segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Guerra do petróleo na Líbia: quem vende e quem compra?


                                    O mapa dos oleodutos e gasodutos é da insuspeita Stratfor 
                                    (empresa norte-americana frequentemente referida como 
                                     uma espécie de CIA privada que recolhe informação de 
                                      relevância geopolítica).

A Líbia não conseguiu fugir à chamada “maldição dos recursos”. Tem petróleo, e ter petróleo, em África (mas não só), paradoxalmente, tem sido sinónimo de guerra. Na Líbia, os frutos da chamada Primavera Árabe revelaram-se venenosos. Enquanto vão falhando as sucessivas tentativas de reconciliação, a Líbia vive mergulhada numa guerra que já transformou o país num Estado falhado onde existem dois governos, dois parlamentos, um vasto conjunto de grupos armados entre os quais se atravessa o Estado Islâmico, sendo também o país preferido para os africanos que querem chegar à Europa e arriscam uma travessia do Mediterrâneo. Perante este cenário, o que tem feito a chamada comunidade internacional? Bem… as Nações Unidas tentam a reconciliação nacional através de uma divisão dos benefícios do petróleo entre as várias facções combatentes. Até agora não resultou.

Aparentemente sem qualquer sentido de Estado, os dois governos apenas tentam manter o pouco poder que têm vendendo o petróleo produzido nas áreas que cada um deles controla (em Tobruk, o governo reconhecido internacionalmente; em Tripoli o outro governo). Ainda assim, o Ministro dos Negócios Estrangeiros do governo de Tobruk advertiu recentemente para o perigo de a Líbia vir a tornar-se no novo santuário do Estado islâmico. Ajdabya, local de intensos combates quando Kadhafi ainda era vivo, é apontada como possível nova capital do estado islâmico. O Ministro líbio disse que não é possível pensar numa reconciliação nacional sem antes passar à acção militar. O aviso está feito: o Estado Islâmico está a ganhar força e a ligação ao Boko Haram, na Nigéria, dá fortes sinais. Entre a Líbia e a Nigéria, na região do Sahel, há apenas dois países: Níger e Chade, ambos mergulhados em conflitos semelhantes, territórios por onde tudo pode passar.

Enquanto este cenário se desenvolve bem à vista de todos a inacção talvez possa ser explicada com o petróleo que vendido através dos portos líbios. Dificilmente estará a sair de outra forma (ver imagem). E também não será difícil saber quem está a comprar. Tal como no Iraque não é difícil seguir a rota dos camiões que contrabandeiam petróleo, na Líbia também não será difícil saber que navios saem dos portos, carregados de crude, e para onde vão. Aliás, neste momento, o Mar Mediterrâneo está mais do que militarizado. O problema é que as grandes empresas ocidentais sempre gostaram de recursos baratos. Segundo dados conhecidos, a Líbia é o país africano com maiores reservas de petróleo – mais de 48 mil milhões de barris em finais de 2014 – e embora tendo a produção afectada pela situação de guerra – produz actualmente cerca de 500 mil barris diários, quando no tempo de Kadhafi produzia o triplo – é ainda um produtor apetecível. Melhor ainda se o contrabando obrigar a reduzir os preços.

Não sou dos que partilham a ideia de que Kadhafi devia ter ficado tranquilo no poder para que a Líbia ficasse em sossego, nem sou dos que partilham a ideia de que as forças de Kadhafi não deviam ter sido atacadas quando já estavam às portas de Benghazi. De facto, os líbios tinham todo o direito de quererem ver-se livres de um ditador macabro (uma visita às prisões do regime seria bom para aqueles que ainda ousam defendê-lo) e quando dizem que os países ocidentais não deviam ter interferido na “primavera líbia”, talvez tenham alguma razão, mas não têm a razão toda. Devem recordar-se das imagens de um Kadhafi possesso de ódio contra os rebeldes a prometer um “zenga zenga” (uma caça casa a casa, rua a rua…) e esteve quase a consegui-lo. O tanque que liderava a coluna que queria reconquistar Benghazi ficou a dois ou três quilómetros da entrada da cidade, se não estou em erro em Março de 2011. Kadhafi tinha prometido amnistia para quem se rendesse, mas disse que não haveria compaixão nem misericórdia para quem ousasse lutar. Se as forças de Kadhafi tivessem entrado ninguém duvida do massacre que se teria seguido.

Enquanto todas as atenções estão centradas no Iraque e na Síria, não é difícil imaginar as negociatas feitas com o petróleo da Líbia. Evidentemente que alguém na Líbia está a ganhar muito dinheiro, mas não é menos certo que alguém fora da Líbia está igualmente a ganhar muito dinheiro. E se, em relação aos líbios, o preconceito habitual faz com que se olhe para eles como “os bandidos do costume” (assim do tipo aquela gente que anda sempre aos tiros…), em relação ao mundo (dos negócios) de gente que não dá um tiro e surge sempre bem engravatada, seria bom sabermos quem são.

Pinhal Novo, 14 de Dezembro de 2015

josé manuel rosendo

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

E depois do Estado Islâmico?


Após os atentados de Paris, as emoções estão (ainda) à flor da pele e quando não alinhamos no instinto primário da vingança somos quase automaticamente colados aos defensores e autores da barbárie.

Ponto prévio: é muito escassa a informação fidedigna sobre o Estado Islâmico. Sabemos quase nada e o que sabemos tem origem na propaganda do próprio Estado Islâmico e na propaganda anti Estado Islâmico. Na maior parte dos casos a informação tem origem em fontes impossíveis de verificar. Existe uma guerra e, como em todas as guerras, a propaganda e a contra-informação fazem o seu caminho. Em qualquer guerra a face visível do confronto é apenas uma pequena parte do que de facto está em jogo.

Há várias semanas que, oficialmente, Estados Unidos e Rússia anunciam centenas de voos e milhares de alvos atacados. Das duas uma: ou o Estado islâmico tem uma dimensão, capacidade e organização, que ninguém quer admitir ou estão a largar bombas de forma indiscriminada sem terem noção dos alvos que estão a atingir e correndo o risco de provocar os habituais danos colaterais.

Aceitando como boa a informação que Estados Unidos e Rússia têm divulgado sobre os ataques aéreos, poucos terão dúvidas sobre o futuro do Estado Islâmico. Quando as duas grandes potências mundiais (e outras) descarregam toneladas de bombas na Síria e no Iraque, torna-se evidente que o Califa e os seus seguidores vão ser pulverizados ou, quanto muito, ficarão reduzidos a pequenos grupos dissimulados na população e de regresso à estratégia de guerrilha.

Convém no entanto avaliar alguns dados: porquê apenas agora o intensificar dos bombardeamentos? Porquê apenas agora os ataques a zonas petrolíferas (dizem…) e a camiões cisterna de transporte de petróleo? O que é que estes ataques significam? Vão “desfazer” o Estado Islâmico e deixar a sírios e iraquianos o resto do problema? E depois há aquela pergunta de “1 milhão de dólares”: a quem interessa esta guerra e a existência do Estado Islâmico? Há tantas respostas possíveis, mas a participação de várias potências e vários actores regionais nesta guerra tem desde logo um significado muito simples: querem ter uma palavra sobre o futuro da região quando o Estado Islâmico acabar. Acho que já vimos algo parecido precisamente na mesma região.

O futuro passa por uma pergunta simples de resposta terrivelmente complexa: e depois do Estado Islâmico? Desde logo não é de todo impossível que o Estado Islâmico não evolua para um “estado sunita” (faltando saber em que moldes e em que território). Há teorias nesse sentido. Depois: acabada a guerra com o Estado Islâmico (com a qual todos parecem concordar), o que fazer com Bashar al Assad? Como resolver o problema na Síria, palco para uma miríade de grupos mais ou menos extremistas, mais ou menos laicos? O que fazer com os curdos? O que fazer com o PKK (que combate o Estado Islâmico), considerado terrorista pelo ocidente? O que fazer com as (YPG) Unidades de Protecção Popular (que também combatem o Estado Islâmico) marcadas com o mesmo rótulo? O que fazer com os combatentes do Estado Islâmico que sobreviverem?

