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domingo, 7 de junho de 2020

Vidas palestinianas contam. Mas parece que não...

Foto de Iyad Halaq, retirada do Twitter de Saeb Erakat. 
Iyad Halaq, um jovem autista palestiniano, 32 anos, foi morto pela polícia israelita em Jerusalém Oriental, a 1 de Junho, quando se deslocava para um centro de apoio a crianças com necessidades especiais. A polícia diz que Iyad Halaq não respeitou uma ordem para parar e a polícia suspeitou que ele transportava uma arma. O suficiente para atirar a matar. Saeb Erakat, o histórico negociador palestiniano, chamou-lhe um assassínio. Não me parece que se lhe possa chamar outra coisa. Um médico citado pela BBC, familiar de Iyad Halaq, diz que o jovem palestiniano nem sequer tinha noção do que é uma arma ou um polícia e que muito provavelmente quando um estranho falasse com ele a reacção poderia ser a de fugir.

Iyad Halaq fazia regularmente o mesmo percurso numa zona de máximo controlo das forças israelitas. A Agência France Press contou que o caminho que levava à escola Elwyn Al Qoods, junto à Esplanada das Mesquitas, foi feito por Iyad Halaq nos últimos seis anos e torna-se difícil acreditar que não estivesse perfeitamente identificado e referenciado. A polícia israelita concluiu depois que Halaq não transportava nenhuma arma. A autópsia revelou que foi assassinado com duas balas no peito. O pai de Iyad, citado pela France Press diz que quer ver as imagens. Não deve haver local no mundo com mais câmaras do que a cidade velha de Jerusalém. “Se passar por lá um mosquito, é possível saber”, disse o pai de Iyad.

Depois, vieram os lamentos e os pedidos de desculpa. O Primeiro-ministro israelita Benjamin Netayahu disse que é uma tragédia e Benny Gantz, Ministro da Defesa de Israel, lamentou e expressou tristeza. Segue a habitual investigação. Os advogados de defesa dos dois militares israelitas (da Polícia de Fronteiras) já disseram que os dois agiram de acordo com o que está protocolado.

Tal como não somos todos iguais perante a pandemia do novo coronavírus (embora nos tentem impingir que “estamos todos juntos”), não somos todos iguais perante a prepotência e o abuso da força, seja da parte de forças policias, seja da parte de forças de ocupação em territórios que, de acordo com a Lei Internacional, não lhes pertencem e nos quais não têm autoridade.

Enquanto o mundo se levanta, e bem, por causa da morte do norte-americano George Floyd, contra o racismo e contra forças de segurança que matam pessoas com requintes de malvadez, o mesmo mundo ignora a morte de um jovem autista palestiniano apenas porque dois polícias de fronteiras pensaram que o jovem transportava uma arma. Pensaram, porque podem pensar o que muito bem entenderem.

O que nos Estados Unidos sendo frequente – a violência policial e racista – levou a manifestações um pouco por todo o mundo, na Palestina, em Jerusalém Oriental ocupada, parece normal. É apenas a confirmação de que as vidas não têm todas o mesmo valor ou, dizendo melhor, a nossa grelha de valores está completamente avariada e devia envergonhar-nos.

O valor das vidas dos seres humanos George Floyd e Iyad Halaq devia ser exactamente o mesmo. Para além da indignação que a morte de George Floyd provocou, e bem, devemos interrogar-nos sobre os motivos que nos levam a ignorar, ou desvalorizar, outras mortes. Ou será que não aceitamos umas e aceitamos outras?

Pinhal Novo, 7 de Junho de 2020
josé manuel rosendo

domingo, 31 de maio de 2020

Nada de bom se avizinha para a Palestina e é pior do que a pandemia...

O "Plano do Século" deixa os territórios palestinianos cercados por território de Israel, com excepção do pequeno troço de fronteira entre a Faixa de Gaza e o Egipto. O mapa faz parte do Plano apresentado a 28 de Janeiro na Casa Branca.

No Médio Oriente quando se diz que as coisas estão mal, a tendência é para que fiquem pior. Raramente não foi assim. Ainda não se sabe o efeito que o novo coronavírus terá nestes países, seja por falta de dados sobre a doença, seja pela fragilidade da maioria dos sistemas de saúde dos países da região. Não há conhecimento real sobre a presença do vírus e sobre os efeitos da pandemia, mas é certo que o poder político em muitos destes países aproveitou os exemplos de confinamento para determinar situações de recolher obrigatório e do chamado “distanciamento social”. Medidas muito a jeito em países que regista(v)am fortes movimentos de protesto.

A pandemia do novo coronavírus é o cenário de fundo em que o mundo se movimenta e, tendo em conta as características dos regimes políticos nesta região do Mundo, vai servir certamente como justificação e/ou cortina de fumo para medidas que reforçam as injustiças sociais e políticas. Desde logo serviu como argumento para formar um governo em Israel (chamam-lhe governo de unidade e de emergência nacional). Aliás, um improvável governo de coligação entre o (de novo) Primeiro-ministro Benjamin Netanyahu (Partido Likud) e o seu actual grande rival Benny Gantz (Partido Azul e Branco), que fez todas as campanhas eleitorais dizendo que era o candidato das mãos limpas, querendo com isso dizer que o adversário tinha as mãos sujas, numa alusão aos processos que Benjamin Netanyahu (Bibi) enfrenta na justiça. Bibi é o primeiro Primeiro-Ministro de Israel, em funções, a responder na justiça.

