quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Currículo ou cadastro?


Que me perdoem alguns dos meus amigos, mas punhos de camisa branca (e respectivos botões…) a saírem da manga do casaco e gravata de seda, deixam-me cada vez mais desconfiado. Mais pés tivesse e mais de pé atrás ficaria sempre que me cruzo com uma destas personagens.

Estou habituado a pagar o preço de uma vida que tem as amizades que o percurso vai ditando, sem nenhum calculismo em relação a isso. Relaciono-me com quem muito bem entendo: de esquerda, de direita, bem e mal vestidos, indiferente à opção sexual, administradores ou membros das comissões de trabalhadores e dos sindicatos, religiosos, ateus e agnósticos, doutorados ou analfabetos. Não raramente, alguns daqueles com quem me relaciono não gostam que me me relacione com outros daqueles com quem também me relaciono. Pago esse preço com todo o gosto porque é o preço da minha Liberdade. E assim vai continuar a ser. Mas confesso que estou a começar (não de agora…) a ficar com um preconceito e que é cada vez maior a vontade de “passar para o outro lado da rua” quando se aproxima gente bem vestida. Eu sei que posso estar a ser muito injusto para gente que apenas gosta de andar “bem vestida” e sei que “vestir bem” pode ser apenas uma forma de estar e andar na vida, um prazer como qualquer outro (como rapar o cabelo, pintá-lo de verde ou usar uma argola na ponta do nariz) mas é, infelizmente, uma imagem de marca dos maiores vigaristas.

Já nem me refiro ao caso BES e à estratégia de comunicação utilizada até sabermos que há mesmo um buracão. Lembram-se certamente dos muitos analistas a referirem de início que o BES tinha “almofada” financeira que cobria uma eventual exposição aos produtos tóxicos de outras empresas Espírito Santo. Já nem me refiro à forma como o valor do buraco foi aumentando, mas atenuado na opinião pública com os analistas “almofadas” que nos acalmavam diariamente e em grandes doses. Já nem me refiro às declarações políticas, do governo e da (alguma dita) oposição. Já não me refiro a nada mas apenas à certeza de que andámos a ser enganados durante muito tempo.
Enganados desde logo por um homem que dizia que os portugueses preferiam o subsídio de desemprego a terem um trabalho de onde resultasse um salário. Um homem de belas camisas brancas e vistosas gravatas, com uns brilhantes óculos na ponta do nariz. Há lá imagem mais credível…

Mas não me venham dizer que foi apenas ele. Com ele estão certamente muitos que arrecadaram belas compensações por “metas atingidas” em negócios de vigaristas. Com ele estão certamente muitos que apenas olhavam os números, sem os questionar, apenas com a sofreguidão de saberem quanto lhes iria cair na conta. De reguladores não vale a pena falar, porque ser regulador para, invariavelmente, quando se descobre cada vigarice, vir dizer que o regulador não tem poderes de polícia, então mais vale não existirem.

Quanto a punhos de camisas brancas a saírem das mangas do casaco, a par das notícias sobre o BES, a notícia de que o nosso futuro comissário europeu, tem também ele no currículo, uma passagem pela Goldamn Sachs – um dos bancos da crise de 2008 – e foi um dos homens da linha da frente nas negociações com a troika e na defesa da ultra austeridade que nos foi imposta.

Também José Luís Arnaut vai para o Conselho Consultivo da Goldman Sachs. O Expresso contou que Arnaut teve um papel na venda dos CTT e que o Goldaman Sachs ficou com quase 5% do capital dos CTT. O Expresso contou também que a firma de advogados de Arnaut (CMS Rui Pena & Arnaut) representou os interesses de bancos como o Goldaman Sachs e o JPMorgan nas negociações dos swaps com o Estado português.

E temos Vítor Gaspar, antigo Ministro das Finanças, que foi para o FMI. Não é necessário falar do FMI. E o antigo Ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, foi para a OCDE. E pronto, é isto que temos. 

