Iranianos já começaram a votar. Foto da Press TV (Irão) |
Ao ver algumas
fotografias da campanha eleitoral no Irão, assaltam-me a memória outras imagens
de uma outra campanha eleitoral que segui de perto, na Palestina. Corria o ano
de 2006 e Yasser Arafat morrera em 2004. A marca que a memória registou foi
precisamente a de uma campanha eleitoral em que a maioria dos cartazes, não era
dos candidatos, mas sim de palestinianos já falecidos ou presos nas cadeias
israelitas. Arafat era um desses casos, outro era o do Sheik Yassin, líder e
fundador do Hamas, assassinado por Israel, e Marwan Barghouti, da Fatah, líder da segunda
Intifada, preso desde 2002 e considerado ainda por muitos como o homem que pode
vir a ser o futuro líder palestiniano. Foram estes homens que as forças
políticas, principalmente Fatah e Hamas, escolheram para colocar nos cartazes
de apelo ao voto e que faziam quase o pleno da propaganda eleitoral.
No Irão, por estes dias, os cartazes com a imagem do
general Qassem Souleimani (assassinado pelos Estados Unidos), não fazem o
pleno, mas estão presentes, para lembrar o mártir, mas principalmente como
tentativa de criar um factor de união que leve os iranianos às urnas de modo a
que o regime obtenha uma maior legitimidade.
Economia e Nuclear
Nestas eleições de 21 de
Fevereiro há uma expectativa principal: saber se o moderado, Presidente Hassan
Rouhani, obtém apoio para resistir à pressão, ou se os conservadores ganham
terreno nos 290 lugares do Parlamento. Uma outra expectativa é a de saber qual
vai ser a participação. Os apelos ao boicote têm surgido mas o Aiatola Ali Khamenei
veio dizer que votar é um dever religioso. Em 2012 votaram 66% dos
eleitores, em 2016 a participação caiu para 62%.
O Irão enfrenta uma
forte crise económica que cresceu com a reposição e agravamento das sanções
impostas pelos Estados Unidos da América, após Washington ter abandonado o
Acordo Nuclear. O Presidente Rouhani, tido como grande influenciador do Acordo, e simultaneamente muito criticado internamente pelos termos do próprio Acordo, é
agora também acusado de ser o responsável pela situação económica do país. A crise
económica deu origem a grandes manifestações e a uma repressão que as
autoridades iranianas negam, mas que os opositores do regime dizem ter
provocado centenas de vítimas. Um terço dos eleitores tem entre 18 e 34 anos,
uma faixa etária em que o desemprego toca os 18%, mas em que as mulheres são
muito mais atingidas. O Fundo Monetário Internacional projecta um recuo da
economia iraniana de 9,5% em 2019, com crescimento estável em 2020. A inflacção em 2019 ultrapassou os 30%.
Ao cenário económico e à
contestação, junta-se o recente assassinato de Qassem Souleimani e o apelo para cerrar fileiras feito pelo regime. Saber qual destes factores vai pesar
mais na decisão dos iranianos é a incógnita. Muitos poderão não ir às urnas
porque também consideram que a abertura política e a prosperidade prometidas
por Rouhani, afinal não se concretizaram. Em regra, a abstenção favorece a
linha dura.
Moderados ou Conservadores?
58 milhões de eleitores
vão ser chamados às urnas e uma das indicações que também vão dar está
relacionada com as presidenciais do próximo ano. Rouhani não pode
recandidatar-se, mas falta saber se os iranianos pretendem alguém da mesma
linha considerada moderada e reformadora ou se preferem alguém da linha dura,
sendo que muitos analistas dizem que as coisas não assim a preto-e-branco,
existindo muitas nuances.
A Al Jazeera aponta como
principais figuras o reformista Majid Ansari, o conservador Mohammad Bagher
Ghalibaf e o ultra-conservador Morteza Agha Tehrani.
Para além de elegerem um
Parlamento, os iranianos vão eleger também sete membros (dos 88) da Assembleia
de Peritos, um órgão importantíssimo porque tem o poder de nomear o Líder
Supremo do Irão.
Sendo que o Parlamento e
a Assembleia de Peritos são os dois únicos órgãos do sistema político do Irão que eleitos por sufrágio universal,
o problema está na desqualificação de muitos candidatos decidida pelo Conselho
dos Guardiães, outro órgão do sistema político que é composto por seis
religiosos nomeados pelo Líder Supremo e outros seis advogados eleitos pelo
Parlamento. Os reformadores dizem que a desqualificação de muitos dos que
queriam apresentar como candidatos inviabiliza a apresentação de candidaturas
em vários círculos eleitorais.
Urnas abertas
À hora a que escrevo, as
urnas já abriram. Face à desqualificação de muitos candidatos
reformadores conhecidos da população, antecipa-se uma vitória dos
conservadores. Não havendo sondagens no Irão, regresso às eleições
palestinianas de 2006 para dizer que pode não ser avisado tentar antecipar resultados
em eleições atípicas. Na Palestina, em 2006, mesmo havendo sondagens, elas revelaram-se
absolutamente erradas. Essas sondagens davam uma vitória esmagadora à Fatah e
até houve um jornal português que fez primeira página anunciando a vitória da
Fatah antes de serem conhecidos os resultados. Mas não ganhou. Foi o Hamas que
venceu as eleições, e com maioria absoluta.
Pinhal Novo, 21 de
Fevereiro de 2020
josé manuel rosendo
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