Um exemplo simples ajuda a explicar a complexidade da situação: Mossul. A segunda maior cidade do Iraque fica na fronteira da zona árabe com a zona curda. É reivindicada por curdos e árabes. Neste momento, a questão que já se discute no terreno é a de saber quem fica a controlar a cidade após a expulsão do Estado Islâmico. Parte da população de Mossul prefere viver com o Estado Islâmico a ver entrar os xiitas e as previsíveis vinganças; os xiitas querem a cidade para eles porque vão ter que ser as milícias xiitas, juntamente com as forças do governo de Bagdad – também quase só xiitas – a desencadear o ataque à cidade; os curdos reivindicam a cidade e têm o argumento de terem travado o Estado Islâmico quando o exército iraquiano bateu em retirada. Não é possível tomar Mossul sem a colaboração dos curdos mas estes não confiam na capacidade das forças de Bagdad – dizem que não podem confiar num governo que precisa de milícias para defender o seu próprio povo.

Sobre Raqaa, na Síria, declarada capital do Estado Islâmico, podemos fazer perguntas semelhantes embora envolvendo actores diferentes. Alguém sabe responder a tantas perguntas e a questões tão complexas? Parece haver, no entanto, uma resposta segura: vamos ter outras guerras na região depois de terminada a guerra ao Estado Islâmico.

Pinhal Novo, 7 de Dezembro de 2015

josé manuel rosendo

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Não há bola de cristal no Palácio de Belém, mas parece…

Não há paciência, embora não surpreenda. A mesma “escola” que ignorou Leis e direitos, para cortar salários e pensões (depois da promessa expressa de não o fazer…), e que fez uma interpretação tão abrangente da Constituição que levou a várias medidas chumbadas pelo Tribunal Constitucional, é agora a “escola” que consegue ler na Constituição que o Primeiro-Ministro só pode ser o líder do partido/coligação mais votado. Não há nem uma linha da Constituição que imponha esta solução. Temos assim uma espécie de “escola” que faz pose de Estado e cara séria quando fala do “Estado de Direito” mas que depois manda o Estado de Direito às urtigas. Que se lixe a Constituição se atrapalhar os objectivos políticos.

Não surpreende que o Governo esteja agarrado ao poder. Não surpreende que quem se tenha demitido irrevogavelmente e tenha voltado atrás, esteja agarrado ao poder. Não surpreende que jovens jotas inesperadamente atirados para cargos públicos estejam agarrados ao poder. Face à atitude dos últimos anos, nada disto surpreende. Conhecemos os políticos de quem estamos a falar. Não surpreende até que não consigam perceber que não têm apoio parlamentar para serem de novo Governo, tal como não surpreende que não percebam que há uma maioria de deputados eleitos pelo povo que apoia outra solução de Governo. De facto, sinceramente, nada disto surpreende, porque compreender tudo isto seria compreender a democracia.

Aqui chegados, aquele que tem a obrigação de acabar com este impasse, recusa fazê-lo. Pelo menos demora, prolonga o tempo de jogo. Esta segunda-feira, na Madeira disse que quer ouvir mais pessoas para “recolher o máximo de informação junto daqueles que conhecem a realidade económica política e financeira” para depois decidir; acrescentou que “sabe muito bem o que aconteceu em Portugal quando as orientações adequadas não foram cumpridas”. Quais orientações adequadas? De quem? Cavaco Silva pode ouvir toda a gente, mas o que não pode ignorar é o que resulta das eleições de 4 de Outubro: há uma maioria de deputados que viabiliza um Governo e que esse Governo tem toda a legitimidade democrática.

O Presidente da República pode ouvir quem quiser, tem esse direito e até obrigação, para melhor desempenhar as suas funções. A mais importante dessas funções, no nosso regime democrático, é “cumprir e fazer cumprir a Constituição”. Esse foi o juramento de Cavaco Silva.

O Presidente da República não pode exercer o livre arbítrio em circunstâncias que a Constituição não o permite, isto é, não pode argumentar que o acordo estabelecido entre os partidos à esquerda não vai funcionar. Os deputados dos partidos de esquerda têm a mesmíssima legitimidade do que os deputados dos partidos da direita. A Constituição não atribui ao Presidente da República as funções de vidente relativamente aos acordos que resultam da vontade dos deputados livremente escolhidos pelos portugueses. Ainda não há bola de cristal em Belém. Mas parece…

Pinhal Novo, 17 de Novembro de 2015

josé manuel rosendo

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Um vasto rol de comentadores políticos… (ou os democratas que não aceitam a democracia)

Não resisti, porque há muito tempo que não tínhamos um momento político tão rico e apaixonante. Chamem-me simplista (ou básico) se quiserem e se se derem ao trabalho de me chamar alguma coisa, mas tenho alguma dificuldade em entender a actualidade política. Não a política propriamente dita, mas as leituras que tantos comentadores fazem e que, por vezes, tomam elas (as leituras e os comentários) a forma de realidade que acaba por sobrepor-se e substituir a verdadeira realidade.

Temos um sistema político que desde há quatro décadas define com clareza as condições em que Portugal pode ser governado: tem de ser com um Governo que tenha o apoio de uma maioria parlamentar. Não há dúvida quanto a isto e até agora todos aceitaram o jogo. No limite, até tivemos o célebre “caso limiano” que desempatou o apoio parlamentar a um governo de António Guterres. Com o actual sistema, Portugal nunca deixou de ter Governo e, quando essa necessária maioria parlamentar deixou de existir, os governos caíram e outros lhe sucederam. Parece-me que é assim a democracia, pelo menos no sistema político português.

De facto, os resultados das eleições de 4 de Outubro colocaram-nos perante uma situação inédita, mas não é por isso que o sistema deixa de servir. O problema é que os resultados de 4 de Outubro abrem a porta a várias soluções de Governo que alguns políticos e um vasto rol de comentadores têm dificuldade em aceitar. Não porque a legalidade democrática esteja a ser violada, não porque alguém esteja a preparar um golpe palaciano, mas apenas porque uma das soluções não agrada a um vasto rol de comentadores.

Face aos resultados das eleições de 4 de Outubro, a única análise intelectualmente honesta é dizer que eles abrem portas a dois tipos de governo (até mais, mas são as possibilidades em cima da mesa): um da coligação PàF eventualmente com apoio abstencionista do PS no Parlamento; outro do PS com apoio parlamentar do BE e do PCP. Qualquer das soluções tem argumentos para defender a sua legitimidade democrática: a PàF porque venceu as eleições e é uma tradição que seja a força política mais votada a formar Governo; o PS com apoio do BE e do PCP porque se conseguirem um entendimento têm uma maioria parlamentar que sustenta um Governo. E o sistema político tem muito bem definida a arquitectura dos passos a dar para ser encontrado um Governo. Tudo claro como água.

Mas esse vasto rol de comentadores que tem dificuldade em perceber uma coisa tão simples e que é afinal a essência da democracia – aceitar o veredicto popular e as possibilidades de expressão em forma de Governo dessa decisão do povo – teima em confundir aquilo que são as regras do jogo democrático com o desejo/vontade que sentem de ver formado um determinado Governo. E é aqui chegados que os comentadores borram a pintura: em vez de fazerem análise e explicarem às pessoas as possibilidades em aberto com o resultado das eleições, exprimem desejos mascarados de inevitabilidades assentes em leituras enviesadas da realidade.

A título de exemplo, e porque é da área da direita política que surgem estas leituras mais enviesadas, ponham os olhos num país que estão sempre muito predispostos a defender: Israel. Há décadas que não há uma maioria absoluta em Israel e há décadas que as coligações, por vezes as mais inesperadas e até implausíveis, governam o país.

