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sábado, 21 de julho de 2018

A impossibilidade prática de dois Estados na antiga Palestina (II)

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          Posto de controlo de Kalandya (entre Jerusalém e Ramallah)
                       foto: jmr, Maio de 2018

Mais uma vez, choveram manifestações de indignação perante a aprovação no Knesset (Parlamento de Israel) de uma Lei (Lei Básica: Israel – Estado Nação do Povo Judeu, ver https://www.jpost.com/Israel-News/Read-the-full-Jewish-Nation-State-Law-562923 ) que estabelece que “Israel é a pátria histórica do povo judaico e, nele, ele tem um direito exclusivo à autodeterminação”. O hebraico passa a ser a única língua oficial enquanto a língua árabe é despromovida; os colonatos passam a ser de interesse nacional e a expansão é incentivada; Jerusalém é a capital. A Lei passou com 62 votos a favor e 55 contra. Mas passou. Israel é agora um Estado judaico, sendo que 20% da população não o é e sendo os árabes a grande fatia desta minoria. 
O objectivo e a marca anti-democrática ficaram explícitos durante o debate parlamentar: “Aprovámos esta lei fundamental para impedir a menor veleidade de transformar o Estado de Israel numa nação de todos os seus cidadãos” (ver https://elpais.com/internacional/2018/07/19/actualidad/1532026233_632259.html ) disse Avi Dichter, deputado do Likud (o partido do Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu).

Um dia antes desta Lei ser aprovada em Israel, nas cerimónias do 100.º aniversário do nascimento de Nelson Mandela, Barack Obama referiu-se aos homens que chegam ao poder através da democracia e depois minam as instituições que dão sentido à própria democracia. Referiu-se também aos países que assentam a sua existência em nacionalismo, xenofobia e doutrinas de superioridade tribal, racial ou religiosa. Olhem a história e vejam como acabaram, alertou Obama (ver discurso completo em https://edition.cnn.com/2018/07/17/politics/barack-obama-mandela-speech-transcript/index.html ). Israel deu um exemplo claro disso: um Parlamento eleito que destrói a essência que representa a sua própria existência.

Nas reacções que se seguiram à aprovação da Lei, falando apenas de Portugal, o Governo seguiu a linha de condenação da União Europeia e o MNE Augusto Santos Silva, em “português suave” disse que “não podemos aprovar, concordar, com a Lei que foi aprovada e esperamos que venha a ser corrigida”.

Pacheco Pereira, no jornal Público, amigo assumido de Israel (ver https://www.publico.pt/2018/07/21/mundo/opiniao/israel-um-novo-estado-racista-1838609 ) escreveu que “agora não foi sequer a gota de água, foi uma torrente que se abriu com a nova lei da nacionalidade que institui na prática uma situação de apartheid e de racismo”.

Com este governo ou com outro assim tão à direita, Israel terá inevitáveis problemas, e Trump não é eterno na Casa Branca. Problemas desde logo com a União Europeia (UE). Apesar de Israel manter boas relações com o que de pior tem a União Europeia, como é o caso do actual governo húngaro, Federica Mogherini tem mostrado alguma firmeza. Em Junho, o Primeiro-Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, recusou recebê-la (claro que foram questões de agenda...) e recentemente, a Alta Representante da UE para a Política Externa escreveu a Gilad Erdan, Ministro israelita, (ver https://www.haaretz.com/israel-news/.premium-eu-s-mogherini-to-israeli-minister-you-feed-disinformation-1.6280308 ) lembrando-lhe que estava a alimentar a desinformação ao misturar a campanha BDS (Boicote, Desenvolvimento e Sanções a Israel) com terrorismo. Para além disso, Mogherini desafiou o ministro israelita a provar que a UE financia ONG’s com ligações ao terrorismo – foi essa a acusação. O que Mogherini fez foi dizer a este governo de Israel que o discurso maniqueísta de que, quem critica um Governo de Israel, é terrorista ou, no mínimo, anti-semita, esse discurso já não colhe.

Aliás, aquilo que agora foi consumado no Knesset, apenas dá forma de Lei à ambição de sempre dos principais líderes israelitas. Com maior ou menor visibilidade, as acções dos sucessivos governos, foram sempre no mesmo sentido. Exemplo disso é o livro de Uri Dan, “Conversas Íntimas com Ariel Sharon”. Em resposta a Uri Dan, no capítulo “Repovoar a Terra Prometida”, o ex-Primeiro-Ministro de Israel assume ter cometido um “erro”. As quatro páginas deste capítulo são constituídas por uma entrevista onde Sharon começa por defender que “(...) é o povoamento judaico na terra de Israel que determinará o nosso destino a muito longo prazo”, e mais à frente apresenta argumentos: “A Judeia-Samaria é o berço do povo judaico, e o sentimento e ter o direito do seu lado – um elemento crucial da segurança – depende, antes de tudo, do facto de viver no local a que se pertence”. Finalmente, Ariel Sharon explica o erro: “A questão da segurança tem uma dimensão temporária e é fácil debatê-la, ao passo que o aspecto histórico, capital, é mais forte que tudo. A força da atracção do Grande Israel está nas histórias bíblicas, nas festas, nas estações e nas paisagens. No nosso caso, tudo é história”. Sharon assume que foi o grande impulsionador dos colonatos e foi também ele que iniciou a construção do Muro de Separação.

