quarta-feira, 9 de março de 2016

A Turquia à procura de uma política externa


A Turquia está mal com a Rússia, está mal com a Síria de Bashar al Assad, está assim-assim com Israel, está assim-assim com a NATO e os Estados Unidos, e não se sabe como está com a União Europeia. Nem é preciso falar da questão curda, porque a Turquia continua a bombardear posições dos curdos na Síria. Com os curdos iraquianos a questão é diferente. Depois, continua a ser acusada de apoiar alguns grupos extremistas envolvidos na guerra na Síria. A par disso, em termos internos, a maioria das atitudes do governo turco contrariam os valores que deviam ser respeitados atendendo a uma eventual entrada na União Europeia, nomeadamente os vários ataques à liberdade de imprensa. Isto significa que a chamada política “zero problemas” com os vizinhos é já um assunto do passado. Já não existe.

O actual Primeiro-Ministro turco, Ahmet Davutoglu é o teórico da política externa turca dos últimos anos. Em termos gerais, a política de “zero problemas” com a vizinhança assentava na ideia da estabilidade regional para o desenvolvimento da Turquia e o país colocava as questões económicas no topo da agenda das relações internacionais. O líder do PKK, Abdullah Ocalan estava preso, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (de Erdogan) estava no poder e a Turquia queria aderir à União Europeia. Duas destas premissas mantêm-se, mas quanto à União Europeia, as dúvidas são muitas.

Quando eclodiram as revoltas da Primavera Árabe, a Turquia foi apontada como possível modelo e exemplo a seguir. Um país muçulmano, em que o Estado, dizia-se, estava separado do poder religioso. O Ocidente achava que sim e que podia ser essa a fórmula para travar os movimentos islamistas nos países da Primavera Árabe. E a Turquia também gostou da ideia. Aliás, a possibilidade da Turquia retomar influência nos países em ebulição no Mediterrâneo Oriental e no Norte de África seria assim como que um regresso ao antigo espaço do Império Otomano. A Turquia tinha ainda o lastro da zanga com Israel por causa do ataque israelita ao navio turco que tentou furar o bloqueio à Faixa de Gaza e bater o pé a Israel é sempre algo muito simpático para o mundo árabe. 

Em determinado momento, a Turquia apostou claramente na aproximação aos vizinhos, na tentativa de ganhar influência regional em detrimento da aproximação ao Ocidente e à União Europeia, embora nunca tenha assumido essa estratégia. O problema é que quase tudo mudou. Ocalan continua preso e Erdogan no poder, mas o Irão está mais forte, as relações com Israel foram normalizadas, os curdos marcam pontos e a aposta turca na queda de Assad demora a concretizar-se. Entretanto a Turquia está inundada de refugiados e enfrenta uma maior actividade dos independentistas curdos. A Turquia parece que voltou a aproximar-se do Ocidente e da União Europeia (pelo menos para receber o cheque de apoio aos refugiados que a União Europeia não quer ver chegar ao velho Continente), mas a política “zero problemas” está definitivamente enterrada.

A Turquia, por imposição da geografia, é de facto a ponte entre o Ocidente e o Oriente, mas aproveitar essa mais-valia para construir uma política externa coerente e sem demasiadas ambiguidades é uma tarefa difícil quando tudo à volta parece estar a desmoronar-se. Talvez por isso, a política externa da Turquia parece um barco de refugiados perdido no Mar Egeu, movido a remos e muito ao sabor das marés. Veremos qual a terra firma a que vai chegar.

Pinhal Novo, 9 de Março de 2016

josé manuel rosendo

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