E agora poderão perguntar: é crime o percurso destes homens e o que eles fizeram pelo caminho? E aí responderei: depende da Lei. É evidente que os actos praticados não configuram nenhum crime à luz da lei vigente.
Mas uma coisa é certa: alguns dos actos de muitos destes protagonistas com punhos de camisa branca a sair da manga do casaco e respectiva gravata de seda, o lugar deles é num qualquer cadastro e não num currículo que, à partida, é algo que abona a favor do seu sujeito. Como é evidente, depende do ponto de vista.

josé manuel rosendo
6 de Agosto de 2014


PS: também tenho camisas brancas e umas gravatitas velhas embora não sejam de seda.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Os Túneis da Faixa de Gaza…

Foto (Dezembro de 2006/jmr): Rafah (Faixa de Gaza), o pano esconde a entrada de um túnel com saída do lado egípcio

Esqueçamos por momentos que há um conflito entre israelitas e palestinianos.
Para aqueles que já atravessaram o Rio Tejo através da Ponte Vasco da Gama, a extensão da Faixa Gaza ao longo da costa do Mediterrâneo é o equivalente a uma viagem de ida e volta na Vasco da Gama: mais ou menos 36 quilómetros. Quanto à largura média do território são cerca de 10 quilómetros. A Faixa de Gaza tem 360 quilómetros quadrados e é nesse espaço que vivem (os números não são certos) entre 1 milhão e 800 mil a 2 milhões de pessoas. É o espaço com maior densidade populacional do mundo. A maioria são jovens.

Agora retomemos o conflito. 
Imaginemos um território assim do qual nenhum habitante pode sair a não ser com uma autorização de Israel em casos específicos (casos graves de saúde, por exemplo…) ou do Egipto (também em casos de necessidade de assistência médica ou quando o palestiniano em causa tem visto para um outro país); imaginemos um território assim em que todas as mercadorias – dos bens de primeira necessidade ao material de construção civil e aos combustíveis – apenas entram pelas fronteiras de Israel com a necessária autorização e controlo do Estado israelita; imaginemos um território assim em que os pescadores não podem afastar-se mais do que 5 ou 6 quilómetros da costa; imaginemos um território assim, pequeno, que até 2005 esteve ocupado com colonatos e ainda estava “partido” em três pedaços com barreiras que abriam e fechavam quando calhava e quando os militares israelitas assim decidiam; imaginemos um território assim em que, devido ao conflito e à ocupação, cerca de um milhão de pessoas têm estatuto de refugiados e sobrevivem graças ao apoio da UNRWA (Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos); imaginemos um território assim em que os antigos (e ainda chamados) campos de refugiados são na realidade zonas urbanas anárquicas e sem infraestruturas básicas; imaginemos um território assim em que a população jovem não tem uma pontinha de esperança de ter uma vida normal; imaginemos um território assim em que os pais não conseguem, por muito que queiram e tentem, dar essa esperança aos filhos; imaginemos um território assim e encontramos a terra fértil para o desespero, para o ódio, para a guerra.

Os túneis da Faixa de Gaza são uma espécie de tubo usado por mergulhadores como única forma de respirar. Não há outra possibilidade quando o espaço aéreo está vedado, quando o Mar não é caminho e quando as fronteiras terrestres têm um filtro por onde apenas os afortunados (paradoxalmente até a doença pode ser fortuna para os palestinianos…) conseguem passar. Perante um cenário destes que outra solução restava a não ser fazer um túnel, muitos túneis…?

É certo que os túneis que servem para “respirar” permitindo a entrada de bens, também servem para a entrada de armas e fazem igualmente parte da estratégia militar para atacar aquele que é considerado o opressor e ocupante. Isto pode ser considerado errado, mas antes do juízo de valor outras perguntas se colocam: o que fariam aqueles que acabaram de ler este texto se vivessem numa Faixa de Gaza que é um verdadeiro gueto, uma prisão ao ar livre? Limitavam-se a viver com a desesperança sujeitando-se ao controlo de um outro Estado ou tentavam furar o bloqueio e lutavam pela liberdade? 

Este texto não é uma tomada de posição em relação ao conflito, é apenas uma tentativa de escapar à espuma dos dias, à guerra da desinformação, e abordar aquela que é a verdadeira questão. O jornal Público de 28 de Julho de 2014, cita Martin van Creveld, historiador militar israelita num comentário feito na Economist: “Para neutralizar militarmente o Hamas, Israel teria de entrar em todas as casas de Gaza, e debaixo delas (…) e, mesmo assim, não iria resultar”. 

Não é fácil para um europeu/ocidental interpretar o que está a acontecer na Faixa de Gaza. Mais difícil ainda perante o caudal de desinformação e leituras apressadas de comentadores engajados. Mas Martin van Creveld tem uma noção muito concreta da realidade.