Por fim, deixem-se lá daqueles argumentos de que “ai, ai, ai, vem aí o comunismo”. Gente que quer ser tão “à frente” e gosta de esgrimir o argumento de que “o mundo mudou”, atirando-o à cara dos outros como se fossem analfabetos e vivessem na idade das trevas, já devia ter percebido que o mundo mudou mesmo e que todas as forças políticas eleitas para o Parlamento têm o mesmo direito de participar na governação do país. Só falta mesmo acenarem com os fantasmas dos comunistas que comem criancinhas ao pequeno-almoço, o que deixaria de ser desonestidade intelectual e passaria a ser burrice, porque nessa já ninguém acredita.

Estarão a perguntar qual a solução de Governo que mais me agrada, mas a minha opinião não é relevante. O que deveria ser relevante era termos análise política mais esclarecedora e menos engajada com as forças políticas. Em resumo: precisamos de analistas verdadeiramente independentes ou então de analistas e comentadores que consigam fazer a separação entre uma verdadeira análise da realidade política e a opinião que têm sobre o que consideram melhor para o país. Misturar as coisas não é jogo limpo.


Pinhal Novo, 13 de Outubro de 2015
josé manuel rosendo

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Maldita MEO!


Nunca escrevi nada parecido, mas desta vez a tampa saltou. Nem um santo tem paciência para o serviço de atendimento da MEO. Foi esse péssimo serviço de atendimento, quer por telefone quer em loja, um dos principais motivos que me levou a terminar os meus contratos com a MEO. E pensava eu que estava livre da MEO. Puro engano. Depois de cobranças que a empresa fez para além do que era devido após ter terminado o contrato, agora confronto-me com a incompetência da MEO (Será? Ou apenas um estratagema para retardar reembolsos?) na hora de devolver o que foi indevidamente cobrado.

A história é simples: depois daquelas longas esperas numa loja MEO onde fiquei a saber que, afinal, havia informação sobre a rescisão do contrato que não tinha sido introduzida no sistema (isso explicava que continuassem as cobranças…), disseram-me que iria receber notas de crédito com o valor cobrado indevidamente.

De facto, recebi 3 notas de crédito (fotos). Mais uma vez, após mais de meia hora de espera, próximo da hora de fecho da loja, com apenas dois ou três clientes a aguardar atendimento, e com os funcionários agarrados ao computador (provavelmente a fecharem serviços para poderem sair à hora de fecho – e muito bem), eis que chega a minha vez e volto a ter uma surpresa: o valor que a MEO me devolvia nas 3 notas de crédito não batia certo com o valor que o sistema da MEO (ah grande sistema…) queria devolver-me. Proposta do funcionário: podia receber o valor que constava no sistema informático, fazia uma reclamação, e posteriormente receberia o resto. Justificação: à hora a que estávamos a tratar do assunto já não era possível resolver a coisa por telefone. 

Isto é: a MEO recusava devolver-me ao balcão da loja o valor que constava das notas de crédito que a mesma MEO me enviara. Gastei uma hora entre a espera e as explicações. Quer fazer a conta? Perguntou-me o funcionário quando lhe disse que estava a querer devolver-me menos dinheiro do que aquele que constava nas notas de crédito. O ar empertigado do funcionário ao fazer a pergunta era aquele de quem acreditava piamente no “Deus sistema MEO” que tinha à frente. Depois passou a uma cara de incredulidade própria de quem é enganado por algo que supostamente é infalível. Nem um santo tem paciência para aturar uma empresa assim.

Resultado: não recebi nada. O funcionário fez uma reclamação. E disse: daqui por mais ou menos dez dias entram em contacto consigo. Não acham fantástico? Eu acho. É o retrato do país: os grandes, as grandes empresas, fazem o que querem das pessoas. Reclamar? Não vale a pena: perdia mais meia hora e acabaria a receber, se recebesse, uma cartinha a dizer que a minha reclamação estava a ser analisada ou que ia ser tida em conta. Obrigado, MEO. 

Sim, eu sei, as outras são todas iguais. Mas se alguém da MEO me bater à porta juro que, no mínimo, o vou insultar. E quando telefonarem façam-no com jeitinho. Já nem quero saber do dinheiro, só quero que me deixem em paz.

Pinhal Novo, 2 de Outubro de 2015

josé manuel rosendo

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Estados Unidos e Rússia preparam “retirada” de Bashar al Assad para uma "nova Síria"


Praticamente desde o início da guerra na Síria que se fala da possibilidade de criação de um novo Estado que albergue Bashar al Assad e os Alauitas, ramo xiita a que pertence a família Assad. A "nova Síria" teria por base as províncias de Tartus e Lataquia, onde estão concentrados os Alauitas e que são as duas províncias mais a Oeste do actual território sírio, encostadas ao Mar Mediterrâneo.

Em termos puramente militares é por demais evidente a incapacidade das forças de Assad para recuperarem território: já perderam grande parte da Síria para as várias facções que combatem o regime mas que também combatem entre elas (por vezes em alianças de ocasião), apenas dominam a capital – ainda assim praticamente cercada –, as zonas controladas pelo Hezbollah libanês e algumas bolsas de terreno no resto do território, para além das duas províncias junto ao Mediterrâneo. Assad, enfrenta vários inimigos, conta com o apoio do Hezbollah libanês e de militares iranianos mas já não tem capacidade de recrutamento próprio. A confusão na Síria é muito grande. Arrumar a casa pode exigir um plano que comece por resolver o “problema Assad” e que passará por dar ao actual Presidente um território que seja étnica e religiosamente homogéneo. Depois se verá como pode evoluir o combate ao Estado Islâmico e quem ficará no que restar do território da actual Síria.

Os mais de quatro anos de guerra já provocaram mais de 240.000 mortos, vários milhões de refugiados e deslocados. Os países vizinhos albergam milhões de refugiados sírios e, também eles, querem ver rapidamente terminado uma guerra que facilmente pode galgar fronteiras. Os curdos capitalizam o esforço de guerra que têm feito contra o Estado Islâmico e vão certamente querer que isso se traduza em algo mais, quer na Síria quer no Iraque, sendo que na Turquia o governo dá sinais de não querer ser reactivo e já se apressou a tomar a iniciativa de modo a que os curdos não sintam qualquer margem de manobra a exigências que sempre assustaram Ancara. Se nada for feito a guerra na Síria só pode alastrar.

O entendimento Estados Unidos/Rússia conhecido nos últimos dias, com responsáveis militares dos dois países a discutirem a situação na Síria é um sinal claro de que algo está a ser preparado. Tem havido uma roda-viva nos corredores da diplomacia: Washington, Moscovo, Teerão, Riad, Omã, são algumas das capitais que guardam o segredo do que está a ser preparado. Dos últimos dias vem também a deslocação do Primeiro-Ministro israelita a Moscovo. O chefe da diplomacia síria esteve em Omã (deslocação rara a um país sunita), o chefe da secreta síria esteve em Riad… Teerão já terá um plano para a divisão da Síria que poderá ser um ponto de partida para um entendimento. Assad terá de perceber que não podendo ganhar esta guerra terá de perder alguma coisa para não perder tudo. Basta para isso que os interesses da Rússia sejam satisfeitos e que o Irão não estique demasiado a corda, até porque o acordo com o grupo dos 5+1 sobre o programa nuclear parece ser algo de que Teerão não se quer desviar.

