Texto escrito para a página da RTP na Internet www.rtp.pt
Yahya Sinwar, líder do Hamas em Gaza,
alerta
para eventual “Intifada do Retorno”
Foi na
resposta à última pergunta (Dias 14 e 15 são esperadas fortes manifestações
junto à fronteira com Israel, como será o dia 16?) que o líder do Hamas na
Faixa de Gaza referiu a expressão que nunca tinha sido mencionada: Intifada do
Retorno. Apenas um alerta para uma possibilidade, nas palavras do homem que
passou mais de 20 anos em cadeias israelitas e que foi libertado em 2011,
juntamente com mais de mil palestinianos, quando o Hamas libertou o soldado
israelita Gilad Shalit.
Numa atitude
rara, o líder do Hamas na Faixa de Gaza encontrou-se com os jornalistas
estrangeiros, alguns a trabalharem no território e outros que atravessaram a
fronteia especificamente para esta conferência de imprensa, para dar conta do
que o Hamas pensa que poderão ser os próximos dias e das consequências que a
“Marcha do Retorno”, iniciada a 30 de Março, poderá ter.
Referindo
várias vezes “nós, os palestinianos”, Yahya Sinwar listou problemas conhecidos,
pilares do conflito israelo-palestiniano, mas colocou o acento tónico nos 12
anos de cerco à Faixa de Gaza, desde que o Hamas venceu as eleições
legislativas que se seguiram à morte de Yasser Arafat. Sofrimento, injustiça,
incapacidade de a comunidade internacional reverter a ocupação, resoluções das
Nações Unidas nunca cumpridas, e o momento em que os palestinianos estão fartos
de uma punição colectiva pela escolha política que fizeram e porque cada vez
mais sentem a ausência de esperança numa solução que os retire de uma vida que
Yahya Sinwar classificou de miserável.
Para dar
conta das dificuldades actuais na Faixa de Gaza, Yahya Sinwara disse que, em
muitos aspectos, as mais de duas décadas que passou nas prisões israelitas
foram mais fáceis do que a vida diária em Gaza: melhor alimentação e melhores
cuidados de saúde. Mas lembrou que isso foi conseguido após várias greves de
fome. Quanto, a números 95% da água não é potável; 80% da população vive abaixo
do limiar da pobreza; cerca de 60% não tem segurança alimentar; o desemprego
está nos 45%. Números que não diferem dos que são apresentados pela UNRWA
(Agência da ONU para os refugiados palestinianos), que não poupa nas palavras e
alerta para uma “Catástrofe Humanitária” à vista.
Com uma
imensa fotografia da Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém, como pano de fundo,
o líder do Hamas na Faixa de Gaza disse que o território é “uma bomba-relógio
que pode explodir a qualquer momento e com consequências imprevisíveis”. É com
base em todas as dificuldades e no actual momento de protesto – a Marcha do Retorno
– que este líder do Hamas admite que o movimento possa crescer para uma revolta
com outros contornos e mesmo até à margem das lideranças políticas, tal como
aconteceu com as anteriores Intifadas.
O Hamas tem
adoptado uma terminologia mais moderada e lembra que apoia a Marcha do Retorno,
mas sublinha que são manifestações pacíficas onde ninguém participa armado e
que Israel está a responder de forma absolutamente desproporcional. Desde 30 de
Março já morreram 47 palestinianos e mais de dois mil ficaram feridos (muitos
atingidos por gás cujas características os médicos palestinianos dizem que
ignoram mas afirmam que não é apenas gás lacrimogéneo). Sinwar contesta a
narrativa de alguns media: “os palestinianos não foram mortos nos confrontos!
Quais confrontos?”, afirma para sublinhar que os palestinianos estavam
desarmados.
“Acreditamos
que há uma forma pacífica de resolver o conflito. Não investimos em morte e
destruição” afirma Yahya Sinwar. Mais à frente diria que “Gostamos da paz, da
estabilidade, amamos a vida, mas estamos sujeitos a uma grande injustiça”,
acrescentando que pretende resolver o problema de forma pacífica e não com
guerra. Se conseguirmos, será excelente, concluiu.
Há, de facto, um registo
diferente na abordagem feita pelo Hamas, mas o dedo acusador continua bem
apontado a Israel. O Hamas diz que nada tem contra o povo judeu, mas sim contra
os sionistas e os gangster’s de
Israel. E afirma sem hesitações que não gosta do que a actual administração
norte-americana tem feito aos palestinianos: o reconhecimento de Jerusalém como
capital de Israel e a escolha da data – nos 70 anos da Nakba (a Catástrofe) e
da criação do Estado de Israel - da transferência da embaixada dos Estados
Unidos para Jerusalém, atingem fundo no coração dos palestinianos.
A sequência
de frases ditas por Yahya Sinwar aos jornalistas estrangeiros passou por “é
Inaceitável continuarmos a morrer lentamente” e “Gaza é um tigre humilhado e
mantido numa prisão. Está a começar a libertar-se e não se sabe onde poderá ir”.
O homem que
Israel define como terrorista e que diz que não gosta de aparecer nos media,
apenas permitiu cinco minutos de captação de imagens. Telemóveis, câmaras e
gravadores, ficaram depois retidos na segurança e os tradutores dos jornalistas
não puderam estar nas mais de duas horas de conferência de imprensa. O encontro
com os jornalistas, por ser inédito, foi justificado: “o meu encontro com os
jornalistas é para tentar evitar que a situação se agrave nos próximos dias. Jornalistas
no terreno podem evitar um banho de sangue. Não queremos que estejam do nosso
lado, mostrem e contem apenas o que estiverem a ver”.
Faixa de
Gaza, 10 de Maio de 2018
José Manuel
Rosendo/Antena 1
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