Assim, sem ninguém esperar, a Rússia decide retirar
parte da sua força militar que participa na guerra na Síria desde 30 de
Setembro do ano passado. Putin decide, Putin anuncia, e a demora nas reacções
apenas demonstra que toda a gente foi apanhada de surpresa. Silêncio em
Washington, silêncio em Bruxelas, silêncio…
A Rússia retira mas mantém a presença no porto de
Tartus e na base aérea na região de Latakia. Os aviões russos, diz Moscovo, vão
vigiar um cessar-fogo que nunca o chegou a ser com todas as partes a
acusarem-se mutuamente de violações da trégua.
A partir de agora: diplomacia. Para consumo da
opinião pública é este o posicionamento determinado por Putin. O Presidente
russo considera que o objectivo foi atingido, entenda-se que foi conseguido “mudar
radicalmente a situação na luta contra o terrorismo, desorganizar as infra-estruturas
dos inimigos e atingi-los com um golpe importante”. Isto quer dizer uma de duas
coisas: o Kremlin considera que, apenas com o recurso aos ataques aéreos, já
fez o que era possível fazer (intensificar os bombardeamentos poderia ter um
custo político contraproducente…) e que as forças do governo sírio
reconquistaram poder face a inimigos muito fragilizados. A Rússia considera que
cortou as fontes de abastecimento dos “terroristas”, que muitas regiões
controladas por “terroristas” estão isoladas e que o exército sírio recuperou
milhares de quilómetros quadrados de território e controla agora cidades
importantes, como por exemplo Alepo. Certamente que Putin terá boa informação,
mas é algo que está por confirmar.
O que parece evidente é que Putin sente que pode
fazer o que quer, desde logo porque sabe que europeus e norte-americanos não
vão meter os pés na Síria, e para já a situação está controlada. Por outro
lado, a faceta pacificadora que resulta desta retirada dá à Rússia mais força
negocial em Genebra. O Kremlin foi claro neste aspecto: “O trabalho dos nossos
militares criou as condições para o início do processo de paz”. É certo que a
posição de Bashar al Assad é agora mais forte e a oposição chamada de moderada
está mais fragilizada, mas há um aspecto que parece incontornável: a oposição
não aceita que Assad continue Presidente e Assad não aceita sequer que a
presidência seja assunto das negociações (o regime sírio diz que é uma linha
vermelha).
Com Barack Obama em final de mandato, Vladimir Putin
marca o compasso da agenda internacional. Não deixa de ser estranho que Putin,
depois de alinhar com Obama no cessar-fogo, decida sair parcialmente da Síria
sem uma palavra aos norte-americanos. Ainda assim, a estratégia de Putin é
clara: maior influência no Médio Oriente. Uma estratégia que não deixa grande
margem para os críticos porque há sempre a possibilidade de comparação com a
estratégia norte-americana. Basta que nos lembremos da retirada norte-americana
do Iraque (2011) e do Afeganistão após longos anos de ocupação: nestes dois
casos qual foi o objectivo atingido? Pois… o mesmo acontece agora com a Rússia:
qual foi o objectivo atingido? A organização Estado Islâmico continua activa, a
oposição considerada moderada está debilitada mas não desiste, os curdos tentam
ganhar terreno e influência, o Irão continua com o aliado Assad no poder, a
Turquia continua a sofrer atentados e a apontar o dedo aos curdos e a limitar a
liberdade de imprensa.
Em cima da mesa está ainda a Resolução das Nações
Unidas, aprovada por unanimidade em Dezembro de 2015, que estabelece um
processo de solução política: negociações entre oposição e o regime;
cessar-fogo; um governo de transição a designar até Junho e eleições até Junho
de 2017. Eleições? Na Síria? Alguém acredita?
A diplomacia esconde sempre alguma coisa e está por
saber qual é o real objectivo de Vladimir Putin, sendo certo que o Kremlin
disse que no telefonema em que Putin comunicou a Assad que as tropas russas
iriam retirar, o futuro do Presidente sírio não foi abordado. Uma pequena Síria,
com Assad no poder, que garanta a presença russa na região, será suficiente?
Uma Síria federal poderá ser uma solução? Muitas soluções se podem colocar, mas
não há nenhuma que satisfaça todos os intervenientes nesta guerra.
Pinhal Novo, 15 de Março de 2016
josé manuel rosendo
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