Falta saber qual é a linha de fronteira no interior da Síria que Assad vai querer estabelecer e até pode acontecer que queira manter num futuro Estado algumas das cidades que há muito lhe escaparam da mão. Várias cidades, de Damasco a Aleppo, passando por Homs e Hamah, todas elas a poucos quilómetros da costa mediterrânica, seriam a cereja no topo do bolo da solução que parece estar a caminho. Assad pode ficar satisfeito com Lataquia e Tartus e mais uma faixa de território até Damasco. A fronteira com o Líbano é território em que pode ter a ajuda do Hezbollah. Todos os sinais apontam para que Assad aceite uma solução que lhe permita de algum modo salvar a face numa guerra que não pode vencer. Para trás fica terra queimada entregue a extremistas e a rebeldes que vão continuar a bater-se e onde as várias potências vão esgrimir argumentos, explorar apoios e fidelidades. Ainda assim a solução da “nova Síria” poderá também ser agarrada com ambas as mãos pelos rebeldes do Exército Livre da Síria, cansados de esperar por apoios externos que nunca chegaram.

Já se percebeu que os países ocidentais não querem colocar tropas no terreno. Também já se percebeu que os ataques aéreos da coligação internacional contra o Estado Islâmico não estão a conseguir alterar a situação. Por outro lado, já se viu que a Rússia está a enviar equipamento militar para as duas províncias junto ao Mediterrâneo (sem oposição dos Estados Unidos), sinal de que poderão estar a ser criadas as infra-estruturas militares mínimas que garantam a defesa de um futuro Estado de Assad. Se isso vier a acontecer, não é de todo desajustado considerar que é a Rússia quem mais beneficia deste longo braço de ferro em que nunca “deixou cair” Bashar al Assad no Conselho de Segurança da ONU. Afinal, se os Estados Unidos já contam com um fiel aliado na região, a quem dão um forte apoio militar (Israel), a Rússia mantém o aliado Assad e reforça a presença militar no Médio Oriente. Israel, se não sentir a sua segurança em risco, não se vai importar com este novo desenho até porque é conhecida a política russa em relação a movimentos islâmicos mais radicais. Talvez o Irão seja o parceiro mais difícil de contentar nesta solução. Quanto ao Líbano, encravado entre Israel a sul e uma “nova Síria” a norte e a leste, há muito que é um barril de pólvora mas essa característica também tem produzido ensinamentos que ajudam a enfrentar realidades complicadas. 

Fazer este tipo de previsões é arriscado, mas olhando para a geografia, para os interesses das potências envolvidas e para os últimos desenvolvimentos da agenda diplomática, a criação de uma “nova Síria” é a solução para onde todos os dados apontam.


Pinhal Novo, 23 de Setembro de 2015

josé manuel rosendo

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Está instalado o cerco ao Labour de Jeremy Corbyn (ou será melhor dizer que abriu a caça a Jeremy Corbyn?)


Vem aí um novo Syriza. É o alerta dos arautos da morte das ideologias perante a eleição de Jeremy Corbyn para líder do Labour (Partido Trabalhista). Para estes arautos só há uma política e um pensamento, podem existir acertos de pormenor nos orçamentos mas, para lá disso, tudo o resto é impossível. E nem se coíbem de dizer que a União Europeia e a real politik (assim algo que ninguém entende muito bem mas que determina o nosso futuro – algo que a vontade dos homens não pode alterar) já mostraram que não há espaço para Syrizas e Labour’s liderados por gente como Corbyn. Nem se apercebem que estão a dizer que já não há espaço para a democracia, mas escrevem-no com todas as letras. Rendidos aos poderosos da Europa e do mundo financeiro que traçam as linhas com que nos cosemos, os intérpretes do mainstream hesitam relativamente ao futuro de Corbyn: coveiro do Labour ou líder efémero. A nada de melhor Corbyn pode aspirar.

Estas leituras fazem-se em Portugal, mas também lá por fora. As “bíblias” regularmente citadas afinam pelo mesmo diapasão: Corbyn pode tirar o Reino Unido da União Europeia; o homem não percebe o mundo em que vive e é inelegível como Primeiro-Ministro; foi eleito líder porque os trabalhistas votaram com o coração e não com a cabeça. Em resumo, Jeremy Corbyn tem um conjunto de opiniões que não agrada ao mainstream. Daí, o mainstream conclui que é um perigoso esquerdista, um republicano em terras de sua majestade Isabel II, falava com o Sinn Fein e com Hugo Chávez, quer o Reino Unido fora da NATO e, talvez, fora da União Europeia, quer nacionalizações, não quer austeridade, deu as boas-vindas aos refugiados e, pecado de recente homologação, gosta de conversar com Varoufakis, esse mesmo, o ex-ministro das finanças que a troika obrigou a Grécia a atirar para fora do Governo de modo a ter o tal terceiro resgate e o empréstimo intercalar. Ora, bem vistas as coisas, Jeremy Corbyn só pode ser um “bandido” da pior espécie.

Os líderes trabalhistas que sucederam a Tony Blair (e antecederam Corbyn) não deixaram marca política que se veja a não ser a das derrotas eleitorais, atribuídas a um discurso que nuns dias era de esquerda e noutros dias de direita. Aquela tentativa de agradar a deus e ao diabo que os partidos socialistas blairistas seguiram nos tempos mais recentes. 

Assim sendo, a referência das análises e das opiniões é o tempo de Blair embora ninguém pareça querer aprofundar a descaracterização do Labour realizada precisamente por Tony Blair e ninguém parece querer saber do que Blair fez enquanto Primeiro-Ministro britânico na guerra de 2003 no Iraque. Não, isso não interessa, é um tabu que o mainstream ignora olimpícamente. Mesmo num país em que, como alguns escribas reconhecem, a direita (acrescento eu, em função da liderança errática de Blair) se apoderou de bandeiras da esquerda, ter agora um líder que as pretende recolocar onde devem estar, isso não interessa.

Há até quem defenda que Corbyn só foi eleito porque, vejam lá, ou era ele ou era o vazio. Corbyn venceu com cerca de 60% dos votos. A eleição agradou às bases do Labour, mas foi evidente que não agradou à nomenclatura. Vamos ver no que dá a liderança de Jeremy Corbyn, mas o que chateia desde logo é o preconceito e a caixa quadrada em que alguns comentadores e analistas se movimentam, não aceitando nada de diferente do habitual embora gostem de encher a boca (e os textos) com as virtudes da diversidade e da diferença.

Perante o que foi escrito e dito nas horas que se seguiram à eleição de Corbyn, torna-se evidente que o cerco está montado, tal como esteve montado ao Syriza quando venceu as eleições gregas e varreu alguns dos políticos tradicionais, esses sim, com fortes responsabilidades na situação a que a Grécia chegou. Entenda-se por cerco a opinião e análise predominante nos media. Como é evidente, toda a gente tem direito (era o que faltava que não tivesse…) a ter opinião e a liberdade de a tornar pública. É o caso de muitos dos que ocupam posições que lhes dão acesso regular aos media e de outros que nos media têm poder de decisão. O problema é que a esmagadora maioria dos que têm esse acesso e dos que ocupam esses lugares com poder de decisão têm sempre tendência a defender determinada área política em detrimento de outra. 

Dizer que o pluralismo de opinião nos media é um dado adquirido e algo substantivo em Portugal, é um acto de grande esforço e um bocado zarolho.

Pinhal Novo, 15 de Setembro de 2015

josé manuel rosendo

PS - créditos da foto: The Guardian

Refugiados na Europa? É a globalização, estúpido!


As coisas estavam a correr de forma quase perfeita. Circulavam os capitais e os bens, mas as pessoas estavam quietinhas, ou pelo menos pouco se movimentavam… os lucros acumulavam-se e era importante manter o ritmo.

