sexta-feira, 17 de junho de 2016

Reino Unido - Plano B (não é de Brexit)

(A ilustração é de Arend van Dam e foi publicada em www.voxeurop.eu a partir de um artigo do Le Fígaro)

Referendo no Reino Unido a 23 de Junho. David Cameron tem os calos apertados. O primeiro-ministro britânico calçou uma bota que nunca pensou lhe viesse a dificultar tanto a caminhada. Em plena campanha eleitoral na Primavera de 2015, Cameron decidiu calar a oposição interna, principalmente os eurocépticos, prometendo um referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia. Logo depois de eleito, com uma maioria absoluta do Partido Conservador, David Cameron apressou-se a dizer que a promessa era para cumprir. Honra lhe seja feita, porque cumprir o prometido é coisa cada vez mais rara nos tempos que correm. 

Até em Portugal, tivemos um Primeiro-ministro que prometeu um referendo ao então Tratado Constitucional da União Europeia. Sucede que França e Holanda anteciparam-se rejeitando o Tratado através de referendos. O Tratado Constitucional passou então a Tratado de Lisboa. O Primeiro-ministro passou então a defender que ninguém deveria coloccar em causa a legitimidade do Parlamento para ratificar o Tratado. Estava em causa a palavra de um Primeiro-ministro mas o referendo foi mandado às urtigas. Porreiro, pá! Os portugueses continuaram numa União em que ninguém lhes pergunta rigorosamente nada.

No Reino Unido, ao que parece, ainda há quem tenha vergonha de dar a palavra num compromisso e depos fazer três piruetas para mudar de rumo. É a vida. E o referendo vai mesmo realizar-se. 

Independentemente do resultado - quer o Reino Unido fique ou não na União Europeia - pode ser (deveria ser...) uma oportunidade para repensar a União Europeia. O beco a que chegou é fruto de políticas erradas e mais becos estão à vista se não arrepiar caminho. As crises nos 28 são um sintoma óbvio da doença. O problema é que aqueles que conduziram a Europa por este caminho defendem precisamente este caminho. Pensar que as crises lhes vão ensinar alguma coisa é pura ilusão. A União Europeia tem sido construída sem uma base popular de apoio e essa é a sua maior fragilidade. 

Assim sendo, não supreenderia que, perante as sondagens a darem uma maioria favorável à saída do Reino Unido da União Europeia, já esteja a ser pensada uma repetição do referendo. A estratégia não seria novidade. Em 1992, os dinamarqueses disseram Não ao Tratado de Maastricht - um ano depois o referendo foi repetido e os dinamarqueses disseram Sim; a Irlanda do Norte disse Não em 2001 - em 2002 o referendo foi repetido e venceu o Sim; em todos os países em que houve referendos sobre questões europeias, desde que foi dito o Sim, nenhum referendo foi repetido. Nos casos em os eleitores disseram Não e em que não houve repetição foi porque houve alteração da designação do objecto do referendo (a "constituição europeia" passou a designar-se Trado de Lisboa) e foram criados argumentos para dispensar o referendo.

Não vale a pena antecipar resultados. Os eleitores do Reino Unido vão decidir, mas o pânico que está instalado já deve ter dado origem a um plano B que tente manter Londres e associados na esfera de Bruxelas. Não seria uma supresa que no day after a um eventual Não dos britânicos, acordássemos com as bolsas em queda, com os mercados nervosos, com os investidores a fugirem, com as taxas de juro em alta, com o Euro e a Libra a caírem, com a perspectiva de desemprego a subir, etc, etc.. O papão do costume para assustar o povo. As televisões podem compor o ramalhete com imenso gráficos a ilustrarem o desastre em que se vai transformar a nossa vida se a União ficar reduzida a 27. Depois de umas semanas com este tipo de tratamento poderá então ser anunciado um segundo referendo para o Reino Unido se redimir e no qual os eleitores vão mostrar o arrependimento devido. 

