terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Quando os “democratas” egoístas preferem ditadores no poder

Legenda da foto: “Acreditamos que o ser humano é o centro do universo e sem seres humanos não será possível alcançar o progresso em nenhum lugar do mundo. O ser humano é o mesmo e igual onde quer que ele pertença. Acreditamos na justiça dos homens”. Foto tirada na cave de um prédio em Salma, Síria, onde funcionava um hospital de campanha em território controlado pelo Free Syrian Army, Agosto de 2012.


O egoísmo dos bem instalados da vida é algo que chega a ser obsceno. Dizer que já se sabia no que ia dar a chamada Primavera Árabe e que os países envolvidos não estavam minimamente preparados para se transformarem em sociedades democráticas, é não perceber nada do que se passou – e ainda está a passar – ou então, de forma cínica, como também ouvi dizer, mas agora devolvo a ofensa, estar a perceber e ao mesmo tempo defender que é preferível alguns viverem sob ditaduras, desde que isso permita aos outros viverem descansados e instalados.

Acabo de ouvir tudo isto numa televisão portuguesa, dito sem pudor nem vergonha, e fico espantado quando este tipo de afirmações são produzidas por pessoas que reivindicam uma superioridade moral – porque, por exclusão de partes, consideram estar preparados para viver em democracia – de uma Europa supostamente evoluída, mas onde ainda há dias houve quem aprovasse leis que permitem o confisco de bens aos refugiados. Que tristeza, esta tão grande pobreza de pensamento.

E esta gente que se arroga de tão evoluída não percebeu uma coisa muito simples que esteve na génese da chamada Primavera Árabe e que foi um grande grito de revolta contra líderes déspotas que pouco ou nada fizeram pelos respectivos povos, acumulando fortunas e fazendo negócios, bons negócios, com essas potências democráticas ocidentais que nunca tiveram o mínimo pejo em negociar com eles desde que vissem as economias a crescer e os eleitores mais ou menos sossegados.

Não percebem aqueles que agora dizem que já se sabia qual iria ser o resultado da Primavera Árabe, que a democracia era a última das reivindicações dos que se revoltaram e fizeram cair ditadores. A rua árabe reivindicou a melhoria das condições sociais e económicas, reivindicou justiça e reivindicou dignidade. Aliás, a democracia é algo muito conotado com o ocidente e tem um sinal muito negativo numa fatia significativa do mundo árabe, devido a todas as memórias que o ocidente deixou na região.

Pretender que alguns vivam eternamente sob os ferrolhos de uma ditadura para que outros possam usufruir do sossego que permite os bons negócios, é de um egoísmo atroz e até obsceno, e revela que algumas fachadas muito democráticas são afinal reminiscências ferozes e bem escondidas do espírito colonial.

Pinhal Novo, 1 de Fevereiro de 2016
josé manuel rosendo

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