São cada vez menos as Empresas Públicas mas ainda são
suficientes para percebermos que a asneira vai continuar até à extinção. Há uma
longa história de transferências de gestores do sector privado para o público e
vice-versa. Muitos deles dizem cobras e lagartos do sector público enquanto são
muito bem pagos no sector privado. Quando seca a virtuosa teta privada e outra
alternativa não vislumbram, rapidamente fazem agulha para o desgraçado sector
público, qual apaixonados a quem o feio sempre parece bonito. No sentido oposto
viajam os que serviram determinado poder político e são depois devidamente
compensados no sector privado. São gestores, e pronto. Podem gerir tudo. Não
importa se conhecem o sector público para onde são chamados a espalhar sabedoria
e executar um qualquer objectivo político; não importa se conhecem o sector
privado onde a recompensa os espera. Muito menos importa se conhecem a empresa
em causa. Afinal por que haveria de importar? Uma pessoa inteligente aprende e
adapta-se. Há excepções? Admito que sim, mas são isso mesmo: excepções.
Estes dançarinos da gestão, podem sair das cervejas para a
comunicação social; da saúde para a banca; dos azeites para as
infra-estruturas… E se calhar até têm razão: gerem tudo da mesma forma. Afinal
qual é a diferença entre um estúdio de rádio ou televisão e uma central de
cervejas? qual é a diferença entre um serviço de urgência de um hospital e um
balcão de uma instituição bancária?, qual é a diferença entre uma fanga de
azeitona e a antiga Estrada Nacional 2? Não há diferença porque em geral (no
público) é preciso cortar na despesa com pessoal, na manutenção, no
investimento, na inovação e por aí fora... Cortar é cortar. É olhar para o
orçamento e abater a percentagem que alguém determinou. O resto, que façam os
que lá trabalham, porque é para isso que são pagos. E se no público houver algo
com perspectiva de passar a ser privado, ainda melhor. Talvez no futuro haja um
lugarzinho.
A frequente chegada ao sector público de gestores formados
no sector privado só pode resultar no desastre a que temos assistido nas
últimas décadas. Chegam ao sector público e gerem da mesma forma que geriam no
privado. Serviço Público? O que é isso? O que é preciso é pôr as empresas a dar
lucro ou acabar com o “prejuízo”. Gostam sempre de falar naquela curiosa teoria
que compara as empresas públicas (às privadas e) a um orçamento familiar. É
assim que pensam. É assim que fazem. Contam, habitualmente, com equipas de “yes-man”
que dizem que sim aos senhores administradores e a todos tratam por “senhor
doutor” ou “senhora doutora”. Seja qual for a administração, eles lá estão,
dispostos a acenar a cabeça em sinal de aprovação, mesmo que isso signifique
aprovar o absurdo. É gente que chateia quem está abaixo e dobra a espinha
quando fala para cima; gente que não quer chatices, mas quer manter um
lugarzinho na respectiva empresa.
Acontece que também há quem diga “não”
aos “senhores doutores”. Acontece que há quem queira mesmo as empresas públicas
a prestar Serviço Público. Em regra são “encostados”. Mas também há sempre
alguém muito competente que as administrações conhecem do privado e que são
“indispensáveis” no público. Em regra, são bem pagos e entram “por cima” com
contrato blindado. Geralmente, a tutela aplaude tudo isto. Afinal, a
administração (da empresa pública) é que sabe, gosta a tutela de dizer. Todos
os governos gostam a determinado momento de dizer que não interferem na
administração das empresas públicas. É assim uma espécie de pin que colocam na
lapela. Assim estamos, assim vamos.
Entretanto, à chegada de cada nova
administração que nomeia novas direcções e respectivas cadeias de comando, é
esquecida a dedicação e a competência dos que trabalham e assistem ao desfile
das administrações. Cada administração que chega vem com aquela ideia da “empresa
nova” (lembram-se da teoria do “homem novo”? é quase o mesmo…), o que está para
trás não conta, interessa é o futuro. Como se a história das empresas e de quem
nelas trabalha fosse capital a desprezar.
Misturar a gestão de génese privada com a administração das
empresas públicas é quase como pretender misturar azeite com água. Enquanto em
Portugal o público e o privado não estiverem em campos bem demarcados e
enquanto os muitos empreendedores de quem permanentemente se anunciam os
méritos continuarem a ser chamados para as empresas públicas, aplicando os
métodos de gestão características das empresas privadas, o resultado vai ser
mau.
Esta casta de gestores e respectivas tutelas políticas nunca
irão perceber que o eventual “prejuízo” das empresas públicas pode representar
enormes ganhos sociais. Ao invés, nunca irão perceber que as contas certinhas
das empresas públicas podem significar enormes prejuízos para toda a sociedade
e em particular para os mais desfavorecidos e para a própria democracia.
A dança de cadeiras e interesses entre o privado e o público
mata o Estado e “mata-nos” a todos. E é o Estado – somos nós – quem paga. Esta
dança, que não é um tango nem uma valsa, tem com certeza um andamento fúnebre. Assim
será enquanto em Portugal não existir uma “escola” de Serviço Público que dê ao
sector público gestores que queiram mesmo dedicar-se ao Serviço Público e não
passem por ele apenas em comissão de serviço e à espera de uma qualquer chamada
que os leve de novo a uma empresa privada.
Pinhal Novo, 1 de Setembro de 2016
josé manuel rosendo
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