Claro que isto é apenas a teoria da conspiração...

Pinhal Novo, 17 de Junho de 2016
josé manuel rosendo

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Não encontrei título para isto…

(Nota prévia: andei à procura de uma fotografia pata ilustrar o texto mas não encontrei)

Hoje, quarta-feira, 15 de Junho de 2016, a rádio pública deixa sair o jornalista Carlos Ramos. Sai porque está saturado, farto, mas a ele caberá, se assim quiser, explicar os motivos da saída.
A mim, cabe-me dizer-lhe obrigado. Temos, cada um, mais ou menos 23 anos de rádio pública. Sempre com um discurso que foge à norma, sempre a pensar o serviço público, sempre com ideias. Ai os bandidos, que andam sempre a dizer mal e prejudicam o sossego da capela.

O Carlos Ramos era uma voz dos noticiários da Antena 3, a sua antena de sempre. Aliás, fizemos parte da equipa de jornalistas que fazia os noticiários da então RDP FM que, depois de um período experimental em 1993, iniciou as emissões regulares no início de 1994 (não me recordo da data exacta). E, já agora, a Antena 3 chamava-se RDP FM porque houve por essa altura uns iluminados que decidiram alterar o nome das várias antenas: a Antena 1 passou a RDP 1 e a nova rádio chamou-se, dentro desta lógica, RDP FM. Felizmente que durou pouco tempo.

Durante 23 anos, eu e o Carlos divergimos muito, mas construímos uma amizade. Discutimos muito, mas convergíamos no objectivo final. Quisemos a utopia para termos a melhor rádio possível.

Passaram muitas administrações e directores disto e daquilo. A rádio pública casou à força com a televisão pública. Assistimos a agressões violentas ao serviço público. Muitos dias, nestes 23 anos, ficámos tristes com as notícias sobre a nossa casa. Muitas vezes sem ninguém a sair a terreiro para defender o serviço público.
O Carlos Ramos defendia o serviço público de rádio (e acho que vai continuar a defender) e quando assim é quem mais perde não é o Carlos, é a rádio de serviço público. Não seria a primeira vez que alguém sai do serviço público para logo a seguir revelar os méritos num qualquer outro sítio. Há sítios onde ninguém esfrega a lamparina e o génio não consegue sair.

Aborrecem-me as redacções silenciosas. Gosto de gargalhadas e “bocas venenosas”. Gosto de “bocas” que agitam. Assustam-me as almas demasiado certinhas e seguidistas. Muitas vezes são almas penadas e mal-intencionadas. Calam-se para não sabermos o que pensam. Não contribuem, não partilham, não criam. O Carlos gostava de rir, gostava de "bocas", e no meio de tudo isto surgia o ângulo, a abordagem em que ninguém ainda tinha pensado. As nossas conversas eram sempre sobre o trabalho e sobre o jornalismo. Ah... e fumava... e gostava de café.

A rádio pública deixa o Carlos Ramos sair “de mansinho”, mas o Carlos não merece. O Carlos merecia uma palavra por 23 anos de trabalho. Assim deveria ser, mas (parece que) não é. Ainda faltam umas horas.

Se, como escreveu Kapuscinski, “os cínicos não servem para este ofício”, não entendo por que é que a rádio pública deixa sair Carlos Ramos.

Pinhal Novo, 15 de Junho de 2016

josé manuel rosendo

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Fujam que é legal…



É tudo legal. Oiço esta frase e a primeira reacção é a de fugir, ficar longe de quem a diz. Há uma nuance que consiste em dizer: não é ilegal! Assim como que a admitir que há um buraquinho na Lei, uma omissão. Mas há ainda outra que me dá vontade de fugir: quando oiço alguém dizer que não há incompatibilidade. Num e noutro caso, há marosca, pela certa.