28 de Julho de 2014

josé manuel rosendo

terça-feira, 22 de julho de 2014

Gaza: vai haver um cheque para lavar a má consciência…



As fotos são da Faixa de Gaza em Janeiro de 2009.

Não sei quantos mortos e estropiados ainda faltam mas, mais tarde ou mais cedo, vai terminar o que está a acontecer – abstenho-me de adjectivar – na Faixa de Gaza. E vai terminar demasiado tarde. Mesmo assim, depois de terminar, tudo vai continuar na mesma.

A atitude politicamente correcta, que dá muitos likes nas redes sociais, é dizer que há maus e bons dos dois lados, que uma vida que se perde é sempre uma vida e nada há mais importante do que isso, que há culpados dos dois lados. Essa é uma atitude compreensível para quem é um pacifista genuíno e está disposto a morrer sem levantar um dedo se alguma vez na vida sofrer uma agressão violenta. Duvido que muitos dos que gostam de ser politicamente correctos tivessem essa atitude perante uma agressão. Essa é também a atitude que nos leva a enterrar a cabeça na areia para não enfrentarmos a realidade e para não fazermos sequer um esforço de modo a entender o conflito. Sublinho que escrevi ENTENDER, não escrevi tomar partido.

Para entender o conflito israelo-palestiniano é preciso entender a actual Ordem Internacional e a arquitectura de pilares em que ela assenta. O conflito israelo-palestiniano não vai terminar enquanto se mantiver esta Ordem Internacional e o actual Status Quo no relacionamento entre Estados. Existem os poderosos e … os outros. De entre os outros, os que têm um lugar na segunda fila e ainda os que tentam obter algumas das migalhas que vão caindo da grande mesa dos negócios. A alguns tudo é permitido e as retaliações não passam da retórica, ainda assim muito cuidadosa e sempre parcimoniosa; a outros nada é permitido e as sanções saltam da cartola à primeira “escorregadela”. Uns podem matar com recurso a altas tecnologias em que nem sujam as mãos; outros são apelidados de terroristas com toda a facilidade, só porque lutam por uma causa em que acreditam com meios rudimentares ou muito longe das altas tecnologias dos inimigos. É a realidade.

Quem, ainda, manda no Mundo, são os Estados Unidos da América. Depois, quem é seu aliado, beneficia da sua “protecção” embora também tenha que, por vezes, arcar com as consequências e, outras vezes, pagar tributo. Mas a Rússia espreita; a China também (e de que maneira…); a Índia promete e… a União Europeia não existe. Já agora: cabe na cabeça de alguém que defenda uma Europa unida entregar a pasta da representação externa a uma britânica (Catherine Ashton)? É que o Reino Unido nem sequer está com os dois pés na União Europeia…! Qual é a política externa que a senhora Ashton verdadeiramente serve? A da União Europeia ou a do Reino Unido? Já repararam como David Cameron se empertigou a pedir sanções contra a Rússia por causa do  caso do avião da Malásia Airlines? Era bom não era Senhor Cameron deixar a Alemanha à rasca (por causa do gás russo) com muitas e fortes sanções da União Europeia contra a Rússia?

Podemos também referir o Iraque como exemplo acabado de mais um parto manhoso da actual Ordem Internacional. Este seria o momento para que George W. Bush, José Maria Aznar, Tony Blair e Durão Barroso, e já agora Paul Bremer, fossem chamados para dizerem como se resolve o imbróglio
É assim que estamos. É esta a actual Ordem Internacional. E é por isso que a expressão “comunidade internacional” devia ser banida, se não do discurso político pelo menos da narrativa jornalística uma vez que de objectivo comuns este mundo não tem nada. E se não há objectivos comuns não é legítimo falar de comunidade.

Esta parte do mundo em que vivemos ameaçava algum progresso e evolução até ao dia em que a dupla Teatcher/Reagan tomaram chá e trocaram olhares. É essa a origem do mal dos nossos tempos, nesta nossa parte do mundo, sendo certo que outro mal existiria se alguém tivesse envenenado o chá destes dois.

