A Turquia está mal com a Rússia, está mal com a
Síria de Bashar al Assad, está assim-assim com Israel, está assim-assim com a
NATO e os Estados Unidos, e não se sabe como está com a União Europeia. Nem é
preciso falar da questão curda, porque a Turquia continua a bombardear posições
dos curdos na Síria. Com os curdos iraquianos a questão é diferente. Depois,
continua a ser acusada de apoiar alguns grupos extremistas envolvidos na guerra
na Síria. A par disso, em termos internos, a maioria das atitudes do governo
turco contrariam os valores que deviam ser respeitados atendendo a uma eventual
entrada na União Europeia, nomeadamente os vários ataques à liberdade de
imprensa. Isto significa que a chamada política “zero problemas” com os
vizinhos é já um assunto do passado. Já não existe.
O actual Primeiro-Ministro turco, Ahmet Davutoglu é
o teórico da política externa turca dos últimos anos. Em termos gerais, a
política de “zero problemas” com a vizinhança assentava na ideia da
estabilidade regional para o desenvolvimento da Turquia e o país colocava as
questões económicas no topo da agenda das relações internacionais. O líder do
PKK, Abdullah Ocalan estava preso, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento
(de Erdogan) estava no poder e a Turquia queria aderir à União Europeia. Duas
destas premissas mantêm-se, mas quanto à União Europeia, as dúvidas
são muitas.
Quando eclodiram as revoltas da Primavera Árabe, a
Turquia foi apontada como possível modelo e exemplo a seguir. Um país
muçulmano, em que o Estado, dizia-se, estava separado do poder religioso. O
Ocidente achava que sim e que podia ser essa a fórmula para travar os
movimentos islamistas nos países da Primavera Árabe. E a Turquia também gostou
da ideia. Aliás, a possibilidade da Turquia retomar influência nos países em
ebulição no Mediterrâneo Oriental e no Norte de África seria assim como que um
regresso ao antigo espaço do Império Otomano. A Turquia tinha ainda o lastro da
zanga com Israel por causa do ataque israelita ao navio turco que tentou furar
o bloqueio à Faixa de Gaza e bater o pé a Israel é sempre algo muito simpático
para o mundo árabe.
Em determinado momento, a Turquia apostou claramente na
aproximação aos vizinhos, na tentativa de ganhar influência regional em detrimento
da aproximação ao Ocidente e à União Europeia, embora nunca tenha assumido essa
estratégia. O problema é que quase tudo mudou. Ocalan continua preso e Erdogan
no poder, mas o Irão está mais forte, as relações com Israel foram
normalizadas, os curdos marcam pontos e a aposta turca na queda de Assad demora
a concretizar-se. Entretanto a Turquia está inundada de refugiados e enfrenta
uma maior actividade dos independentistas curdos. A Turquia parece que voltou a
aproximar-se do Ocidente e da União Europeia (pelo menos para receber o cheque
de apoio aos refugiados que a União Europeia não quer ver chegar ao velho
Continente), mas a política “zero problemas” está definitivamente enterrada.
A Turquia, por imposição da geografia, é de facto a
ponte entre o Ocidente e o Oriente, mas aproveitar essa mais-valia para construir uma
política externa coerente e sem demasiadas ambiguidades é uma tarefa difícil
quando tudo à volta parece estar a desmoronar-se. Talvez por isso, a política
externa da Turquia parece um barco de refugiados perdido no Mar Egeu, movido a
remos e muito ao sabor das marés. Veremos qual a terra firma a que vai chegar.
Pinhal Novo, 9 de Março de 2016
josé manuel rosendo
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