Os offshores são legais; os milhões de euros em prémios pagos a administradores de bancos falidos são legais; as PPP’s são legais; as reformas douradas são legais; a deslocalização de sede de empresas é legal; o corte de salários e pensões é legal; aumentar o salário dos gestores da Caixa Geral de Depósitos passou a ser legal. Admito que seja tudo legal, mas quem é que não fica admirado com estas leis?

Paulo Portas vai trabalhar com a Mota-Engil e não há incompatibilidades; o ex-Ministro das Finanças Vítor Gaspar foi trabalhar com o FMI e não há incompatibilidade; a ex-Ministra das Finanças foi trabalhar com a financeira Arrow, continua deputada, e não há incompatibilidade. Não vale a pena continuar a listar os casos. Admito que não haja incompatibilidade. Mas quem é que não torce o nariz?

Houve um tempo em que associávamos a justiça ao direito e à Lei. Pensávamos que a Lei significava justiça naquele sentido amplo da palavra. Pensávamos que cumprir a Lei era fazer o que está certo e é melhor para a comunidade, de modo a que cada um tivesse o que lhe é devido (segundo um velho conceito romano). Isso seria justo. Afinal não é assim.

Demorámos a perceber que justiça e direito (o conjunto das normas que regulam a nossa vida) são coisas diferentes. Entre a justiça e o direito há um fosso. As conveniências particulares de quem controla o sistema tornaram-se legais. A promiscuidade tornou-se legal. A justiça, nesse conceito amplo da palavra, é uma miragem.

Desde logo a Lei devia ser algo simples. E não venham dizer que a Lei é complexa na directa medida em que a vida e a realidade são complexas. Não é por isso. Já todos percebemos que é bom para determinados interesses que a Lei seja complexa. Quanto mais complexa mais difícil o nosso entendimento. Ganham os iluminados que fazem a Lei a seu bel-prazer deixando abertos os alçapões por onde entram os interesses assim legalizados e nunca incompatíveis.

Há ainda aquele argumento de que temos um Estado de Direito Democrático. É verdade, embora apenas na forma. E aqui chegado não sinto vontade de fugir, mas sinto uma enorme tristeza de que a Democracia seja associada a este estado das coisas. Não devia ser assim.

Pinhal Novo, 8 de Junho de 2016

josé manuel rosendo

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Porquê Faluja, e não Mossul ou Raqqa?


Já alguém escreveu que o controlo de Faluja é fácil de perder mas muito difícil de recuperar. É uma leitura acertada da história recente desta cidade estratégica da província de Al Anbar. Desde logo uma outra nota: os invasores de 2003 só muito tarde percebram a importância desta enorme província, de maioria sunita, que tem “só” três fronteiras internacionais: Síria, Jordânia e Arábia Saudita. Demorou bastante até que o General norte-americano David Petraeus (que chegou em 2012 a Director da CIA) desenvolvesse a estratégia de aproximação às tribos sunitas, marginalizadas após a invasão, para tirar o tapete à Al Qaeda no Iraque. Estratégia feita com malas cheias de dinheiro e promessas de integração, não cumpridas, aos sunitas.

A cidade conhece o cheiro da guerra como nenhuma outra no Iraque. Há regiões do mundo relativamente às quais se diz que quem domina a capital de um país domina esse país. Em relação a Faluja não se pode dizer o mesmo, mas estando a cidade a pouco mais de meia-centena de quilómetros de Bagdad e sendo um símbolo da resistência sunita aos invasores e ao poder do Governo (xiita) iraquiano, dominar Faluja é meio-caminho andado e é um sinal de que a resistência está controlada.