O que está a acontecer na Faixa de Gaza não devia poder acontecer se existisse, de facto, uma comunidade internacional. Tudo vai terminar com apoios e cheques aos mais atingidos. Cheques que tentam lavar a má consciência.

josé manuel rosendo

22 de Julho de 2014

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Sim, Camaradas, tenho que vos dizer isto

Não sou daqueles que não leva desaforo para casa. Às vezes levo. Mas sei que, mastigado o assunto, a ele terei de voltar. Acabei de assinar a petição pública “Pela liberdade e pela democracia” por causa dos despedimentos na Controlinveste. Assinei porque concordo com o que lá está escrito, porque sei que o jornalismo, a liberdade e a democracia, ficam mais fracos com o emagrecimento das redacções. Todas as redacções. Assinei por solidariedade. Mas sendo eu um jornalista do chamado “Serviço Público”, achei por bem dizer-vos isto.

A coberto da defesa da liberdade de imprensa e de informação, em defesa da iniciativa privada, estigmatizou-se o serviço público. Feito o caminho, chegamos ao momento em que essa tese pariu uma “liberdade de imprensa” refém dos grupos económicos proprietários das empresas jornalísticas (ou de comunicação social – convinha por vezes definir fronteiras) com interesses tantas vezes opostos à Liberdade, à Informação e ao Serviço Público (porque todo o jornalismo íntegro é serviço público).

Aqueles que diziam que o serviço público era o serviço oficial dos governo, acrescentando que o jornalismo não era isso, esquecem-se hoje de olhar para dentro, para alguns espaços de antena (peças/reportagens/…) e páginas de jornais que mais parecem novelas ou promoções de supermercado. Não conseguem olhar para dentro e dizer: isto não é jornalismo. Ou se e quando olham, lá esgrimem aquele argumento, muito a custo mas ainda assim tão demagógico do “ou é assim e temos audiências (publicidade/dinheiro) ou perdes o emprego. O que é que preferes?”.

As redacções do Serviço Público têm vindo a “emagrecer”. Gostava de ver esta questão abordada com outra frequência na chamada comunicação social livre. Gostava que fosse possível aos leitores/ouvintes/telespectadores da chamada comunicação social livre terem a noção da importância do problema de um Serviço Público enfraquecido. Mas não vejo.

Conheço jornalistas que chegaram a pedir-me o telefone (do serviço público...) dizendo que o telefone “é nosso… não é o Estado que paga?”. Assim mesmo. Eu sei que os jornalistas, entre eles, muitas vezes, resolvem os problemas e esquecem as rivalidades das empresas – e os patrões não precisam de saber e em muitos casos nem sonham. Emprestei sempre o telefone, até o particular, porque é assim que deve ser. Tal como hoje assino esta petição. Porque é assim que deve ser.

Conheço jornalistas que “ganhavam vida” a cada pedaço de serviço público que era destruído, pensando que era mais um pedaço que lhes podia ser útil (fosse audiências, fosse fatia de publicidade).

Conheço jornalistas que disseram cobras e lagartos do serviço público, mas só até ao momento em que nele foram acolhidos para trabalhar…

Não me peçam nomes. Recorram à memória e provavelmente encontrarão alguns.

Eu sei que esta carapuça não entra na cabeça de toda a gente e sei que alguns, muitos, não vão sentir-se minimamente atingidos, e ainda bem, mas se não vos dissesse isto não havia rennie que me valesse.


josé manuel rosendo

terça-feira, 17 de junho de 2014

Jornalistas despedidos, Democracia enfraquecida

A propósito dos despedimentos no DN, JN, O Jogo e TSF, atrevo-me a recordar o Manifesto tornado público há quase dois anos. Desde então, infelizmente, a única mudança foi para pior. E esta é uma guerra que não se pode travar apenas nas redacções. Por muito que os jornalistas se mobilizam - e acho que o devemos fazer - a sociedade terá que se mobilizar para defender um dos principais pilares da Democracia: a Informação. E pelo caminho que tem vindo a ser seguido, esta luta não se vence apenas com comunicados, manifestos ou protestos mais ou menos simbólicos. Somos gente civilizada, é certo, mas se esta Democracia desvirtuada não é sensível a algo tão necessário como o reforço desse pilar que devia ser visto como um dos seus genes imprescindíveis, então é preciso algo mais. Assim os jornalistas a isso estejam dispostos e a sociedade seja solidária.

Republico o texto de Outubro de 2012. Às assinaturas que dele constam muitas outras se juntaram.

