Mostrar mensagens com a etiqueta Yasser Arafat. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Yasser Arafat. Mostrar todas as mensagens

sábado, 21 de julho de 2018

A impossibilidade prática de dois Estados na antiga Palestina (I)


                           Hebron, foto: jmr, Dezembro de 2017

A carta do Secretário britânico dos Assuntos Estrangeiros, Arthur James Balfour, com data de 2 de Novembro de 1917 e endereçada ao Barão Rothschild, líder da comunidade judaica do Reino Unido, referia a intenção do governo britânico para facilitar o estabelecimento do “Lar Nacional Judeu” na Palestina. Tudo começou aí, sendo que em finais do século XIX Theodore Herzl já tinha escrito “O Estado Judeu”, dando uma base ideológica ao Sionismo. Seguiu-se a resolução da Assembleia Geral da ONU (“Plano de Partilha”) aprovada em 1947. Dessa resolução apenas a parte correspondente à criação do Estado de Israel foi cumprida. A outra metade, o Estado da Palestina, não passou do papel.

Não é o momento para recuperar toda a história de 70 anos de conflito, mas cada passo que tem sido dado sempre foi no sentido oposto ao do previsto para a criação de um Estado da Palestina. Desde logo com a ocupação dos territórios palestinianos em 1967 (na sequência da Guerra dos Seis Dias) e com a posterior consolidação da ocupação através da construção de colonatos. A construção do Muro de Separação (iniciada por Ariel Sharon – um “falcão” - mas que foi uma proposta de Ehud Barak - trabalhista/socialista), a constante anexação de terras palestinianas e o último episódio da transferência da embaixada dos Estados Unidos de Telavive para Jerusalém, são sinais de que nada foi feito na direcção pretendida pelos palestinianos. Antes pelo contrário.

Talvez o momento dos Acordos de Oslo, assinados há quase 25 anos, entre Yitzhak Rabin e Yasser Arafat, tenha sido o único momento em que foi possível vislumbrar uma solução (mesmo que Arafat tenha reconhecido o Estado de Israel e Rabin tenha ficado por apenas reconhecer a OLP como interlocutora e representante do povo palestiniano), mas ainda assim – basta lembrar as críticas de que o próprio Arafat foi alvo, tal como Rabin (mais tarde assassinado por um extremista judeu) – as questões que ficaram por resolver nunca foram resolvidas. As fronteiras de um Estado palestiniano, a retirada dos colonos dos territórios ocupados – com excepção da retirada da Faixa de Gaza em 2005 – o estatuto de Jerusalém, o direito de retorno dos refugiados palestinianos e o controlo da água na Cisjordânia, são questões deixadas em aberto nos Acordos de Oslo e que as negociações que se seguiram nunca conseguiram resolver. É certo que Oslo permitiu a criação da Autoridade Palestiniana, mas de que vale essa conquista se a Autoridade pouca autoridade tem? É certo que a Autoridade Palestiniana tem obtido algumas vitórias diplomáticas e reconhecimento internacional, mas de que vale isso se, na Palestina, é o Governo de Israel quem manda?

Pensar que 70 anos depois da aprovação da resolução 181 da Assembleia Geral da ONU ainda é possível criar um Estado palestiniano, não é pura utopia, é tão só uma impossibilidade prática. Basta andar pela Cisjordânia e olhar para o topo das colinas e dos montes: lá está um colonato israelita. Ilegal, à luz do Direito Internacional, mas está lá. E sempre em expansão. E a juntar aos colonatos estão as estradas interditas aos palestinianos; está a presença militar de Israel para garantir a segurança dos colonos; estão os postos de controlo; estão as fronteiras controladas por Israel. 