O único sinal de concertação dos que combatem a organização Estado Islâmico – mesmo tendo diferentes interesses e perseguindo diferentes objectivos estratégicos – é que houve muita propaganda em relação a alegados ataques iminentes a Mossul e Raqqa. Houve até notícia em Raqqa de lançamento de panfletos convidando a população a abandonar a cidade antes da batalha. Há manobras e combates nos arredores longínquos das duas cidades referidas, mas onde a tentativa de reconquista está mesmo a acontecer é em Faluja. Porquê? Porque para o Governo de Bagdad essa é uma batalha decisiva. De que adianta tentar reconquistar Mossul se não for possível conquistar uma cidade a meia-centena de quilómetros de Bagdad? De que adianta conquistar Mossul se a oposição xiita (de Moqtada al Sadr) que exige reformas contra a corrupção e remodelação governamental não for calada com uma vitória contra os sunitas da organização Estado Islâmico. O Governo de Haider al Abadi (exilado até 2003 no Reino Unido e posteriormente regressado ao Iraque, esteve sempre na esfera do poder, tendo sido ministro, e agora primeiro-ministro) precisa desesperadamente de uma vitória na batalha de Faluja para se poder afirmar internamente. É quase impossível que não a consiga mas falta saber a que preço. Esse preço pode transformar uma vitória numa derrota e se assim for tudo ficará mais complicado quando se tratar de tentar a reconquista de Mossul. Raqqa é outra conversa e é mais complicado.

Em Faluja, que se saiba, não há jornalistas. A propaganda das duas partes faz circular informação contraditória. Há notícias de forte resistência da organização Estado Islâmico (e o recurso a ataques aéreos podem ser um sinal dessa resistência e da incapacidade das tropas iraquianas avançarem) e há notícias de fuga dos combatentes da organização Estado Islâmico; há notícia de avanços das forças governamentais mas também há notícias de elevadas baixas entre as tropas de Bagdad. Atacantes e defensores trocam acusações sobre a utilização de habitantes como escudos humanos. As Nações Unidas referem cerca de 50 mil civis em Faluja mas só quando a batalha terminar irá ser possível avaliar o preço desta batalha de Faluja. É isto o que se sabe e porque se sabe pouco as notícias de Faluja desapareceram dos alinhamentos noticiosos.

Pinhal Novo, 3 de Junho de 2016

josé manuel rosendo

terça-feira, 31 de maio de 2016

Outra vez o inferno em Faluja


A infografia é da Agência France Press e mostra a situação em Faluja a poucas horas do "ataque final".

Não é possível imaginar quão difícil deve ser viver em Faluja, no Iraque. Desde há algumas semanas que as forças do governo iraquiano e as milícias xiitas iniciaram movimentações de preparação para conquistar a cidade, e há algumas horas – desde a chegada das unidades de elite – que as forças governamentais anunciaram o início do ataque à cidade controlada pela organização Estado Islâmico. Não se sabe ao certo quantos habitantes estão na cidade (a ONU diz que são 50.000 civis em condições dramáticas, sem alimentos água potável e medicamentos – e sem possibilidade de receberem ajuda ou protecção) e também não se sabe qual a capacidade militar (em homens e equipamento) dos combatentes do estado Islâmico que controlam a cidade.

Faluja é uma cidade da Província de Al Anbar a cerca de meia centena de quilómetros de Bagdad. O Rio Eufrates passa-lhe à porta. Faluja é passagem obrigatória para quem faz a “estrada da morte” (há sempre uma quando há uma guerra) entre a fronteira da Jordânia e a capital iraquiana. Ramadi fica na mesma estrada. Cidades que fazem parte do chamado “triângulo sunita”, espaço de resistência após a invasão do Iraque em 2003. Foi em Faluja que quatro mercenários da Blackwater foram apanhados, mortos e pendurados numa ponte sobre o Eufrates. Desde 2004 que a cidade não tem sossego, palco de violentos combates entre forças de ocupação e grupos iraquianos. Os soldados norte-americanos não têm nenhuma boa recordação de Faluja.

