É
dos livros: a paz faz-se com os inimigos! Por mais ou menos (in)justiça que se
queira encontrar numa guerra, tendo ou não havido lugar a atrocidades, quando é
preciso assinar um acordo de paz as assinaturas que vão constar no documento
terão de ser as daqueles que até aí se combateram. E as guerras, todas, têm um
fim.
Tal
como no Vietname, Os Estados Unidos vão ter de sair do Afeganistão, faltando
apenas saber como será essa retirada. Da mesma forma que abandonaram Saigão,
vencidos e humilhados, com os helicópteros a retirarem pessoas em pânico da
embaixada norte-americana, ou de forma serena e sem ser a fugir do inimigo? A
então União Soviética – derrotada, é certo – saiu do Afeganistão sem ser
humilhada, numa retirada acordada e programada com o inimigo. A Rússia esteve
quase 10 anos no Afeganistão; os Estados Unidos já lá estão há quase 18.
Fez
a 11 de Setembro, 18 anos, que as torres gémeas e o Pentágono foram atacados,
num acção, reconheçamos, de uma audácia e originalidade que surpreendeu o
Mundo. Devido à violência e brutalidade pode ser difícil reconhecer que assim
foi, mas muitos dos que estão a ler este texto recordam-se certamente de uma
genuína reacção de incredibilidade: o que é isto? Um filme? Uma montagem...?
Novas tecnologias? Foi preciso ver uma e outra e vezes sem conta, para
percebermos que realmente aquilo – o ataque às Torres Gémeas e ao Pentágono –
aconteceu mesmo e as imagens eram reais.
Não
vale a pena repetir aqui a fórmula de que o Afeganistão é o cemitério dos
impérios, mas os Estados Unidos sabem que mais tarde ou mais cedo vão ser
obrigados – sim, obrigados - a sair do
Afeganistão. Ou isso, ou uma chacina com um preço político demasiado alto para
qualquer inquilino da Casa Branca.
Em
finais de Agosto, surgiu a notícia de que estava quase fechado um acordo entre
os Talibã e os Estados Unidos, na sequência de longas negociações no Qatar.
Zabihullah Mujahi, um porta-voz talibã, escreveu no twitter que o acordo estava
próximo e esperava em breve poder dar boas notícias à nação muçulmana. A Shura
reuniu-se na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão para avaliar o texto
que estava a ser discutido no Qatar. Mas, de Washington, nunca chegou
perspectiva do mesmo calibre. O Pentágono recusou falar em retirada, disse que
é preciso assegurar que o Afeganistão não seja um santuário para ameaças aos
Estados Unidos. O Ministro da Defesa, Mark Esper, disse que é preciso ver até onde
eles (Talibã) chegam (nas condições de um acordo) e depois, então sim, poderá eventualmente
falar-se de um acordo. Palavras cautelosas, tendo em conta que os Estados
Unidos tinham como objectivo – sabe-se agora – fechar um acordo até às eleições
presidenciais afegãs previstas para 28 de Setembro.
Aparentemente,
o rascunho do acordo previa uma retirada relativa das tropas norte-americanas tendo
como contrapartida que não fossem permitidas quaisquer acções da Al Qaeda ou do
Estado Islâmico nos territórios que ficassem sob controlo Talibã. Donald Trump
chegou a dizer que, em caso de acordo, dos actuais cerca de 14.000, 8.600
militares norte-americanos ficarão no Afeganistão (antes de deixar a Casa
Branca, Barack Obama disse que iriam ficar 8.400), sem dizer por quanto tempo.
A assinatura deste acordo significaria também um cessar-fogo e negociações de
paz entre Talibã e Governo afegão. O emissário norte-americano para estas
negociações, Zalmay Khalilzad, foi a Cabul mostrar o rascunho de acordo ao
Presidente afegão, Ashraf Ghani. Um porta-voz de Ashraf Ghani chegou a dizer
que o acordo previa um cessar-fogo e que poderia dar algum resultado desde que
Talibã e Governo afegão (que não participou nestas negociações) negociassem
directamente.
Talibã
e Estados Unidos reconheceram que a guerra não tem uma solução militar e foi
esse o ponto de partida para as negociações que começaram há cerca de um ano.
