Legenda da foto: “Acreditamos que o ser humano é o centro do
universo e sem seres humanos não será possível alcançar o progresso em nenhum
lugar do mundo. O ser humano é o mesmo e igual onde quer que ele pertença.
Acreditamos na justiça dos homens”. Foto tirada na cave de um prédio em Salma,
Síria, onde funcionava um hospital de campanha em território controlado pelo
Free Syrian Army, Agosto de 2012.
O egoísmo dos bem instalados da vida é algo que chega a ser
obsceno. Dizer que já se sabia no que ia dar a chamada Primavera Árabe e
que os países envolvidos não estavam minimamente preparados para se
transformarem em sociedades democráticas, é não perceber nada do que se passou –
e ainda está a passar – ou então, de forma cínica, como também ouvi dizer, mas
agora devolvo a ofensa, estar a perceber e ao mesmo tempo defender que é
preferível alguns viverem sob ditaduras, desde que isso permita aos outros
viverem descansados e instalados.
Acabo de ouvir tudo isto numa televisão portuguesa, dito sem
pudor nem vergonha, e fico espantado quando este tipo de afirmações são
produzidas por pessoas que reivindicam uma superioridade moral – porque, por
exclusão de partes, consideram estar preparados para viver em democracia – de uma
Europa supostamente evoluída, mas onde ainda há dias houve quem aprovasse leis
que permitem o confisco de bens aos refugiados. Que tristeza, esta tão grande pobreza
de pensamento.
E esta gente que se arroga de tão evoluída não percebeu uma
coisa muito simples que esteve na génese da chamada Primavera Árabe e que foi
um grande grito de revolta contra líderes déspotas que pouco ou nada fizeram
pelos respectivos povos, acumulando fortunas e fazendo negócios, bons negócios,
com essas potências democráticas ocidentais que nunca tiveram o mínimo pejo em
negociar com eles desde que vissem as economias a crescer e os eleitores mais
ou menos sossegados.
Não percebem aqueles que agora dizem que já se sabia qual
iria ser o resultado da Primavera Árabe, que a democracia era a última das
reivindicações dos que se revoltaram e fizeram cair ditadores. A rua árabe
reivindicou a melhoria das condições sociais e económicas, reivindicou justiça
e reivindicou dignidade. Aliás, a democracia é algo muito conotado com o
ocidente e tem um sinal muito negativo numa fatia significativa do mundo árabe,
devido a todas as memórias que o ocidente deixou na região.
Pretender que alguns vivam eternamente sob os ferrolhos de
uma ditadura para que outros possam usufruir do sossego que permite os bons
negócios, é de um egoísmo atroz e até obsceno, e revela que algumas fachadas
muito democráticas são afinal reminiscências ferozes e bem escondidas do espírito
colonial.
Pinhal Novo, 1 de Fevereiro de 2016
josé manuel rosendo
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