Desde Janeiro de 2014 que a cidade está controlada pela organização Estado Islâmico. Foi a primeira cidade a cair nas mãos dos radicais. Não se sabe ao certo se as tribos sunitas, por oposição ao governo xiita de al Maliki, terão ficado agradadas com a chegada do Estado Islâmico. Há relatos para todos os gostos: uns dão conta de colaboração; outros dizem que houve líderes tribais que rejeitavam o governo de al Maliki tanto quanto rejeitaram o Estado Islâmico.

As forças iraquianas anunciam que já tomaram alguns locais nos arredores da cidade. As unidades de elite de “contra-terrorismo” avançam para a cidade a partir de 3 localizações com o apoio aéreo da coligação internacional liderada pelos Estados Unidos. Parece certo que a operação das forças iraquianas vai chegar a um ponto em que os combates vão ser rua-a-rua, casa-a-casa. Não há nenhum sinal de que possa haver uma rendição dos radicais. Talvez um recuo e uma eventual fuga se o cerco o permitir.

Para quem vive em Faluja e apenas quer viver, as próximas horas/dias ameaçam ser dramáticas. Faluja sabe o que é o inferno.

Pinhal Novo, 31 de Maio de 2016

josé manuel rosendo

"Nunca saberemos quantos morreram"


A foto foi publicada no Middle East Eye e frase completa (que serviu para título) é esta: “nunca saberemos o número exacto [dos que morreram agora no Mediterrâneo], nunca conheceremos a sua identidade, mas os sobreviventes dizem que morreram mais de 500 pessoas”. A frase é de Carlotta Sami (uma porta-voz do ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) e foi escrita no Twitter.

Esta frase deveria fazer-nos pensar. Mais uma vez.

A Primavera anunciava-se. É a estação das ofensivas militares e, dizia-se à boca cheia, iria ser o momento de uma nova vaga de refugiados em direcção à Europa. Mas a Europa, fechado o acordo com a Turquia - um acordo criticado por um elevado número de organizações não-governamentais e até pelo ACNUR - descansou. Mesmo não tendo qualquer garantia de que o acordo com a Turquia seja cumprido (face às exigências turcas a qualquer momento o acordo pode fracassar), a Europa descansou. O acordo entrou em vigor a 20 de Março.

Mesmo com este acordo, a Organização Internacional para as Migrações revela que em Abril chegaram à Grécia 3.360 refugiados, contra 26.971 chegados em Março. A Frontex (Agência Europeia de Fronteiras) refere que a chegada de refugiados à Grécia caiu 90%. Mas é uma ilusão. 

Cortada a rota do Mar Egeu entre a Turquia e as Ilhas gregas, uma outra rota ganha uma nova dinâmica. Da costa da Líbia, os barcos fazem-se ao Mar com a Europa no horizonte. Sem meias-palavras, outro porta-voz do ACNUR, William Spindler, admite que possam ter morrido 700 pessoas durante a última semana. Ainda um outro porta-voz do ACNUR, Federico Mossi, admite que a situação é caótica. 

Parece que vai ser preciso outra criança, outro Aylan, fotografado morto numa praia, para que os bem instalados de Bruxelas voltem a levantar-se para fazer alguma coisa e para que as primeiras páginas dos jornais regressem ao drama. Já anda por aí a fotografia de um bebé, morto, nos braços do homem que o resgatou após um naufrágio. Foi divulgada por uma ONG alemã ("Sea-Watch"). Depois, a emoção voltará a esfumar-se.

Se não fosse trágico, o ritmo de "recolocação" de refugiados na União Europeia, seria para rir. Passado o alvoroço das imagens de refugiados a chegarem e a caminharem Europa dentro, a Europa voltou a entreter-se com os défices, os orçamentos, e as eventuais sanções. Enquanto a União Europeia vive enleada em reuniões do Ecofin, do Eurogrupo, do Conselho e da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu, a questão dos refugiados promete voltar a fazer manchetes.
Para algumas consciências é melhor assim. Para os espíritos mais inquietos é um pesadelo. Cada um saberá a qual destes grupos prefere pertencer.