Ao
longo destes 18 anos, os Estados Unidos chegaram a apostar no General David
Petreaus para travar a insurgência no Afeganistão. O homem que travara, ou
assim parecia...) a Al Qaeda no Iraque, e que viria a ser director da CIA, foi
para o Afeganistão tentar replicar a estratégia que permitiu algum controlo da
imensa província iraquiana de Al Anbar, santuário da Al Qaeda. Depressa
percebeu que o Afeganistão era diferente. Esteve por lá um ano e virou costas,
pouco depois de os Estados Unidos anunciarem a morte, em Maio de 2011, de
Ossama Bin Laden – promessa anunciada logo após o 11 de Setembro e, por fim,
cumprida.
Para
além de Bin Laden, também vários líderes da Rede Haqqani, principal
braço-armado talibã, foram abatidos nos últimos anos, mas nem isso enfraqueceu a
insurgência. De uma forma pragmática, que alguns em Washington reconhecem, não
há dúvidas sobre a deterioração da situação no Afeganistão. Os Talibã têm vindo
a recuperar terreno, controlam uma grande parte do território e não existe
nenhuma perspectiva de que esta tendência possa mudar. Os Estados Unidos
continuam a somar baixas e a jogar à defesa denunciando a incapacidade para
fazer outra coisa a não ser evitar um maior número de caixões cobertos com a
bandeira dos Estados Unidos. Os ataques frequentes, desde há muitos anos,
naquela que é a zona mais segura da capital afegã, são um sinal evidente da
resiliência Talibã e da incapacidade norte-americana/Governo afegão, para
susterem e anularem o inimigo.
É
certo que mesmo com as negociações a decorrer e com o emissário norte-americano
em Cabul para apresentar o acordo ao Presidente afegão, os Talibã continuaram
os ataques, mas não deixa de ser caricato que Donald Trump, no fim de tudo
isto, tenha dito que acabaram as conversas com os Talibã porque, num desses
ataques recentes, morreu um militar norte-americano. Donald Trump também
cancelou um encontro, em separado, em Camp David – até então mantido em segredo
– com representantes Talibã e o Presidente afegão. Da expectativa de um acordo
que acabasse com a mais longa guerra em que os Estados Unidos alguma vez se
envolveram, passou-se para um ranger de dentes ainda mais feroz com Donald
Trump a prometer atacar os Talibã de uma forma até agora nunca vista. A reacção
não se fez esperar e os Talibã ameaçam “fazer sofrer a América”. O porta-voz
Zabihullah Mujahid disse que há duas maneiras de acabar com a ocupação do
Afeganistão: através da guerra ou de negociações, e acrescentou que se Trump
não quer negociar, muito em breve vai arrepender-se de escolher o caminho da guerra.
Também
é certo que se houver uma retirada o Afeganistão dificilmente encontrará a paz
e poderá até mergulhar numa guerra civil, mas não é menos verdade que essa
guerra civil já existe, sendo que a única diferença é a influência exercida
pelas forças estrangeiras presentes no Afeganistão.
Se
os arquivos da Casa Branca guardarem o que lhes é enviado do Afeganistão, vão
certamente encontrar uma carta aberta enviada pelos Talibã, em Agosto de 2017. Nessa
carta, o “Emirado Islâmico do Afeganistão” lembra que já foram aliados dos
Estados Unidos e desafia Trump a ficar na história como o Presidente dos
Estados Unidos que não deixa as questões da guerra apenas nas mãos dos
militares que têm interesses próprios para manter esta guerra. Em duas dezenas
de parágrafos há espaço para uma mensagem que devia fazer pensar Donald Trump:
“No Afeganistão, cada pai ensina aos filhos a emancipação do país em relação
aos invasores. Num país onde cada criança é criada com um espírito de vingança
e detém a honra histórica de derrotar três impérios antes da invasão dos
Estados Unidos, como conseguirão os norte-americanos uma situação estável para
uma presença permanente? Todos percebem que o principal motor da guerra no
Afeganistão é a ocupação estrangeira”.
Pinhal
Novo, 15 de Setembro de 2019
josé
manuel rosendo
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