Pelo jornalismo, pela democracia

A crise que abala a maioria dos órgãos de informação em Portugal pode parecer aos mais desprevenidos uma mera questão laboral ou mesmo empresarial. Trata-se, contudo, de um problema mais largo e mais profundo, e que, ao afectar um sector estratégico, se reflecte de forma negativa e preocupante na organização da sociedade democrática.
O jornalismo não se resume à produção de notícias e muito menos à reprodução de informações que chegam à redacção. Assenta na verificação e na validação da informação, na atribuição de relevância às fontes e acontecimentos, na fiscalização dos diferentes poderes e na oferta de uma pluralidade de olhares e de pontos de vista que dêem aos cidadãos um conhecimento informado do que é do interesse público, estimulem o debate e o confronto de ideias e permitam a multiplicidade de escolhas que caracteriza as democracias. O exercício destas funções centrais exige competências, recursos, tempo e condições de independência e de autonomia dos jornalistas. E não se pode fazer sem jornalistas ou com redacções reduzidas à sua ínfima expressão.

As lutas a que assistimos num sector afectado por despedimentos colectivos, cortes nos orçamentos de funcionamento e precarização profissional extravasa, pois, fronteiras corporativas.

Sendo global, a crise do sector exige um empenhamento de todos – empresários, profissionais, Estado, cidadãos - na descoberta de soluções.

A redução de efectivos, a precariedade profissional e o desinvestimento nas redacções podem parecer uma solução no curto prazo, mas não vão garantir a sobrevivência das empresas jornalísticas. Conduzem, pelo contrário, a uma perda de rigor, de qualidade e de fiabilidade, que terá como consequência, numa espiral recessiva de cidadania, a desinformação da sociedade, a falta de exigência cívica e um enfraquecimento da democracia.

Porque existe uma componente de serviço público em todo o exercício do jornalismo, privado ou público;
Porque este último, por maioria de razão, não pode ser transformado, como faz a proposta do Governo para o OE de 2013, numa “repartição de activos em função da especialização de diversas áreas de negócios” por parte do “accionista Estado”;
Porque o jornalismo não é apenas mais um serviço entre os muitos que o mercado nos oferece;
Porque o jornalismo é um serviço que está no coração da democracia;
Porque a crise dos média e as medidas erradas e perigosas com que vem sendo combatida ocorrem num tempo de aguda crise nacional, que torna mais imperiosa ainda a função da imprensa;
Porque o jornalismo é um património colectivo;

Os subscritores entendem que a luta das redacções e dos jornalistas, hoje, é uma luta de todos nós, cidadãos.

Por isso nela nos envolvemos.

Por isso manifestamos a nossa solidariedade activa com todos os que, na imprensa escrita e online, na rádio e na televisão, lutando pelo direito à dignidade profissional contra a degradação das condições de trabalho, lutam por um jornalismo independente, plural, exigente e de qualidade, esteio de uma sociedade livre e democrática.

Por isso desafiamos todos os cidadãos a empenhar-se nesta defesa de uma imprensa livre e de qualidade e a colocar os seus esforços e a sua imaginação ao serviço da sua sustentabilidade.