Pinhal Novo, 30 de Maio de 2016
josé manuel rosendo

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Privado à pala do Público é que não…


Um dos grandes problemas do nosso país é, tem sido, e há-de continuar a ser enquanto não terminar, o casamento de conveniência entre o público e o privado. Não é que esse casamento de conveniência (por que não há amor nos negócios…) seja necessariamente mau, porque não é. Mas a sua utilização por interesses que não os do país, é péssima. Tem sido péssima. Tem sido o terreno onde a influência, o favorzinho e a corrupção têm alastrado. Para além disso, tem sido um casamento em que uma das partes tudo dá e a outra tudo recebe sem dar quase nada em troca. É um casamento em que a parte que tudo recebe não corre qualquer risco e tem lucro garantido. Convém saber que a parte que tudo dá, somos nós, o Estado. Convém saber que a parte que nada arrisca e tudo recebe, são os paladinos da iniciativa privada (que a novilíngua dos seguidores da escola de Chicago denomina de “empreendedores”). 

Agora, há um sinal de separação das águas. É apenas um sinal e até propõe uma transição tranquila.
E quem destas linhas descortinar algo contra a iniciativa privada, está enganado. Nada contra a iniciativa privada! Era só o que faltava. E preconceito contra o Privado ainda menos. Mas o que é Público deve permanecer no Estado (quando o estado tiver capacidade de resposta) e pago por nós; o que é Privado que continue privado e pago por quem assim quiser, mas não pelo Estado. 

Tem alguma graça ouvir agora os que até já diziam que isso de "direitos adquiridos" era coisa do passado. Dizem agora que há contratos assinados. Esqueceram-se de todos os contratos que rasgaram nos últimos anos. Estamos todos fartos de gente que enche a boca com a “iniciativa privada” mas logo que lançam um negócio o primeiro parceiro que procuram é o Estado. São esses que defendem o tal “Estado mínimo”. De preferência um Estado que se resuma a um eleito (ainda não se atrevem a dizer que não devia haver eleições…) sentado a uma secretária e na posse de um livro de cheques. Esse seria o Estado ideal.

E é assim que chegamos a este frente-a-frente entre a escola pública e a escola privada. E é assim que temos de perguntar onde estavam os paladinos desse tão apregoado ensino privado de qualidade quando a escola pública foi bombardeada em tempos recentes; onde estavam quando as turmas da escola pública cresceram para números incompatíveis com a capacidade de qualquer professor para acompanhar devidamente os alunos; onde estavam quando o quadro de professores foi torpedeado; onde estavam quando começava um ano lectivo nas escolas do ensino público sem o pessoal auxiliar mínimo para o funcionamento adequado? Provavelmente estavam a espreitar uma “oportunidade de negócio”. Não, esses não têm a mínima preocupação com um ensino público de qualidade. E estavam bem representados. Agora, esperemos, deixaram de estar. Os que queriam menos Estado nas nossas vidas não querem agora que o Estado saia da vida deles. São os azares da vida. Há coisas com as quais não se devia brincar e uma delas é a Educação.

Para o bem e para o mal, disse o Ayatollah Khomeini[1], chegado a Teerão depois do exílio: “No Islão tudo é política”. Parto desta afirmação (discutível, naturalmente…) para uma outra que não é de Khomeini: “Em política tudo é ideologia”. Aqui chegados, a Educação devia estar a ser o centro das nossas atenções tal é a sua importância, não apenas de circunstancial luta partidária, mas principalmente pela forma como vai marcar o nosso futuro. A Educação é um assunto que nos convoca a todos e sobre o qual é importante que expressemos a nossa opinião. Os nossos filhos não nos perdoarão se o comodismo do silêncio ditar a nossa atitude. 

Pinhal Novo, 9 de Maio de 2016
josé manuel rosendo



[1] Que não se retirem conclusões abusivas por ser Khomeini aqui citado