertamente na guerra na Síria. Também aí as potências disputam
influência. É apenas isso, ter influência, seja ela política, económica ou militar.
No campo das Relações Internacionais é tão fácil encontrar analistas que
defendem que a Doutrina Monroe há muito foi sepultada como é fácil encontrar
quem defenda que essa Doutrina sofreu sucessivas adaptações e continua activa,
até com adaptações que estendem a sua área de aplicação a quase todo o mundo,
com excepção, obviamente, dos inimigos a que se opõe.
Não é igualmente difícil encontrar quem defenda que a guerra-fria não
terminou e que a Rússia procura recuperar o poder e a influência que a União
Soviética teve em tempos idos.
É por vezes mais difícil encontrar quem analise estes jogos de poder sem
querer entender – e sem querer que os outros entendam – que é “apenas” de poder
que se trata e que, quando se trata de conquistar poder e influência, a atitude
dos Estados é muito semelhante.
Quanto à Europa, volta a precisar da NATO. A Estratégia Global Europeia
apresentada recentemente por Federica Mogherini diz isso mesmo: a NATO é o
pilar principal da segurança europeia. Para além de toda a inépcia revelada pelos
dirigentes europeus nas áreas económica, financeira e de políticas sociais,
também em matéria de defesa e política externa a União Europeia está próximo de
um desastre absoluto. Cada um dos 28 tem a sua política correspondente ao seu
interesse nacional e isso significa que não há uma política comum de defesa. A
Europa tem uma guerra no leste e tem o Médio Oriente e o Norte de África num
caos quase total tornando o Mediterrâneo uma fronteira que ninguém parace saber
como deve ser defendida. E não sabe o que há-de fazer.
Ironia maior, ou talvez não, a NATO está reunida precisamente na
cidade onde em 1955 a então União Soviética criou o Pacto de Varsóvia, a
aliança dos países de leste. A criação do Pacto Varsóvia tem sido descrita como
uma resposta à NATO, mas essa explicação não é consensual. Há outra explicação
e essa é a de que o Pacto de Varsóvia foi criado quando, quebrando a
neutralidade a que estava obrigada desde o final da II Guerra Mundial, a
Alemanha integrou a NATO. Também neste caso, cada um escolhe a resposta que
mais lhe agradar, mas não deixa de ser curioso que uma Aliança que se diz do
mundo livre faça uma cimeira num país em que a liberdade parece estar em perigo
e que o próprio Presidente dos Estados Unidos tenha feito, já em Varsóvia, um
apelo para que todas os protagonistas da política polaca trabalhem juntos para
apoiar as instituições democráticas. Obama sublinhou o Estado de Direito, a
independência da Justiça e a liberdade de imprensa. São estes os riscos no país
que acolhe a cimeira da NATO.
Pinhal Novo, 9 de Julho de 2016
josé manuel rosendo
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