A fórmula utilizada por Salgueiro Maia está gasta, mas para
nossa desgraça, mantém-se actual. Na parada da Escola Prática de Cavalaria, em
Santarém, Salgueiro Maia perguntou aos seus soldados quem é que estava
disponível para acabar com “o estado a que chegámos”. Foi na madrugada do 25 de
Abril.
Por estes dias, quase 42 anos depois da noite em que
Salgueiro Maia proferiu a tal frase, a escolha parece simples: tentar mudar –
mesmo que a mudança seja difícil e imperfeita – ou deixar que tudo continue a
ser cada vez pior. Não há colunas militares a caminho de Lisboa, mas acho que todos
conhecemos aquela lição de vida e a memória do momento em que não tentámos. Não
há sensação pior.
Até agora e nos últimos anos, empobrecemos, perdemos massa
cinzenta, perdemos gente com a energia da juventude sempre indispensável a
qualquer país que queira futuro. Perdemos até alguma alegria de viver. Sentimos
a tristeza de vermos alguns que considerávamos firmes, passarem para o outro
lado ou pelo menos cederem nos princípios, rendidos a uma alegada falta de
alternativa e a migalhas. A pergunta favorita do sistema fez escola: “quem é
que paga?” Tudo em nome de políticas para as quais “não havia alternativa” e de
um alegado pecado que consistia em vivermos “acima das nossas possibilidades”.
Salvámos bancos e banqueiros enquanto estupidificámos frente a telenovelas,
futebol, e comentários dos cruzados do “não há alternativa” a entrarem-nos em
casa via rádio e televisão.
Dois exemplos do estado a que chegámos:
1 – Esta sexta-feira, devido à apresentação do Orçamento do
Estado, uma notícia não o chegou a ser: a Autoridade para as Condições do
Trabalho (ACT) inspeccionou 516 locais de trabalho. Entre outras coisas, o comunicado
da acção da ACT diz isto: “As irregularidades detectadas relativamente a
horários de trabalho, registos do tempo de trabalho e pagamento de quantias em
dívida neste domínio, designadamente trabalho suplementar e trabalho nocturno,
atingiram 46% do total dos trabalhadores abrangidos, ou seja, quase sete mil
trabalhadores”. As acções de fiscalização focaram-se em actividades bancárias,
de vigilância e em refeitórios. Ilegalidades em barda. Aposto que alguns dos
responsáveis por estas situações fazem parte do clube “não há alternativa”.
2 – Depois temos o “estado a que chegámos” debaixo do
guarda-chuva da legalidade. Aqui entra, por exemplo, o chamado “outsourcing”, que nunca foi outra
coisa – há excepções – a não ser uma forma de contornar a lei que garante
direitos a trabalhadores de uma empresa (através dos Acordos Colectivos),
substituindo-os por trabalhadores, de outra empresa ou falsos profissionais
liberais a recibo verde, quase sem direitos. Há casos em que os trabalhadores
de uma empresa, lado a lado com trabalhadores a recibo verde, a fazerem
exactamente o mesmo trabalho, são remunerados de forma substancialmente
diferente, uns recebem horas extraordinárias e feriados, mas os outros não, uns
têm 13º mês e outros não, uns têm subsídio de férias e férias, e outros não, e até pagam o almoço/jantar no refeitório da empresa a preços diferentes
(consoante sejam trabalhadores da empresa ou “recibos verdes”). Tudo isto numa
mesma empresa, e há quem ache isto normal.
São apenas dois exemplos do "estado a que chegámos”. E há quem seja contra tudo
isto mas não levante a voz. Esses também têm culpa. Alguém recusa reconhecer
que tem de haver alternativa?
Pinhal Novo, 6 de Fevereiro de 2016
josé manuel rosendo
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