Em tempos de absoluto desprezo pelas pessoas e de endeusamento do dinheiro e dos pseudo gurus da Economia, os ditos-cujos sempre defenderam a absoluta normalidade da deslocalização (adoro a novilíngua…) de empresas, em regra para países de mão-de-obra barata que permitia aumentar os lucros (diziam que era em nome da competitividade, da viabilidade das empresas, essas coisas…); os mesmos ditos-cujos acham normal a livre circulação de capitais e que seja possível comprar acções na bolsa de Pequim ou Tóquio durante a manhã, fazer o mesmo à hora de almoço em Paris ou Londres, e terminar o dia em negociata na bolsa de Nova Iorque; os mesmos ditos cujos acham normal os off-shores que não passam de uma forma de fuga ao fisco que sonega dinheiro aos orçamentos dos Estados; os mesmos ditos cujos defenderam, em nome dos negócios (entenda-se dinheiro que fabrica dinheiro sem produzir qualquer riqueza), que a comercialização de bens deve ser o mais alargada possível e desregulada ao máximo, e que as fronteiras a essa circulação devem ser derrubadas; os mesmos ditos-cujos sempre disseram que que a globalização é algo imparável, incontornável, inevitável, disseram até que não adianta tentar controlar o que é incontrolável e que mais tarde ou mais cedo vai acontecer. 

Defenderam tudo isto enquanto a máquina registadora facturava, mesmo que todas estas opções e desregulação provocassem, simultaneamente, vagas de desemprego e empobrecimento nos países em que a mão-de-obra é mais dispendiosa. Diziam que era um sinal dos tempos e que nada havia a fazer. Ou talvez houvesse, como por exemplo desvalorizar o trabalho nos países em que era mais dispendioso. Olhavam com desprezo para quem os contrariava e largavam a estafada fórmula: é a Economia, estúpidos!

Para estes tempos de endeusamento do dinheiro e de desprezo pelas pessoas, um mundo em que as empresas pudessem mudar de país e em que as pessoas não pudessem fazer o mesmo, seria, era, o mundo ideal. 

Mas eis que as voltas da guerra, com que alguns muito lucram, trocam as voltas a este cenário perfeito. De repente, milhares de pessoas sem alternativa metem pés ao caminho e decidem procurar um local seguro onde não sintam a ameaça de um bombardeamento, de um tiroteio ou a perseguição de fanáticos loucos com sede de sangue. Procuram um porto seguro e querem, porque a isso têm tanto direito como aqueles que vivem na Europa, um trabalho, uma casa, uma vida normal. Apenas isso: uma vida normal. E eis que, aqueles que se referiam à globalização como algo de incontrolável e inevitável se apressam a tomar medidas: levantam muros, criam campos de acolhimento, convocam militares e polícia, encerram espaço aéreo (fronteira Hungria/Sérvia), alvitram a possibilidade da entrada de terroristas e da invasão muçulmana… traçam cenários negros… os mais conservadores recusam quotas de acolhimento. Todos estão atarantados com algo que não esperavam e não desejavam. Uma chatice: estava tudo a correr tão bem.

Se as empresas podem deslocalizar-se com o argumento de irem em busca de mercados de mão-de-obra mais barata, por que razão as pessoas que fogem da guerra não poderão deslocalizar-se em busca de locais seguros e de empregos que lhes assegurem uma vida normal? Sendo certo que a movimentação de pessoas não pode ser um processo desregulado e anárquico, esta sim é a verdadeira globalização: a das pessoas! Porque o mundo é de todos. A globalização é desejável, enquanto enriquecimento colectivo através do que cada um de nós pode dar e aprender com o outro.

Pinhal Novo, 15 de Setembro de 2015

josé manuel rosendo

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

A Europa errada está a sofrer o efeito boomerang


Sem saber o que fazer, a União Europeia está em crise profunda. É assim desde há muito tempo, mas conseguia disfarçar. E não é por falta de avisos e sinais que se deixa chegar a este ponto. Há muitos meses que os refugiados estão a chegar à Europa; há anos que os europeus andam a fazer asneira no local de origem da maioria dos refugiados que chegam às fronteiras europeias; há anos que a União Europeia não tem uma política externa comum; há anos que, sobretudo os países do Sul da Europa deixaram-se enredar em interesses de outros Estados europeus para os quais a vizinhança do Mediterrâneo é algo distante e fora da agenda. Por fim, uma coisa chamada Frontex (Agência europeia de gestão das fronteiras externas da União Europeia) mostrou toda a sua falência. Estamos a pagar a factura. O efeito boomerang nunca falha.

A resposta a esta crise mostra que esta tem sido a União Europeia errada e toda a gente tem encolhido os ombros, principalmente líderes políticos deslumbrados com as luzes da ribalta política, com a possibilidade de passear na Grand Place de Bruxelas e com um lugar à mesa nas grandes cimeiras, transformadas em passadeiras da vaidade, de onde não saem políticas nem ideias consistentes que façam deste continente esse lugar de paz, de verdadeira solidariedade, de desenvolvimento e de farol dos Direitos Humanos. Tem sido o vazio, onde a especulação financeira é o grande deus. Apenas isso.

Curiosamente, são pessoas, sim, pessoas, pessoas com problemas, que destapam o caldeirão dos desentendimentos e põem a nu a verdadeira natureza dos líderes europeus e a inconsistência das políticas europeias. É habitual vermos os líderes europeus enxofrados – muitas vezes apenas fazem de enxofrados para as respectivas opiniões públicas – com questões económicas e financeiras, mas desta vez estão em desacordo por causa de pessoas. O que os líderes europeus já deviam estar a fazer nesta altura era estar em campo com um discurso pedagógico para que nos vários países a opinião pública percebesse que todos temos o dever de auxiliar.

Torna-se óbvio que esta Europa não sabe lidar com problemas das pessoas. Estes líderes apenas estão habituados a relatórios e power points que tratam de problemas financeiros e económicos, sempre assessorados por grandes gabinetes da consultadoria e ouvindo sempre os impérios da banca. Os problemas reais das pessoas são algo de estranho para eles, mas desta vez têm pessoas a bater à porta e nenhum deles arrisca apontar o caminho de regresso ao mar a todos aqueles que já entraram na Europa.

É triste ouvir o líder do PS dizer que os refugiados podem vir limpar florestas “porque está habituada a trabalho agrícola”. António Costa está mal-informado: grande parte dos refugiados que estão a chegar à Europa vindos da Síria e do Iraque são classe média, muitos com formação universitária e não estão nada habituados a trabalhar na agricultura. É triste ouvir o Governo português mostrar abertura a acolher mais refugiados, mas como sempre, apenas depois de a Alemanha dizer o mesmo. Ainda é mais triste ouvir o Primeiro-Ministro húngaro dizer que os refugiados põem em risco a cristandade na Europa e ao mesmo tempo admitir que, depois de construir um muro na fronteira com a Sérvia, pode agora construir um muro na fronteira com a Croácia. Continua a ser triste e preocupante saber que a Hungria e a Bulgária perguntaram a Israel como se constroem os muros nas fronteiras (a agência Reuters deu a notícia), algo em que Israel tem muita prática. A Hungria esqueceu rapidamente o Muro de Berlim e a cortina de ferro.

É difícil saber qual é a resposta adequada a esta chegada de milhares de refugiados? É verdade! Mas para já a questão é humanitária. É preciso ajudar quem apenas procura sobreviver. Ter uma visão utilitarista, tentando antever o que a Europa pode ganhar com a chegada destes refugiados é algo de cínico, mesmo que sirva de argumento para ajudar a convencer a opinião pública europeia. Um refugiado deve ser ajudado porque está em fuga e fragilizado. Apenas isso. É o dever de auxílio a quem está nestas condições.

Neste momento há uma tentação de agradecer a sírios, afegãos, iraquianos, líbios, somalis, e tantos outros, por nos terem ajudado a perceber a União Europeia que temos. Pura e simplesmente não existe, a não ser para a grande negociata e bela vida em Bruxelas e arredores. Não é possível dizer quando nem como, mas esta União Europeia vai ruir qual castelo de cartas. Pelo menos aproxima-se a passos largos do abismo.

Pinhal Novo, 4 de Setembro de 2015

josé manuel rosendo

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Ai Lusa, ai, ai… expliquem lá isso como deve ser.