Somando factos ao longo dos anos, a causa Palestiniana tem vindo sempre em perda; Israel tem vindo sempre a ganhar, através dos colonatos e da anexação de território, na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. A comunidade internacional bem pode indignar-se após cada decisão, porque a indignação cai no esquecimento e a decisão há-de passar a facto consumado. A solução dois Estados é menos solução a cada dia que passa e não é de todo irresponsável considerá-la impossível de concretizar, porque a sua concretização implicaria um recuo nas ambições de Israel que, neste momento, é altamente improvável.

Pinhal Novo, 21 de Julho de 2018
josé manuel rosendo

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Palestina, era uma vez um Estado

Abrir e ampliar a imagem ajuda a ter uma melhor percepção da realidade.

Este ano cumpre-se o cinquentenário da ocupação israelita na Cisjordânia (na Faixa de Gaza terminou em 2005) na sequência da Guerra dos Seis Dias. Uma ocupação sempre a esticar limites e com uma população de colonos a aumentar. Quase 600 mil colonos num território com cerca de 2,5 milhões de palestinianos. Na Cisjordânia, palestinianos e colonos vivem separados por muros, vedações e postos de controlo. Os colonatos têm estradas privadas que os ligam entre eles e a Israel, estão protegidos por perímetros de segurança, postos de controlo, fixos e móveis. Toda a margem fértil do Rio Jordão está ocupada por colonos e empresas israelitas. O exército israelita garante a ocupação.

Dizer agora que está em risco a “solução dois Estados” é uma constatação correcta, mas chega com muitos anos de atraso. O mapa que acompanha este texto ilustra como é impossível criar um Estado no território da Cisjordânia ocupada, transformada numa verdadeira manta de retalhos. Os territórios que pertencem aos palestinianos por acerto e resoluções das Nações Unidas, e também pelos Acordos de Oslo, pouco mais de metade estão, de facto, nas mãos da Autoridade Palestiniana.

Por estes dias, António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas fez saber que a aceleração da colonização israelita é uma acção unilateral que constitui um obstáculo à solução “dois Estados” (ainda a 23 de Dezembro a ONU aprovou uma resolução a condenar a colonização – pela primeira vez sem o veto dos Estados Unidos); a líder da diplomacia europeia Federica Mogherini alertou esta semana para o perigo que a expansão dos colonatos israelitas significa para a “solução dois Estados”.
A tudo isto, e antes de tudo isto, Benjamin Netanyahu, Primeiro-Ministro de Israel, respondeu que “nós construímos e continuaremos a construir” e, logo que Donald Trump chegou à Casa Branca, não se coibiu de admitir que Israel está “perante uma oportunidade formidável para a segurança e para o futuro de Israel”. Longe vai o tempo em que o Presidente dos Estados Unidos avisou Netanyahu: “nem um tijolo, e isso inclui Jerusalém”, terá dito Obama. Foi o próprio Benjamin Netanyahu quem o revelou. Também é certo que o aviso não teve efeitos práticos.

No espaço de quatro dias após após a tomada de posse de Donald Trump, o Governo de Israel anunciou a construção de mais três mil habitações na Cisjordânia ocupada. Ao contrário do que era hábito, a administração norte-americana não condenou o anúncio da expansão da colonização.
Estava eu a terminar este texto e chegou a notícia: a Casa Branca considera que a construção ou expansão de colonatos talvez não ajude à paz, mas acrescenta que os colonatos não são um obstáculo à paz entre israelitas e palestinianos. Benjamin Netanyahu é recebido este mês em Washington.

Ao certo, dos Estados Unidos, o que se sabe é que Donald Trump prometeu transferir a embaixada norte-americana para Jerusalém. Ainda não o fez, mas o homem escolhido para embaixador, David Friedman, judeu conservador norte-americano faz parte (diz o jornal israelita Haaretz) de uma organização norte-americana que tem enviado milhões de dólares para um colonato (Beit El) a norte de Ramallah, o mesmo colonato que recebeu contribuições de Jared Kushner (também judeu, genro e agora conselheiro de Trump) e do próprio Donald Trump. Uma nota no final deste parágrafo, para evitar extrapolações abusivas: o que fica dito corresponde a factos e não é nada, rigorosamente nada, contra o povo judeu.

Do lado palestiniano chegou-nos a indignação. O Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmood Abbas, avisou que a Organização de Libertação da Palestina (OLP) pode rever (entenda-se revogar) o reconhecimento do Estado de Israel; o número dois da OLP, Saeb Erekat, disse que a comunidade internacional deve pedir contas a Israel, imediatamente.

Dizer que é imprevisível o que pode resultar do que atrás fica descrito, parece-me o mais acertado. Ninguém duvida que os palestinianos não vão gostar. A chamada “comunidade internacional” e as suas instituições mais representativas vão continuar, de declaração em declaração, até que essas declarações se revelem bizarras face à situação concreta no terreno. Falta pouco.

Pinhal Novo, 3 de Fevereiro de 2017
josé manuel rosendo

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