As manifestações que se seguiram, e continuam, levaram à ocupação de vários ministérios e à demissão de dois ministros e também à renúncia de sete deputados. Mas é bom que se saiba que as manifestações já tinham provocado a queda de um Primeiro-ministro (Saad Hariri) e não foi por isso – por ter havido um novo Governo – que alguma coisa mudou no quotidiano libanês. Aliás, o actual Governo, liderado por Hassan Diab, já foi uma resposta às manifestações, sendo um Governo de características muito específicas (formado por tecnocratas) e totalmente inesperadas, uma vez que o Primeiro-Ministro (sunita, como a Constituição obriga) não tem o apoio das forças sunitas, mas sim do Hezbollah (xiita) e respectivos aliados. Algo que nunca tinha acontecido.
Por estes dias, no Líbano, tal como em 2011 aquando das “primaveras árabes” noutros países, o povo também quer a “queda do regime!”, mas a diferença é que o regime libanês é um regime democrático. Com muitos e terríveis defeitos, é certo. Tal como em muitas outras democracias, também no Líbano, a corrupção e os líderes políticos que pensam em tudo menos na boa governação, acabam por desiludir o povo e chega o dia em que a “rua” se revolta a sério.
Em 2011, nas ruas de Tunis, Cairo ou Bengahzi, o povo pediu a “queda do regime” mas eram ditadores sanguinários que estavam a ser corridos. No Líbano, a questão é diferente, embora a maioria da actual classe política não mereça qualquer consideração.
A pergunta a fazer é simples: se este Governo sair de imediato, quem governa o Líbano até às eleições já prometidas? Se esta classe política for afastada quem tomará o seu lugar? Numa ditadura, quando há uma revolução, a oposição tem gente preparada para tomar o poder, mas no caso do Líbano, não se sabe como será. Obviamente que esta dúvida não pode servir de argumento para manter gente corrupta no poder, mas seria bom que se conhecessem as alternativas, até porque a última coisa que o Líbano precisa é de uma situação em que a luta política ganhe contornos de conflito violento.
Por agora, conhece-se uma “Carta de Salvação Nacional, para um Estado de Direito e da Cidadania”, da autoria de um “colectivo de cidadãos” que já terá recebido mais de 70 mil assinaturas e que propõe um conjunto de medidas contra a corrupção e o clientelismo de um (actual) poder de base confessional. A dita carta propõe, entre outras coisas, que o actual acordo que distribui o poder pelas diferentes confissões religiosas seja anulado e que a representação no parlamento dependa apenas das opções políticas dos libaneses. Aqui chegados temos outro problema: o Acordo de Taif, assinado em 1989 e que ajudou a pôr fim à guerra civil, distribui os cargos políticos entre as diferentes comunidades religiosas e mesmo se, até agora, nunca foi totalmente cumprido, contribuiu de forma decisiva para o Líbano não voltar à guerra civil. Se for anulado não se sabe o que poderá acontecer. O Acordo de Taif obriga a alianças e acordos porque nenhuma das comunidades é maioritária e mesmo que isso tenha sido utilizado para a compra de favores e para o escalar da corrupção, também é verdade que evitou o domínio de qualquer uma das comunidades em relação às outras.
É certo que a comunidade libanesa de hoje não é igual àquela que há 30 anos aceitou este Acordo, mas a religião continua a ter um forte peso na sociedade libanesa e na hora de votar não se sabe se as novas gerações não vão fazer uma opção confessional. Se a derrocada do actual sistema no Líbano conduzir a um outro sistema livre da distribuição confessional dos cargos políticos, teremos de esperar para ver o resultado, mas só os libaneses sabem aquilo que pode ser o melhor para esse país, maravilhoso, à beira do Mediterrâneo.
Pinhal Novo, 9 de Agosto de 2020
josé manuel rosendo
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