Não tenho por hábito meter a foice em seara alheia e quando é a minha seara que está em causa trato as coisas dentro de portas, mas desta vez a coisa deixou-me atarantado.
Oiço ao final da manhã a notícia do afastamento de Fernando Paula Brito, director de informação da Agência Lusa; oiço que a decisão foi tomada pela administração presidida por Teresa Marques; oiço que os directores adjuntos – Nuno Simas e Ricardo Jorge Pinto – demitiram-se, solidariamente, logo que souberam da decisão da administração.

Ponto prévio: não conheço e nunca trabalhei com nenhum dos envolvidos; Teresa Marques foi administradora da RTP, mas nem sei se alguma vez nos cruzámos na empresa.

Mas o ter ficado atarantado deve-se apenas aos argumentos de Teresa Marques: a Lusa precisa de um director de informação que tenha também “outros requisitos em termos de experiência de gestão e controlo orçamental que antes não eram tão vistos na função de director de informação, porque era uma função mais editorial.” EUREKA, Teresa Marques acaba de descobrir que um director de informação tem que ser um super-homem: jornalista e gestor. É estranho, muito estranho, que um director de informação seja afastado por estes motivos quando a própria administração elogia o trabalho desenvolvido.

Teresa Marques acrescenta um daqueles argumentos redondos que estamos habituados a ouvir em circunstâncias semelhantes: diz que esta mudança insere-se numa reorganização com o objectivo de “gerir a empresa de uma forma diferente que tem a ver com o momento”. Excelente! Temos uma presidente de uma administração de uma agência de notícias que não sabe comunicar. Talvez seja necessário uma administradora que saiba um pouco de jornalismo. 

Aliás, toda a terminologia utilizada por Teresa Marques e reproduzida pela própria Lusa é significativa: a parte editorial continua a ser o core business; a Lusa é uma marca; o futuro director terá de ser alguém reconhecido no mercado. Eu pensava – tão ingénuo – que uma agência de notícias produzia informação e notícias e devia preocupar-se com a qualidade e credibilidade dessa informação. A terminologia utilizada não deixa dúvidas: sei agora que é um negócio. E apenas um negócio quando o próprio gabinete de Poiares Maduro, quando Teresa Marques foi nomeada, disse que o projecto de futuro da Lusa assentava “no reforço da qualidade do seu jornalismo e da sua estratégia de internacionalização”. E desde logo, não há marca que se safe nem mercado que não fique nervoso quando uma mudança destas acontece a um mês das eleições.

O que me parece ter ficado bem evidente nesta situação da Lusa é que sai a pessoa errada e fica a pessoa errada. Talvez ainda se venha a saber mais alguma coisa sobre o assunto, mas isto não cheira nada bem. Se estou errado, que me desculpem.

Pinhal Novo, 2 de Setembro de 2015
josé manuel rosendo

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Memórias de Gevgelija – arame farpado, lágrimas e sorrisos


A fronteira – Gevgelija – entre a Grécia e República da Macedónia é, por paradoxal que possa parecer, um local de lágrimas e sofrimento, de sorrisos e alegria. Sente-se a dor de quem chega vindo da Grécia, após longas jornadas desde a Síria, Iraque ou Afeganistão, transportando no corpo as sequelas de longas caminhadas, noites mal dormidas e da incerteza do dia seguinte, ou do minuto seguinte, não sabendo se a fronteira vai ser a porta da esperança ou o muro inultrapassável; alegria porque os sorrisos e os “thank you” nos mais diversos sotaques são o sinal de que foi cumprida mais uma etapa. Os corpos chegam cansados e sujos, os pés arrastam-se. As pequenas mochilas e sacos são um peso tremendo numa viagem assim. Na alma vem outro tipo de dor: a família que se deixou para trás, a terra de onde fugiram porque a guerra não os deixou ficar, os amigos que morreram pelo caminho. Depois de uma viagem sabe-se lá em que condições, através de um Mediterrâneo que já é cemitério de muitas centenas e às mãos de gente sem escrúpulos que cobra fortunas por esta passagem para a Europa, há ainda essa enorme incerteza sobre o acolhimento: vão ser bem recebidos ou vão ser escorraçados? Vão demorar a saber.

Os refugiados que atravessam a fronteira Grécia/República da Macedónia são agrupados ainda na Grécia, depois, sempre em grupos de 100/150 pessoas, atravessam uma “terra de ninguém” até à fronteira da República da Macedónia. Aí chegados é o arame farpado e os militares que coordenam o avanço dos vários grupos que nunca param de chegar. Quando passam a fronteira são encaminhados para um campo de acolhimento onde é feito um registo e recebem um escasso apoio das ONG’s, Nações Unidas e Cruz Vermelha. Alguns entram directamente do campo de acolhimento para uma gare ferroviária improvisada. O comboio, sem paragens há-de percorrer cerca de 200 quilómetros até à fronteira com a Sérvia. Outros andam mais umas centenas de metros até aos autocarros estacionados à entrada da cidade e seguem o mesmo destino. Também há taxistas em busca de negócio. Depois das autoridades terem assumido o controlo da situação, os refugiados nem chegam a contactar com a população de Gevgelija. A Estação ferroviária deixou de ser o caos das últimas semanas.

O nosso lado humano regista, inevitavelmente – e eu não quero deixar de ser assim – o olhar das crianças; a expressão sofrida das mães que amamentam à sombra de um toldo que não consegue iludir o calor sufocante; a atitude brusca de pais, dominados pela ansiedade, que arrastam a criança que chora e faz birra no momento do grupo avançar; os bebés que tomam um banho, se calhar o único em muitos dias, com a água das garrafas fornecidas pela UNICEF; o grupo de homens desorientado com a viagem que não sabe a direcção de Meca para orientar a posição da oração; pessoas que, mesmo com fome, preferem comer pão com nada e não comem o paté fornecido pelas Nações Unidas porque não sabem se tem carne de porco e a legenda da embalagem é indecifrável; pessoas que não entendem a língua do país onde estão e são alvo da brutalidade verbal de polícias e militares; homens que carregam mulheres às costas para que não fiquem para trás; pessoas de muletas e braços engessados que travam uma enorme luta com o cansaço para não perderem mais uma etapa da longa viagem; casais com quatro e cinco crianças – duas ou três ao colo e às cavalitas, as outras pela mão; pessoas que desesperam porque de um momento para o outro ficam separadas da família quando ficam num grupo que avança e a família fica noutro que aguarda; mulheres grávidas que são assistidas pela Cruz Vermelha; pessoas doentes que mal conseguem mexer as pernas e que acabam, também elas, levadas pela Cruz Vermelha; grupos de pessoas solidárias que, simultâneamente, lutam por um lugar no grupo que se prepara para avançar; pessoas que não sabem responder à pergunta “para onde quer ir?”.

Nestas reportagens fica sempre aquele sabor estranho ao sentirmos que, terminado o trabalho no terreno, voltamos ao nosso conforto caseiro, enquanto estas pessoas continuam a enfrentar os mesmos dramas e problemas. Gostava de saber que destino seguiu Barzan, o sírio curdo de Kobani que ficou momentâneamente separado da família e dos amigos na zona de fronteira e que me pediu ajuda na tentativa de reencontro (que acabou por acontecer sem nenhum mérito meu); gostava de saber o que aconteceu a Mohammad, um sírio que vinha de uma zona onde já estive – Montanha de Jabal al Akrad, junto a Aleppo – e que ao saber disso falou comigo até eu querer; gostava de saber o que aconteceu a Salim e Yusman, dois paquistaneses que já estavam há muitos meses na Grécia e que confessaram estar a aproveitar a vaga de refugiados para chegar a outro país europeu; gostava de saber o que vai ser do iraquiano xiita que me disse que é impossível viver em Bagdad, que o antigo Primeiro-Ministro iraquiano al Maliki “não prestava” e que o actual, al Abadi, não é melhor. 