Proponentes:
Adelino Gomes
Alfredo Maia - JN (Presidente do Sindicato de Jornalistas)
Ana Cáceres Monteiro, Media Capital
Alexandre Manuel - Jornalista e Professor Universitário
Ana Goulart - Seara Nova
Ana Romeu - RTP
Ana Sofia Fonseca - Expresso
Ana Tomas Ribeiro - Lusa
Anabela Fino - Avante
António Navarro - Lusa
António Louçã - RTP
Camilo Azevedo - RTP
Carla Baptista - Jornalista e Professor Universitária
Cecília Malheiro - Lusa
Cesário Borga
Cristina Martins - Expresso
Catarina Almeida Pereira - Jornal de Negócios
Cristina Margato - Expresso
Daniel Ricardo – Visão
Diana Ramos - Correio da Manhã
Diana Andringa
Elisabete Miranda – Jornal de Negócios
Frederico Pinheiro - SOL
Fernando Correia - Jornalista e Professor Universitário
Filipe Silveira - SIC
Filipa Subtil - Professora Universitária
Filomena Lança – Jornal de Negócios
Hermínia Saraiva - Diário Económico
Joaquim Fidalgo
Joaquim Furtado
Jorge Araújo - Expresso
José Milhazes - SIC / Lusa (Moscovo)
José Vitor Malheiros
João Carvalho Pina - Kameraphoto
João Paulo Vieira - Visão
João d’Espiney, Público
José Luiz Fernandes - Casa da Imprensa
José Manuel Rosendo – Antena 1
José Rebelo - Professor e ex-jornalista
Luis Andrade Sá - Lusa (Delegação de Moçambique)
Luis Reis Ribeiro - I
Liliana Pacheco - Jornalista (investigadora)
Luciana Liederfard - Expresso
Luísa Meireles - Expresso
Maria de Deus Rodrigues - Lusa
Maria Flor Pedroso - RDP
Maria Júlia Fernandes - RTP
Martins Morim - A Bola
Manuel Esteves - Jornal de Negócios
Manuel Menezes - RTP
Margarida Metelo - RTP
Margarida Pinto - Lusa
Mário Nicolau – Revista C
Miguel Marujo- DN
Miguel Sousa Pinto - Lusa
Mónica Santos - O Jogo
Nuno Pêgas – Lusa
Nuno Aguiar – Jornal de Negócios
Nuno Martins - Lusa
Oscar Mascarenhas - DN
Patrícia Fonseca - Visão
Paulo Pena - Visão
Pedro Rosa Mendes
Pedro Caldeira Rodrigues - Lusa
Pedro Sousa Pereira - Lusa
Pedro Manuel Coutinho Diniz - Professor Universitário
Pedro Pinheiro - TSF
Raquel Martins - Publico
Rui Cardoso Martins
Ricardo Alexandre – Antena 1
Rosária Rato - Lusa
Rui Peres Jorge – Jornal de Negócios
Rui Nunes - Lusa
Sandra Monteiro - Le Monde Diplomatique
Sofia Branco - Lusa
Susana Barros - RDP
Susana Venceslau - Lusa
Tomas Quental – Lusa
Tiago Dias - Lusa
Tiago Petinga -Lusa
Vitor Costa – Lusa


Este é apenas o primeiro passo duma iniciativa que pretende ser mais ampla.
Nos próximos dias todos os jornalistas, bem como todos os cidadãos vão ser convidados a assinar e a participar.


Pelo jornalismo, Pela democracia

quinta-feira, 12 de junho de 2014

gente que deita Gente fora. Chamam-lhe despedimentos.

Por todas as razões e mais uma andei todo o dia a remoer e não consegui ir para a cama sem dizer alguma coisa. Não é obrigação, é alma. 

Depois de uma manhã ocupada que exigia telemóvel no silêncio, descubro duas mensagens: a primeira "começaram a despedir; a segunda, 45 minutos depois, "fui despedida". A notícia: são 160 que a Controlinveste deita fora. Sim, porque comunicados de baixa qualidade não conseguem esconder a realidade: é deitar fora que se deve dizer! Pessoas deitadas fora. 

Entre os deitados fora há 65 jornalistas. Eu não sei se alguns gestores sabem, mas, pelo menos para mim, e conheço muitos que também assim sentem, este é um ofício em que não se consegue estar sem que se goste muito. Sei que é diferente com os gestores: tanto faz que a empresa seja de melancias ou de automóveis; de cervejas ou de novas tecnologias. Só querem saber quanto recebem ao fim do mês e se der merda tanto melhor porque devem sair com o bolso cheio. Parece mal deitar um gestor fora.

Quem gosta de ser jornalista não vive sem isto. Precisamos das "zaragatas" de redacção, dos almoços e jantares prolongados onde só se fala de trabalho, da má-língua, da rua onde estão as entrevistas e a reportagem, do estúdio, da ansiedade antes de abrir o microfone, da escrita apressada que conta a história, até da asneira, do erro, de todos os dias ouvir notícias e ler jornais. Quem gosta de ser jornalista não precisa que lhe digam para "vestir a camisola" porque sempre a vestiu e quem já tem uns anos disto sabe que muitos dos que pedem para vestirmos a camisola são muitas vezes os primeiros a vestir outra camisola logo que surja um clube que paga mais. Não me peçam para vestir camisolas porque nunca andei de tronco nu.

Os jornalistas e outros camaradas dos OCS que são deitados fora assim, porque há investidores (???) que querem fazer mais com menos, são os menos culpados da desorientação e da má gestão que matou alguns OCS. Mas são eles os primeiros a pagar a factura. 

Tudo isto para deixar um abraço, um grande abraço de solidariedade - que mais posso eu fazer? -  aos camaradas da TSF, DN, JN e O Jogo, num momento em que ficaram com a vida de pernas para o ar e foram forçados a despir a camisola. Nem quero imaginar como cada um deles olhou para a redacção a pensar que estão contados os dias para que ali não voltem a entrar.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Estamos a ser roubados...