Na Cisjordânia ocupada, dividida em três tipos de áreas (Zonas A, B e C), a Autoridade Palestiniana tem autoridade plena (zona A) numa escassa parcela do território. Cerca de 2.500.000 palestinianos vivem num Cisjordânia com cerca de 6.000 quilómetros quadrados. Na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental existem cerca de 400 colonatos onde vivem mais de meio milhão de israelitas. O que se vê na Cisjordânia ocupada e em Jerusalém Oriental é um constante avanço do território ocupado por Israel e um recuo permanente dos territórios onde vivem os palestinianos. Pensar que é possível construir um Estado palestiniano num território ocupado por 400 “ilhas”, respectivos acessos e aparelho militar, apenas pode significar a recusa de ver o óbvio: não é possível! A não ser que passemos a designar por Estado uma Instituição num território em que apenas tem uma autoridade administrativa, dispensando o controlo de fronteiras, a existência de um exército e até a ausência de moeda própria. Isto é, se não se alterar a realidade no terreno, os palestinianos nunca terão direito a um Estado soberano.

Um dia destes, Donald Trump ou um outro Trump, poderá vir dizer em relação à Cisjordânia o que Trump disse agora em relação a Jerusalém: “Hoje reconhecemos o óbvio. Que Jerusalém é a capital de Israel. Isto é apenas o reconhecimento de uma realidade”.

Pinhal Novo, 21 de Julho de 2018
josé manuel rosendo

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Há 10 anos na Palestina...



“Arafat morreu”. A notícia, a meio da madrugada, via telefone, dada por um camarada da redacção em Lisboa, acordou-me num hotel em Jerusalém e tirou-me o sono. Há momentos que sabemos que nunca vamos esquecer.

Tinha saído de Lisboa com a imagem marcante de Yasser Arafat acenando aos palestinianos no momento em que entrava no helicóptero jordano que o retirava de uma Mukataa – quartel-general da Autoridade Palestiniana – onde viveu cercado durante cerca de 3 anos, sem nunca quebrar. Nesse dia, nessa despedida, Arafat não levava o tradicional lenço árabe mas sim um barrete de pelo que teimava em cair-lhe da cabeça. Li no olhar do velho líder que ele sabia, e eu pressenti, que jamais voltaria à Palestina. Não sei se Arafat chorou, mas de certeza que os palestinianos choram hoje a sua ausência. Os beijos atirados da porta do helicóptero foram a despedida de um pai que não podia abraçar todos os filhos de uma terra pela qual lutou sempre. Deixou a herança possível: a mesma luta.

Alguns dias depois, a Mukataa assistiu às lágrimas de um povo que se sentiu órfão. O funeral de Yasser Arafat foi um desses momentos em que quase dispensamos o bloco de notas tal a força das imagens e a forma como elas se instalam na nossa memória.

Era uma sexta-feira, talvez umas duas da tarde em Ramallah, o helicóptero jordano que transportava a urna de Arafat planou alguns minutos por cima da Mukataa para que milhares de palestinianos se afastassem e abrissem uma clareira onde pudesse aterrar. Depois, um ensurdecedor tiroteio e a urna transportada pelas mãos palestinianas até à sepultura que, dizia-se em Ramallah, tinha terra da Esplanada das Mesquitas. Israel não autorizou que Arafat tivesse sido sepultado em Jerusalém. A solução foi trazer a terra da cidade santa para receber o corpo do líder. Para os palestinianos Arafat está sepultado provisoriamente em Ramallah, porque há-de ser sepultado junto à Mesquita de Al Aqsa, em Jerusalém. O “directo” para a rádio há-de estar gravado no arquivo da Antena 1. Nesse dia foi um telefone satélite que salvou o directo porque as redes de telemóvel estavam saturadas (ou bloqueadas?).

As fotos são desses dias, desses momentos, passados ao redor da Mukatta, e também lá dentro, no funeral, depois de um velho militar palestiniano ter aberto a porta a dois jornalistas portugueses ao lembrar-se que tinha sido português, o primeiro presidente – Mário Soares – a dormir em Gaza depois de Arafat lá se ter instalado quando regressou do exílio.

josé manuel rosendo
12 de Novembro de 2014