Gostava que estas pessoas nunca mais sentissem o medo que as levou a recusar falar para uma câmara de televisão por receio de represálias contra a família que deixaram para trás ou por poderem ser prejudicadas nos países onde querem chegar. O meu receio, agora, é que a Europa as decepcione.

Pinhal Novo, 31 de Agosto de 2015

josé manuel rosendo

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Já não há “Palavra de Honra”!

Acho muita graça à indignação em torno da dança dos treinadores de futebol. Uns indignam-se porque as notícias dão Jorge Jesus em Alvalade e acham que o treinador cometeu uma traição ao escolher o rival… outros indignam-se com a forma como Marco Silva foi despedido do Sporting. O clube alegou justa causa e é bem certo que há sempre uma justa causa encontrada por quem passa o cheque. Outros ainda indignam-se porque alegadamente o Sporting estará a ser financiado, entre outros, por Teodoro Obiang, Presidente da Guiné Equatorial. Meteram Obiang na CPLP e só agora se lembram do que é a Guiné-Equatorial e qual é a origem do dinheiro que de lá chega. 

E acho graça a estas indignações porque revelam que os indignados ou vivem na lua ou só se indignam quando toca ao futebol porque certamente não andam a par do resto. O que se está a passar com o futebol (e com o resto) tem um nome: dinheiro. E em nome do dinheiro os homens já fazem tudo, por muito que gostem da expressão “não vale tudo”. Desenganem-se os crédulos porque vale mesmo tudo. Ainda acham que não? Digam lá então como classificam a ideia de retirar Jorge Jesus da fotografia do Benfica campeão? Estaline não faria melhor. E não me admiraria nada que Marco Silva “desaparecesse” da fotografia do Sporting vencedor da Taça de Portugal. Reescrever a história sempre foi uma tentação de gente paranóica.

Os nossos dias estão cheios de pulhice. Todos os dias. Na maior parte dos casos são pulhices legais. Em muitos casos até, pulhices de quem não esperamos. E se querem melhor exemplo pensem um bocadinho nisto: há quanto tempo não ouvem um político, um dirigente desportivo ou um outro protagonista usar a expressão “Palavra de Honra”. Há certamente muito, muito tempo. Prometem, criticam, propõem, comprometem-se, mas Palavra de Honra… isso é que era bom. Nunca! Por que será? Eles usam camisas brancas imaculadas, gravatas de seda… mas recusam terminantemente o uso da expressão “Palavra de Honra”. Assim, quem é se pode admirar com o que está a acontecer no futebol em Portugal? Ou já se esqueceram da FIFA?

josé manuel rosendo

Pinhal Novo, 4 de Junho de 2015

A transparência que tapa o sol com uma peneira



Há tanto barulho à volta dos órgãos de informação em vésperas de campanha eleitoral que dá para desconfiar. De repente, tanta gente preocupada com a transparência. Palpita-me que vai ficar tudo mais ou menos na mesma. E mesmo que as Leis sofram uns retoques há-de haver alguém muito habilidoso que deixará uma escapatória para futuras conveniências. Dirão que é um processo de intenções. Talvez, mas um dos problemas do regime é que, de tanto legislar, conseguiu transformar as maiores trafulhices em situações legais. É frequente ouvirmos o argumento de que “é tudo legal”. E é, em muitos casos. Há vigarices legais. O próprio Estado faz vigarices que são legais. Basta pensarmos nos cortes nos vencimentos e pensões. E é tudo legal. Eu também gostava de fazer leis a meu jeito. Ou de poder impor ao patrão que me aumentasse o ordenado. Mas, alto aí, a vigarice não chega a tanto.

Quanto aos órgãos de informação, as alterações sonhadas pelos parteiros do costume começaram por imaginar um plano prévio para cobertura jornalística das campanhas eleitorais que teria de ser submetido à apreciação de uma comissão de sábios. Houve o alarido do costume e essa parece que já caiu.

Agora, os Aladinos voltaram a sonhar: querem saber quem financia e quem é credor dos órgãos de comunicação social. Acho bem. E saber ao pormenor quem são os donos também não seria mau. Mas acrescento um dado: vamos lá a saber quem paga viagens ao estrangeiro (e não só) aos órgãos de comunicação social para depois – claro – terem direito à notícia e respectiva fotografia ou tempo de antena. Toca a saber quem paga o quê e a quem e a começar pelas viagens oficiais. Todos sabemos que uma viagem ao estrangeiro há-de render, no mínimo, uma página de jornal, uma ou duas fotos e dois ou três minutos de pantalha. E se isto não é influenciar critérios editoriais então não sei o que é. 

Se juntarmos a isto a falta de dinheiro das redacções para fazerem seja o que for (desde que não seja futebol ou reportagens com a Paris Hilton…) os convites caem que nem sopa no mel. E podemos juntar às viagens oficiais outras que as empresas “facultam” e as instituições “incentivam”. Ora aí está algo a que a ERC podia e devia dedicar o seu tempo e sempre calaria os que dizem que não serve para nada. E não é preciso fazerem o “estudo” do costume. Ponham cá fora a lista de quem pagou a quem e quem convidou quem, e já agora vejam lá que notícias, entrevistas e reportagens resultaram dessas viagens pagas. Isso é que era…

Há mais de 40 anos meus caros leitores. Há mais de 40 anos que é assim. Já para não falar de outros tempos, com outros proprietários e com as mordaças conhecidas, mas, pelo menos, essas eram declaradas e assumidas.

josé manuel rosendo
Pinhal Novo, 4 de Junho de 2015

terça-feira, 2 de junho de 2015

O futebol tresanda! Está sujo e bem sujo…


Nota principal no dia em que Joseph Blatter se demitiu do cargo de Presidente da FIFA: foi reeleito na sexta-feira passada com 133 votos contra 73 do seu adversário Ali Bin al Hussein. Podem dar as piruetas que quiserem mas o certo é que a maioria dos votos nas eleições de sexta-feira foram para o homem que era o vértice da pirâmide que foi/é casa de corrupção. É longa a lista dos que são apontados a dedo em negócios obscuros de atribuição de campeonatos e transferências de dinheiro. E essa questão, a dos que votaram em Blatter depois de saberem que o escândalo já tinha saído à rua e que o rei ia nu, não é uma questão menor e é a que deve preocupar os que gostam de ver a bola rolar no relvado e entrar nas balizas. É sempre bom lembrar a fábula do que vai roubar as uvas e dos que ficam à porta da quinta a assistir… Blatter é tão culpado quanto os que insistiram em mante-lo na presidência da FIFA. Este caso mostra como a democracia pode ser uma falácia: no caso do futebol os votos são contados (comprados?) em função dos interesses de cada um, mesmo que isso prejudique o futebol.

A demissão de Blatter surge no dia em que a Federbet, organismo que vigia as apostas 'online', revelou que, dos cerca de 40 milhões de euros apostados por jornada nas duas principais ligas portuguesas de futebol, cinco milhões devem ser "apostas sujas", ou seja, com conhecimento de resultados viciados. Mais: as apostas na I Liga portuguesa representam, em média, por jornada, 30 milhões de euros, e na II Liga rondam os 10 milhões de euros, estimando o organismo que a manipulação de resultados represente três e dois milhões de euros, respectivamente, acrescentando que a II Liga portuguesa é dos casos mais preocupantes na Europa e é um “campeonato doente”. A Federbet acrescenta que muitas das apostas relativas a jogos suspeitos em Portugal são oriundas de Nápoles e Reggio Calabra, uma cidade onde há uma sólida presença da organização mafiosa “Ndrangheta”.