Num aspecto Bibi e Gantz estão de acordo e, ao que parece, será para ambos o mais importante: a anexação dos colonatos ilegais (à luz do Direito Internacional) na Cisjordânia ocupada, do Vale do Jordão e, acrescento eu, do que mais quiserem quando quiserem. Dia 1 de Julho é a data apontada para início do processo. A chamada comunidade internacional assiste e condena, como sempre. Conhecemos o guião de outras ocasiões. A mesma comunidade internacional há-de conformar-se, como sempre tem feito e aquele que será chamado de novo-normal acabará por ser aceite. Os palestinianos, de momento, pouco podem fazer, “presos” em Gaza ou “debaixo da asa” de uma Autoridade Nacional Palestiniana que perdeu peso político a nível internacional e parece não ter qualquer capacidade de mobilização nem de resistência.

Mas tudo isto só é possível porque existe na Casa Branca um Presidente chamado Donald Trump, que parece ter em Israel – e na anunciada expansão territorial – a única acção que lhe assegure os apoios internos para a reeleição, depois de perdidas todas as outras frentes: Irão, Coreia do Norte, China e... se calhar, até o Afeganistão.

Durante a presidência Trump, os Estados Unidos deixaram de apoiar a UNRWA (Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos), cortaram laços com a UNESCO (Agência das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) e agora segue-se a OMS (Organização Mundial da Saúde, também agência da ONU). A juntar a esta ausência voluntária no palco das decisões comuns para o progresso da humanidade, Donald Trump rasgou o “Acordo Nuclear” com o Irão (em que a União Europeia ainda se mantém), abandonou o Tratado Open Skyes (Céu Aberto – em que muitos países europeus continuam) e, até em relação a Cuba, tem estado empenhado num forte retrocesso em relação à aproximação encetada por Barack Obama, mesmo quando na Assembleia-Geral das Nações Unidas têm sido aprovadas sucessivas resoluções para o levantamento do embargo norte-americano à Ilha de Fidel (na última votação, 187 países votaram pelo levantamento do embargo e apenas três votaram contra – Estados Unidos, Israel e Brasil). Conhecendo-se as características das lideranças desta “trindade” é, no mínimo, preocupante. Aliás, no Brasil, nas manifestações de apoio a Jair Bolsonaro é frequente ver um mastro com as bandeiras dos três países. Aqui chegados e para evitar mal-entendidos, convém esclarecer que não estão em causa os povos dos três países, mas sim os actuais líderes políticos.

A Casa Branca de Trump dá passos largos para deixar de ser um parceiro a considerar pela comunidade internacional. É inquestionável que a dimensão e o poderio norte-americano (a vários níveis) são essenciais a uma comunidade internacional forte e credível, mas a aposta de Trump numa ausência cada vez maior nas soluções multilaterais, coloca os Estados Unidos à margem do Direito Internacional e retira-lhes a marca de confiança que é indispensável nas relações internacionais.

Ainda quanto ao Médio Oriente, o corte com a UNRWA, a transferência da Embaixada dos Estados Unidos para Jerusalém e o chamado Plano do Século para o conflito entre Israel e os Palestinianos, hipotecaram o papel de mediador dos Estados Unidos neste conflito. Isto pode significar – e parece que significa – que o conflito (na óptica do actual Governo de Israel e da actual Administração norte-americana) está a chegar ao fim, dispensando mediação. Os dados conhecidos apontam para uma rápida anexação de território palestiniano de modo a estar concretizada antes das eleições norte-americanas, não vá dar-se o caso de Trump perder as eleições. Mas, mesmo que isso aconteça, o putativo candidato presidencial do Partido Democrata, Joe Biden, tem-se revelado muito tímido em relação a este conflito: sobre a Embaixada em Jerusalém disse que está feito e não vale a pena voltar atrás, e sobre a anexação... nem uma palavra. Não é de excluir que diga depois, no caso de ser eleito, o mesmo que disse agora em relação à Embaixada: está feito, não vale a pena voltar atrás. Tem sido essa a estratégia ao longo dos anos: em facto consumado não se mexe.

Pinhal Novo
31 de Maio de 2020

josé manuel rosendo

domingo, 15 de setembro de 2019

Qualquer que seja o resultado das eleições israelitas, os palestinianos já perderam.

