Houdeida, cidade portuária no Iémen, voltou a ser bombardeada pela Arábia Saudita após os ataques às instalações petrolíferas sauditas. Foto: jmr, Julho 2019 |
Analisar a guerra no Iémen não é fácil e
a leitura que aponta para uma guerra entre sunitas e xiitas é absolutamente
redutora e não retrata a realidade. Se o conflito já tinha contornos bastante
opacos, agora, com o ataque às instalações petrolíferas da Arábia Saudita e com
a incerteza quanto à autoria desses ataques, tudo ficou ainda mais difícil.
Nada disto tem uma leitura fácil, no
sentido de haver “os bons e os maus” ou de se saber exactamente o que motiva
cada acção/movimento num conflito armado. Tem sido sempre assim, mas isso deve
obrigar-nos a especiais cuidados na análise e ainda mais nas conclusões.
Sabemos que os Houthis do Iémen
reivindicaram o ataque à Arábia Saudita (como muitos outros que fizeram
anteriormente) e disseram que é uma resposta aos constantes bombardeamentos de
que são alvo por parte da coligação liderada pela Arábia Saudita.
Esta assunção da responsabilidade por
parte dos Houthis parece não agradar à Arábia Saudita e aos Estados Unidos e
desde o início que o dedo acusador de Riad e de Washington aponta para Teerão.
Ainda foi admitida a possibilidade de o Iraque ter sido ponto de partida do ataque,
mas Bagdad negou e não se voltou a falar nisso.
Teerão também rejeita responsabilidade,
mas a Arábia Saudita mostrou o que disse ser provas inegáveis do
envolvimento do Irão. Segundo Riad, terão sido utilizados 25 drones e
mísseis contra as instalações sauditas, incluindo um avião não-tripulado
iraniano e mísseis de cruzeiro Ya Ali (construídos no Irão). O Ministério da
Defesa saudita disse que o ataque chegou do Norte e foi inquestionavelmente
patrocinado pelo Irão. Isto é o que temos: uma convicção e restos de material
iraniano.
Para o Secretário de Estado norte-americano,
Mike Pompeo, existe um consenso no Golfo de que a responsabilidade é do Irão e que
o ataque às instalações sauditas foi “um acto de guerra”. É certo que Pompeo
também disse que quer uma solução pacífica, mas Washington já decidiu reforçar
a sua presença militar na Arábia Saudita. A incerteza e a falta de provas
concretas traduzem-se em declarações reproduzidas na comunicação social e atribuídas
a altos responsáveis norte-americanos, mas sempre a coberto do anonimato.
Não deixa de ser curioso que depois das
acusações ao Irão, a Arábia Saudita tenha bombardeado alvos em Houdeida (cidade
portuária no Iémen) com o argumento de que daí partiam ataques com mísseis e
drones.
Temos ainda na memória os recentes
ataques a petroleiros no Golfo de Omã. O dedo acusador foi inicialmente
apontado ao Irão, houve muito burburinho, mas tudo se perdeu na espuma dos
dias: de concreto, rigorosamente nada! Houve sim, mais sanções, que os donos do
mundo aplicam, sempre que entendem, a seu bel-prazer. E também temos na memória
a forma como a Arábia saudita tentou negar responsabilidade no assassínio do
jornalista Jamal Khashoggi, até ter de se render às evidências.
A situação criada com o mais recente ataque
à Arábia Saudita coloca-nos ainda uma questão incontornável para podermos ter
uma noção sobre o que realmente aconteceu: tenha sido a partir do Yémen, do
Irão ou do Iraque, como é possível que vários drones tenham voado centenas de
quilómetros, sem deixarem rasto/registo, num território que deve ser dos mais
vigiados do Mundo?
Será útil recordar que o Bahrein, a
menos de cem quilómetros de Abqaiq - um dos locais atacados na Arábia Saudita -
alberga a 5ª Frota da Marinha dos Estados Unidos (responsável pela região do
Médio Oriente) e alberga também uma base britânica. Na região há também outras
bases norte-americanas. Não sendo especialista em Defesa, tenho dificuldade em
perceber como é que drones, aviões não-tripulados e mísseis, cruzam este
território – um dos mais vigiados do mundo – sem serem detectados. Dizem os
entendidos que os drones podem voar quase rente ao solo e por isso difíceis de
detectar... E que nem sempre os satélites e os radares estão “apontados” para
as zonas que terão sido utilizadas nos ataques. Dizem-me também que até poderão
eventualmente ter sido detectados mas num momento em que já não havia tempo
para a intercepção. Tudo isso pode ser verdade, e até pode ser que estejam agora
a ser revistos os sistemas de vigilância da região para verificar se ficou
registada a passagem dos instrumentos utilizados nos ataques.
Perante situações anteriores em que a
credibilidade de alguns protagonistas ficou de rastos, por terem forjado
provas, será bom que as eventuais provas encontradas desta vez não deixem
qualquer tipo de dúvidas.
Principalmente os Estados Unidos ficam muito
mal neste episódio se a passagem dos drones, aviões e mísseis, não foi notada e
dela não ficaram registos.
Ou então teremos de questionar quem terá
essa capacidade de utilizar drones, aviões não-tripulados e mísseis, sem deixar
qualquer tipo de rasto.
Destes recentes ataques (aos petroleiros
e às instalações petrolíferas sauditas) resultam dúvidas que importa esclarecer
de forma muito rigorosa, sob pena de ganhar força a teoria de que alguém quer
mesmo implicar o Irão e arrastar o mundo para mais uma guerra no Médio Oriente.
Sabemos todos quem mais ganha com isso.
No meio deste desassossego, as Nações
Unidas enviaram peritos à Arábia Saudita para tentar desvendar o mistério da
responsabilidade do ataque. Até que mais alguma coisa se saiba, António
Guterres referiu-se à necessidade de “nervos de aço” para evitar uma nova
guerra.
Pinhal Novo, 23 de Setembro de 2019
josé manuel rosendo
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