sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Acordo de Paz entre Israel e o líder mais poderoso do mundo árabe provoca a fúria dos palestinianos

 Edição do Courrier International nº 1494, com cartoon assinado por André Carrilho

Durante a conferência de imprensa em que anunciou o Acordo de Paz entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, o Primeiro-Ministro israelita, Benjamin Netanyahu, foi muito claro: a anexação do Vale do Jordão e de grande parte da Cisjordânia onde estão muitas dezenas de colonatos judaicos, continua em cima da mesa e a suspensão é apenas temporária. Dito de outra forma: esta suspensão é útil para conseguir este Acordo, mas vamos ver como correm as coisas e, se for preciso, a anexação avança sem demoras.

 

O Acordo tem a bênção de Donald Trump, presidente dos Estado Unidos, que juntamente com Mohammed bin Zayed (MBZ), príncipe dos Emirados Árabes Unidos e Benjamin Netanyahu, partilham ódios comuns: o Irão e a Irmandade Muçulmana. Anunciado como “histórico”, o Acordo é principalmente do interesses dos três líderes que o fizeram, porque reforça o arco de inimigos do Irão, aprofunda a divisão no mundo árabe e enfraquece a causa palestiniana.


Depois de estilhaçar tudo o que estava acordado para o conflito israelo-palestiniano, Donald Trump pretende surgir agora como o construtor da paz entre israelitas e árabes, ao mesmo tempo que (com eleições no horizonte) procura algum êxito que anule a imagem negativa que tem vindo a construir por causa da pandemia; Benjamin Netanyahu, entra na lista (o terceiro) de líderes israelitas a conseguirem a Paz com um país árabe, livra-se da promessa de uma anexação imediata e encontra um aliado produtor de petróleo; MBZ passa a ter acesso a mais tecnologia israelita, quiçá armamento e reivindica que o Acordo tenha sido alcançado como forma de suspender a anexação da Cisjordânia, pretendendo ser visto como o salvador dos palestinianos.


Mas essa não foi a interpretação dos palestinianos e de imediato surgiu uma chuva de críticas. Na Faixa de Gaza, o Hamas considerou a atitude dos Emirados como uma “facada nas costas” e acusou-os de estarem a premiar Israel pelos crimes cometidos com a ocupação (da Cisjordânia); em Ramallah, Mahmood Abbas, líder da Autoridade Palestiniana (AP), disse que se trata de uma traição. Um porta-voz da AP, acrescentou que é uma “traição a Jerusalém, (à Mesquita de) Al-Aqsa e à causa palestiniana”. Outra destacada dirigente palestiniana, Hanan Ashrawi, da Organização de Libertação da Palestina, através do Twitter, disse que “Israel foi recompensado por não declarar abertamente o que está a fazer à Palestina de forma ilegal e persistente desde o início da ocupação”. Ainda mais um dado: a Agência Palestiniana Wafa revelou que o representante palestiniano nos Emirados foi chamado a Ramallah.

 

No Irão, a Agência de notícias Tasnim, próxima da Guarda Revolucionária, classificou o acordo de “vergonhoso”. Por fim, em Israel, o presidente do Conselho que representa cerca de quinhentos mil colonos, disse que o Acordo é uma traição à confiança dos colonos que vivem na Cisjordânia.

 

Quanto aos dois únicos países árabes que já tinham Tratados de Paz com Israel, a Jordânia disse que é preciso esperar para ver e defendeu que Israel deve participar em negociações sérias para chegar à solução dois Estados; o Presidente egípcio Abdel Fatah Al Sissi  regozijou-se e saudou o que disse ser uma etapa para a concretização da paz no Médio Oriente, sublinhando ainda a “paragem” da anexação de parte da Cisjordânia.

 

Tendo agora sido anunciado este Acordo, de há muito se conhecem as negociações (e as relações) mais ou menos discretas entre Israel e os Emirados, mas também com a Arábia Saudita e o Bahrein, e Donald Trump manifestou a convicção de que outros países árabes poderão seguir o caminho dos Emirados Árabes Unidos. Um dos aspectos referidos no Acordo é o da possibilidade de muçulmanos de todos os países, desde que em paz e para rezar, possam visitar a Mesquita de Al Aqsa (terceiro lugar sagrado do Islão), em Jerusalém, desde que cheguem a Telavive com origem em Abu Dhabi (Emirados).

 

Mas, se Benjamin Netanyahu é sobejamente conhecido, quem é Mohammed bin Zayed, príncipe dos Emirados Árabes Unidos, o homem que assina este acordo de paz com o Primeiro-ministro israelita?

Em Junho de 2019, o jornal New York Times descreveu-o como o dirigente mais poderoso do mundo árabe. Antigo piloto de helicópteros formado no Reino Unido, é considerado o homem mais rico do mundo, tem o exército mais poderoso do mundo árabe, combateu as “Primaveras Árabes” (apoiou Al Sissi para chegar à presidência do Egipto, afastando a Irmandade Muçulmana) e apoiou o que o jornal descreve como um dos seus protegidos (Mohammed Bin Salman) para chegar ao poder na Arábia Saudita. A influência que tem em Washington é imensa, desde há 30 anos. Decaiu com Barack Obama, mas com Donald Trump é considerado uma das vozes que a Administração norte-americana mais tem em conta. Quanto à ligação a Israel já é longa e já permitiu, por exemplo, que os Emirados comprassem melhoramentos israelitas para os caças F-16 bem como programas informáticos de última geração para espiar telemóveis. Os Emirados Árabes Unidos têm 6% das reservas mundiais de petróleo.

 

Fechado este Acordo, fica a desconsideração, mais uma, do mundo árabe em relação à causa palestiniana. Por muito que a Liga Árabe emita comunicados e declarações de condenação à política de anexação israelita, são os actos que contam, e esses, em defesa da causa palestiniana, ninguém dá por eles. Nada se pode ter contra a Paz entre dois países, mas para um país árabe a questão palestiniana não devia ser apenas retórica. Ou será este um sinal de que o "Mundo Árabe" é algo que faz parte do passado?

 

Pinhal Novo, 14 de Agosto de 2020

josé manuel rosen

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