Créditos da foto: UNICEF/UNO 185401/Sanadiki. Esta foto apenas serve para ilustrar o sofrimento das crianças e não é uma fotografia da criança de que este texto trata. |
Quem
já passou do título, estará a perguntar: quem é Jarrah? Pois, Jarrah, é filho
de Shamima Begum, uma jovem britânica de 19 anos, que decidiu juntar-se ao
Estado Islâmico (EI) em 2015. Jarrah, morreu com menos de três semanas de vida,
num campo de refugiados no nordeste da Síria, onde nasceu e estava com a mãe depois
de terem fugido de Baghouz, último reduto do Estado Islâmico, cercado e atacado
pelas Forças Democráticas da Síria (FDS). Um
porta-voz das FDS citado por vários órgãos de informação disse que Jarrah
morreu na sequência de uma pneumonia. Os dois irmãos de Jarrah também nasceram
e morreram durante a aventura da mãe por terras do Califado.
A
tragédia é absoluta. Mas podia ter sido um bocadinho menos terrível se o
Governo britânico tivesse mexido um dedo para tentar salvar Jarrah, mesmo que
isso significasse deixar de lado algumas formalidades e até algumas disposições
legais. Já depois de Jarrah nascer, o Governo de Theresa May retirou a
nacionalidade britânica à mãe, Shamina Begum. Londres argumenta que não a
transformou numa apátrida porque também tem nacionalidade bengali e justifica a
decisão com o facto de Shamina ter dito que não estava arrependida de ter
deixado Londres, em 2015, para se juntar ao Estado Islâmico, embora Shamina também
tenha dito que não concordava com tudo o que o EI fazia. Afinal, quando se juntou ao Estado Islâmico, Shamina teria 14 ou 15 anos.
Numa entrevista à BBC,
Shamina explicou que em Fevereiro pediu autorização para regressar ao Reino
Unido, queria levar o filho para crescer tranquilamente e não queria transformar-se num
cartaz de propaganda do EI. A resposta foi negativa e o Governo britânico
acrescentou que Jarrah poderia regressar, porque não perdera a nacionalidade
britânica, mas para isso teria que haver uma autorização dos pais. A mãe não
queria separar-se do filho e o pai, um holandês combatente do EI, está preso na
Síria.
A
insensibilidade do Governo britânico é assustadora e não podemos deixar de
querer entender o motivo que o levou a retirar a nacionalidade
britânica a Shamina, apenas depois de Jarrah nascer, quando teve desde 2015
para o fazer. E não o fez.
A Lei pode ser sempre esgrimida como argumento para as decisões de um
governo, mas ninguém, normal (com alma, sentimentos e coração), pode achar
normal que se peça a uma mãe que já perdeu dois filhos que se separe de um terceiro
que acabou de dar à luz. Certamente alguém em Londres terá uma explicação muito
iluminada para defender que deve ser assim.
De
Londres chegaram também as palavras do costume e um porta-voz do Governo disse
que “a morte de qualquer criança é trágica e fortemente perturbadora para a sua
família”. O Presidente do Partido Conservador e também Ministro sem pasta,
Brandon Lewis, argumentou que “na Síria, seja num campo de refugiados ou noutro
qualquer lugar, não existe presença consular britânica”, tentando explicar
assim a impossibilidade de repatriar Jarrah. Se não fosse triste, todos
poderíamos rir com a tolice que saiu da boca deste suposto responsável político
britânico.
Este
caso no Reino Unido ilustra o desnorte dos países europeus que não sabem o que
fazer com os seus nacionais que eram combatentes do Estado Islâmico e estão agora
em campos e prisões na Síria ou em países vizinhos. Os Governos vivem no dilema
de não permitir o regresso destes combatentes, argumentando com questões de
segurança interna, ou permitir esse regresso para que respondam perante a
justiça. O que para já estão a fazer é tentar manter o problema longe de casa, mesmo
que isso custe a vida de crianças.
Como
disse a Organização Não Governamental “Save the Children”, e não há forma de
alguém poder dizer o contrário, “todas as crianças associadas ao Estado
Islâmico são vítimas do conflito e devem ser tratadas como tal”.
A
UNICEF já alertou que as “crianças do Estado Islâmico” não podem ser
estigmatizadas como se também elas fossem terroristas. A Agência da ONU para a
Infância diz que cerca de três mil crianças estrangeiras estão num campo de
deslocados na Síria. Têm pelo menos 43 nacionalidades diferentes e a maioria
dos países a que pertencem estão reticentes relativamente ao repatriamento
destas crianças.
O
director regional da UNICEF para o Médio Oriente e Norte de África, Geert
Cappelaere, foi muito claro: as crianças “não podem ser varridas para debaixo
do tapete” e acrescenta que há uma solução “que requer coragem e compromisso político,
porque as crianças são crianças, não são terroristas”.
A
dúvida que persiste é se os responsáveis políticos que acorreram – e bem – a
Paris aquando do ataque ao Charlie Hebdo, empunhando cartazes “Je Suis Charlie”,
vão agora demonstrar mais alguma coragem para além daquela que é necessária
para segurar um cartaz e aparecer na fotografia; ou se os mesmos responsáveis
políticos que se indignaram, por exemplo, com a morte de Alan Shenu (conhecido
por Alan Kurdi), a criança curda refugiada que apareceu morta numa praia turca do Mediterrâneo,
vão agora fazer mais alguma coisa para evitar a morte de crianças inocentes que
tiveram a infelicidade de nascer num contexto em relação ao qual, obviamente,
não têm nenhuma responsabilidade. Estamos à espera.
Pinhal
Novo, 14 de Março de 2019
josé
manuel rosendo
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