Mahmood Abbas, Presidente da Autoridade Palestiniana, na reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em 11 de Fevereiro de 2020. Foto a partir da transmissão da ONU. |
Ao ouvir o Presidente da Autoridade
Palestiniana, Mahmood Abbas, e o embaixador de Israel Danny Danon, no Conselho
de Segurança das Nações Unidas, a minha memória recuperou uma longa conversa
com um velho palestiniano. Conversámos num hotel modesto de Jerusalém
Oriental, onde ainda se podia fumar, beber café e conversar, sem bandos de
turistas barulhentos em redor. Uma daquelas conversas em que temos a sensação
de estar a “beber” História. Era um homem da Fatah, antigo professor universitário,
laico e, talvez a referência principal que anotei, muito desiludido. Desiludido com
tudo. Até com a própria Fatah e com a Autoridade Palestiniana, mas
principalmente com os países árabes, alegadamente irmãos.
A voz era pesada. Pesada, porque era
grossa e forte, e porque cada palavra tinha um sentido bem pensado e rigoroso.
Disse-me ele a propósito da chamada Primavera Árabe – que considerava
inevitável – que os líderes árabes, de tão corruptos e inseguros que alguns são,
apenas se preocupavam com o seu próprio poder. Nada mais lhes preenchia a
agenda, embora a retórica sobre a causa palestiniana incluísse palavras bonitas.
A solidariedade ficava por aí, pelas palavras, e por despejar alguns milhões de
dólares nos bolsos da Autoridade Palestiniana, que, dizia-me ele, estava, tal
como os líderes árabes, preocupada apenas com o próprio poder.
Este homem contou-me também – para
explicar a espontaneidade das revoltas árabes de 2011 – que a primeira Intifada
(1987) começou da mesma maneira que as ruas do Cairo se “incendiaram”: sem
direcção ou intervenção das forças políticas palestinianas. Os líderes foram
surpreendidos pela revolta popular e limitaram-se a apanhar, e depois dirigir, essa
revolta.
A reunião de terça-feira no Conselho de
Segurança da ONU trouxe-me de volta a memória desta conversa, quando o
embaixador de Israel na ONU, Danny Danon, “atirou à cara” de Mahmood Abbas a
atitude de líderes árabes que assinaram Tratados de Paz com Israel. Foi o caso
do antigo presidente egípcio, Anwar Sadat, e do Rei Hussein, da Jordânia. Com
os exemplos dados, o diplomata israelita passou uma mensagem muito clara: os
palestinianos estão sozinhos, não esperem ajuda dos vossos amigos árabes. E tem
razão. É longa a história de desentendimentos entre os países árabes quando se
trata de objectivos comuns. Cada um trata de si. O funcionamento e o impacto
quase nulo das decisões da própria Liga Árabe, é um exemplo dessa forma de
estar. O actual momento do conflito israelo-palestiniano seria o ideal para os
países árabes falarem a uma só voz. Falar e fazer algo de concreto.
Tudo isto não anula a validade dos argumentos de Moahmood Abbas perante o Conselho de Segurança. Abbas rejeita
o plano de Donald Trump e contrapõe a exigência de haver primeiro uma solução
política, e depois pode haver ajuda económica, que até será bem-vinda. Ao
contrário é que não!
Perguntou ainda Abbas quem pode oferecer
Jerusalém como se fosse um presente (alusão ao reconhecimento feito pelos
Estados Unidos de Jerusalém como capital indivisível de Israel)? Volta a ter
razão, mas esqueceu-se que até estava sentado à sua frente, no Conselho de
Segurança, o representante do mesmo Reino Unido que ofereceu – Declaração
Balfour - um Lar Nacional para o Povo
Judeu, num território que não pertencia ao Reino Unido. Ou seja: Trump
“oferece” o que não lhe pertence, tal como o Reino Unido fez, já lá vai um
século.
Mahmood
Abbas está carregado de razão, no que ao Plano de Donald Trump diz respeito,
mas esquece-se que tem sido com a actual Autoridade Palestiniana que as
aspirações palestinianas têm vindo a ser sucessivamente eliminadas. Seja por
culpa própria – desmobilização da sociedade palestiniana em torno das
reivindicações nacionais – seja porque a nível internacional a causa
palestiniana apenas tem apoio retórico, notando-se neste plano a falta de qualquer
acção concertada por parte dos países árabes “irmãos”.
Em
termos muito pragmáticos a realidade no terreno é fácil de definir: na Faixa de
Gaza, controlada pelo Hamas, não há uma única bota israelita; na Cisjordânia,
controlada pela Autoridade Palestiniana, a realidade do território é aquela que
consta do mapa exibido por Mahmood Abbas no Conselho de Segurança da ONU. E
não, que não se acuse esta leitura de ser pró-Hamas, ou pró-terrorismo ou pró-outra-coisa-qualquer
que, dá para adivinhar, é o primeiro argumento a sair da cartola. Não é nada
disso. É apenas olhar para a realidade no terreno e ler o que têm sido as mais
recentes décadas com a causa palestiniana sempre a perder terreno. O Estado da Palestina, se nada mudar, poderá quanto muito
resumir-se a umas bolsas de terreno dentro do Estado de Israel.
Pinhal
Novo, 12 de Fevereiro de 2020
josé
manuel rosendo
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