Certeiro e contundente. Como é que eu tinha passado "ao lado" deste texto e só o descobri quase seis meses depois? Obrigado, José Gil.


O ROUBO DO PRESENTE - José Gil

“Há pelo menos uma década e meia está a ser planeada e experimentada quer a nível do nosso país, quer na Europa e no mundo uma nova ditadura - não tem armas, não tem aparência de assalto, não tem bombas, mas tem terror e opressão e domesticação social e se deixarmos andar, é também um golpe de estado e terá um só partido e um só governo - ditadura psicológica.

Nunca uma situação se desenhou assim para o povo português: não ter futuro, não ter perspectivas de vida social, cultural, económica, e não ter passado porque nem as competências nem a experiência adquiridas contam já para construir uma vida. Se perdemos o tempo da formação e o da esperança foi porque fomos desapossados do nosso presente. Temos apenas, em nós e diante de nós, um buraco negro.

O «empobrecimento» significa não ter aonde construir um fio de vida, porque se nos tirou o solo do presente que sustenta a existência. O passado de nada serve e o futuro entupiu. O poder destrói o presente individual e coletivo de duas maneiras: sobrecarregando o sujeito de trabalho, de tarefas inadiáveis, preenchendo totalmente o tempo diário com obrigações laborais; ou retirando-lhe todo o trabalho, a capacidade de iniciativa, a possibilidade de investir, empreender, criar. Esmagando-o com horários de trabalho sobre-humanos ou reduzindo a zero o seu trabalho. O Governo utiliza as duas maneiras com a sua política de austeridade obsessiva: por exemplo, mata os professores com horas suplementares, imperativos burocráticos excessivos e incessantes: stress, depressões, patologias, border-line, enchem os gabinetes dos psiquiatras que os acolhem. É o massacre dos professores. Em exemplo contrário, com os aumentos de impostos, do desemprego, das falências, a política do Governo rouba o presente de trabalho (e de vida) aos portugueses (sobretudo jovens)

O presente não é uma dimensão abstracta do tempo, mas o que permite a consistência do movimento no fluir da vida. O que permite o encontro e a intensificação das forças vivas do passado e do futuro - para que possam irradiar no presente em múltiplas direcções. Tiraram-nos os meios desse encontro, desapossaram-nos do que torna possível a afirmação da nossa presença no presente do espaço público. Actualmente, as pessoas escondem-se, exilam-se, desaparecem enquanto seres sociais.

O empobrecimento sistemático da sociedade está a produzir uma estranha atomização da população: não é já o «cada um por si», porque nada existe no horizonte do «por si». A sociabilidade esboroa-se aceleradamente, as famílias dispersam-se, fecham-se em si, e para o português o «outro» deixou de povoar os seus sonhos - porque a textura de que são feitos os sonhos está a esfarrapar-se. Não há tempo (real e mental) para o convivio. A solidariedade efectiva não chega para retecer o laço social perdido. 

O Governo não só está a desmantelar o Estado social, como está a destruir a sociedade civil. Um fenómeno, propriamente terrível, está a formar-se: enquanto o buraco negro do presente engole vidas e se quebram os laços que nos ligam às coisas e aos seres, estes continuam lá, os prédios, os carros, as instituições, a sociedade. Apenas as correntes de vida que a eles nos uniam se romperam. Não pertenço já a esse mundo que permanece, mas sem uma parte de mim. O português foi expulso do seu próprio espaço continuando, paradoxalmente, a ocupá-lo. Como um zombie: deixei de ter substância, vida, estou no limite das minhas forças - em vias de me transformar num ser espectral. Sou dois: o que cumpre as ordens automaticamente e o que busca ainda uma réstia de vida para os seus, para os filhos, para si.

Sem presente, os portugueses estão a tornar-se os fantasmas de si mesmos, à procura de reaver a pura vida biológica ameaçada, de que se ausentou toda a dimensão espiritual. É a maior humilhação, a fantomatização em massa do povo português.


Este Governo transforma-nos em espantalhos, humilha-nos, paralisa-nos, desapropria­-nos do nosso poder de acção. É este que devemos, antes de tudo, recuperar, se queremos conquistar a nossa potência própria e o nosso país."