Cidade Velha de Jerusalém, um israelita mostra um cartoon que expressa a vontade de acabar com a Mesquita da Cúpula do Rochedo (a Mesquita de cúpula dourada na Esplanada das Mesquitas). Imagem obtida a 13 de Maio de 2018, dia em que os israelitas comemoraram o "Dia de Jerusalém". Foto: jmr

Mais uma vez, a terra palestiniana é arma de campanha eleitoral. A menos de 48 horas do início da votação para as legislativas antecipadas, o governo de Benjamin Netanyahu deu luz verde à legalização de um colonato (terá ainda de passar pelo futuro Parlamento) nos arredores de Jericó. A organização israelita Peace Now lembra que é/será o sexto colonato oficialmente aprovado desde os Acordos de de Paz de Oslo, em 1993. Mevo’ot Yericho (Porta de Jericó), assim se chama, foi criado em 1999 e é onde vivem 30 famílias. Localizado a cerca de 600 metros do limite da cidade palestiniana de Jericó, constitui uma barreira ao desenvolvimento da cidade.

Netanyhau há muito que vem prometendo declarar a soberania de Israel sobre os colonatos na Cisjordânia ocupada, entenda-se anexar, e mais recentemente prometeu, se for reeleito, anexar o Vale do Jordão (território também na Cisjordânia ocupada).

O caso do colonato às portas de Jericó é apenas o mais recente exemplo da política que tem vindo a ser seguida. Escrevo pouco depois de a notícia ser conhecida e as reacções já se fazem sentir: são as condenações do costume e o pedido, também habitual, dos palestinianos, para que a comunidade internacional reaja. A regra tem sido a de que nada muda. Está feito, feito fica.

A liderança de Benjamin Netanyahu conseguiu colocar o chamado Processo de Paz em estado de coma, sempre com a ajuda de Donald Trump, um colaborador entusiasmado. O Presidente dos Estados Unidos reconheceu Jerusalém como capital de Israel, mudou a Embaixada norte-americana e, de caminho, reconheceu a anexação dos Montes Golã (território sírio). E promete um misterioso Plano que irá trazer a paz à região. O Plano foi anunciado há meses, mas Trump diz que será divulgado pouco depois das eleições. Até agora, apenas a revelação de que há 50 mil milhões de dólares para aplicar em 10 anos, na Palestina e nos países árabes vizinhos. Ao dinheiro de Trump, os palestinianos responderam que primeiro querem falar de política.

Ainda em termos de segurança, para além do conflito com os palestinianos, Israel ataca território sírio, ataca território libanês e não se cansa de incentivar os Estados Unidos a atacarem o Irão.

Nestas eleições (17 de Setembro) o Likud, de Benjamin Netanyahu, e o Azul e Branco, de Benny Gantz, disputam a vitória, depois de nas eleições de Abril, cada um deles ter obtido 35 lugares no Parlamento. Netanyahu não conseguiu formar um governo de coligação e agora joga todas as cartas para ir buscar votos onde eles estão disponíveis: à direita, aos colonos e aos sionistas mais radicais. E se por cá é hábito ouvirmos a acusação ao partido no poder de utilizar as funções governativas como instrumento de campanha eleitoral, imaginem que não diríamos se o nosso Primeiro-Ministro, em véspera de eleições e num espaço de poucos dias, fosse recebido por Boris Johnson, Mark Esper (Secretário da Defesa norte-americano) e Vladimir Putin. Foi o que fez Netanyahu, tentando passar a imagem do estadista com capacidade para defender Israel de todas as ameaças.

Quanto a Benny Gantz (General e antigo Chefe do Estado-Maior), que lidera o partido “Azul e Branco” (Kahol Lavan, em hebraico), a aposta é na descredibilização do adversário: o nome de Netanyahu está envolvido em vários escândalos corrupção e Gantz apresenta-se como o homem das mãos limpas que pretende devolver dignidade à função de Primeiro-Ministro. Para além dessa circunstância, Guntz é igualmente um falcão que afirma querer manter o controlo militar israelita sobre a maior parte da Cisjordânia ocupada. Em Israel, alguns analistas políticos dizem que é normal não se encontrar grandes diferenças entre os dois programas políticos (de Gantz e de Netanyahu) uma vez que muitos quadros do partido de Gantz trabalharam muitos anos com Netanyahu sobre as questões de segurança (Irão, Hezbollah, Hamas).

Perguntar-se-á, então e a esquerda? Pois... a esquerda israelita evaporou-se. O Partido Trabalhista (6 deputados, em Abril) e o Meretz (4), quase não contam. Principalmente os Trabalhistas ficaram muito parecidos com a direita nas políticas de Defesa e Segurança.

Quanto aos outros partidos, eles representam 40 lugares no Parlamento. Formações ligadas aos colonos e outras de fundo religioso têm poucos lugares mas podem vir a ser decisivas na formação de um governo e da respectiva maioria parlamentar. Os partidos árabes elegeram 10 deputados.

Não havendo muito por onde escolher, é nesta base que os israelitas vão decidir qual a política e o Primeiro-Ministro que querem. Israel poderá ser visto com um Estado respeitador do Direito Internacional ou um Estado que faz o que quer apenas porque tem o apoio dos Estados Unidos e a cumplicidade silenciosa de muitos outros. Não parece que estas eleições possam alterar grande coisa.

Pinhal Novo, 16 de Setembro de 2019

josé manuel rosendo