Com este futebol quem é que vai aos estádios? A pergunta se calhar não é bem esta. Com este futebol quem é que não vai aos estádios? Eu! E logo eu que um dia até senti alguma frustração por nunca ter tido um relvado a sério onde pudesse mostrar os dotes do meu pé esquerdo… Entre escândalos, apenas tenho pena de gostar de futebol porque é assim uma daquelas situações em que gostamos de alguém que insiste em enganar-nos: não dá!

josé manuel rosendo

Pinhal Novo, 2 de Junho de 2015

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Ao dinheiro o que é do dinheiro

No início desta semana o DN publicou um artigo brilhante assinado pelo editor do Financial Times, Wolfgang Münchau. Confesso que não sei quem o senhor é nem me dei ao trabalho de googlar. Mas sei que é editor do Financial Times, essa quase bíblia sempre referida com reverência por parte da nomenclatura nacional. E eu, sabendo isto, e porque parto sempre do princípio um pouco naïf de que quem chega a editor – ou director, ou seja lá o que for… – num órgão de informação, deve saber o que anda a fazer e a dizer, dou-lhe suficiente importância para lhe dedicar meia-dúzia de linhas.

O artigo em causa é a propósito da Grécia e, claro, Tsipras, esse bandido, que recusa ser bom aluno dos extremistas neoliberais. Desde logo, Münchau diz ao que vem e separa “constrangimentos económicos” de “constrangimentos políticos”. Isto é, ao dinheiro o que é do dinheiro. Essa coisa menor que é a política não importa a Wolfgang Münchau. Continua a fazer caminho a ideia de que a política deve submeter-se aos ditames da economia. Convém que assim seja. 

O editor do Financial Times explica que os “os constrangimentos políticos” são lá com Tsipras, mas ele, Münchau, quer discorrer sobre os “constrangimentos económicos”. E é então que o mago revela o interior da cartola: o acordo entre a Grécia e os credores dependerá do valor de superavit primário que ficar estabelecido. Isto é, os credores querem saber quanto fica nos cofres depois do Estado grego somar todas as despesas com vencimentos, pensões e afins; os credores querem saber quanto sobra, não para pagar a dívida, mas para pagar o serviço da dívida; os credores querem saber como é que a Grécia lhes vai encher o prato com essa especiaria chamada juros.

Uma coisa sempre me inquietou nesta coisa dos resgates e afins. Se agora, em relação aos países endividados, os credores exigem “ajustamento orçamental” (entenda-se austeridade: políticas de cortes em vencimentos, pensões e serviços) por que não fizeram a análise da possibilidade de pagamento antes de fazerem os empréstimos? Porquê agora, quando a Grécia (e os outros…) está com a corda no pescoço? Porque FMI, CE e BCE está cheia de gente competente, apenas encontro uma resposta: foi má-fé! Não é nova a receita de emprestar para depois, perante a incapacidade de pagamento, os credores ocuparem os territórios endividados. Noutros tempos foi mesmo ocupação militar e política; agora é ocupação financeira. Se houver “bons alunos” entre os nativos endividados, ainda melhor.

Regressando a Münchau, ele próprio critica os credores por terem oferecido à Grécia um “pacto com o diabo” aquando de anteriores empréstimos feitos na perspectiva de um superavit futuro de valores intangíveis. Mais uma vez: má-fé! A Grécia ficou de tal modo sem saída para a dívida que vai ter que ser um país à vontade dos credores, desenhado como se não houvesse povo nem território mas apenas uma enorme conta de deve e haver cujas parcelas têm que corresponder aos anseios dos credores. E nós sabemos bem do que significam “ajustamentos orçamentais”.

Pensando de dentro do sistema e, obviamente, de acordo com o sistema que tem por máxima “quem paga as contas é quem manda”, Wolfgang Münchau apresenta a solução ideal: deduz-se do seu texto que um superavit primário entre 1,5% e 2,5% do Produto Interno Bruto da Grécia seria algo razoável e que dentro dessa margem o país seria viável. Isto é: Wolfgang considera que a corda no pescoço da Grécia deve ser bem apertada, mas de modo a que a desgraçada, pendurada na forca, consiga tocar com a ponta dos pés no estrado do cadafalso. O equilíbrio é precário mas os Euros dos juros vão continuar a chegar aos bolsos dos usurários.

Manter o Sistema. Sempre. Talvez seja por isso que Wolfgang Münchau é Editor do Financial Times.

Pinhal Novo, 29 de Maio de 2015

josé Manuel rosendo

sábado, 18 de abril de 2015

Al Douri – morreu o nº2 de Saddam Husseín, por quem os Estados Unidos ofereciam 10 milhões de dólares.

12 anos depois do início da invasão do Iraque, o homem que era vice-presidente e “braço direito” de Saddam Husseín é dado como morto. Não é a primeira vez que é noticiada a morte de Ezzat Ibrahim al Douri, mas desta vez parece que é verdade. A televisão al Arabyia mostrou imagens de um cadáver que parecer ser al Douri e o Governador da província de Saladino (cuja capital é Tikrit, terra natal de Saddam…) confirmou que al Douri morreu na sequência de uma operação militar conjunta de forças militares iraquianas e milícias xiitas. Este governador disse que foram recolhidas amostras de DNA e prometeu resultados em breve.

Al Douri tinha a cabeça a prémio desde a queda do regime: os Estados Unidos ofereciam 10 milhões de dólares e classificaram-no como Rei de Paus (o 6º mais procurado numa lista de 55 nomes) no célebre baralho de cartas que os norte-americanos distribuíram para que todos pudessem identificar os que eram procurados.

A Reuters cita fontes das milícias xiitas que dizem ter recebido informação da presença de um VIP no local onde al Douri foi morto. Pensavam que era o líder do estado islâmico (Abu Bakr al Baghdadi), afinal era al Douri.Várias fontes acreditam numa aliança entre o Estado islâmico e os insurgentes sunitas que nunca deixaram de combater a presença estrangeira no Iraque e, por acréscimo, combatem também o governo de maioria xiita. A capacidade militar demonstrada pelo Estado Islâmico na ofensiva de 2014 só foi possível através de uma forte componente de estratégia militar ao alcance apenas de profissionais treinados na estratégia de guerra.

A morte de al Douri, a confirmar-se, é um forte revés para o Estado Islâmico, embora outros militares sunitas, escorraçados da vida militar na sequência da invasão em 2003, possam continuar a fornecer o know how necessário à estratégia do Estado Islâmico.

18 de Abril de 2015

josé manuel rosendo

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Afirmar valores… afirmar a Liberdade


Conheci jornalistas que morreram por causa deste nosso amado ofício. Doeu-me! Neste 7 de Janeiro morreram 8 jornalistas e mais 4 pessoas. Doeu-me! Eu sei que uma vida é uma vida e a de jornalista não vale mais do que qualquer outra, mas permitam-me esta dor particular.

Claro que todos somos Charlie (Hebdo). Nas redes sociais é fácil ser tudo e mais alguma coisa. É condenável o que aconteceu em Paris? Absolutamente: foi um acto criminoso e sem desculpa! E a solidariedade não deve ser desvalorizada. É importante que num momento destes, aqueles que prezam a Liberdade, não se encolham com medo e que manifestem essa vontade de não ter medo. Mas todos sabemos como estas “ondas” passam rapidamente e vão ser substituídas por outra “onda” que não tardará em aparecer. Defender a Liberdade é, também, quando se afigura mais fácil ir na procissão da opinião óbvia, parar por um momento e tentar aprofundar a questão. Gosto de dizer que “a Liberdade pratica-se”! E o Charlie Hebdo praticava-a.

Na hora a que escrevo este texto o ataque ainda não foi reivindicado. Não há certezas, mas o ataque desta manhã em Paris traz de novo para debate a relação do Islão com o chamado mundo ocidental e também a questão da integração dos imigrantes na Europa.

É bom que se diga que o ataque já foi condenado por muitos líderes e instituições islâmicas, desde logo por responsáveis iranianos, pela Universidade de Al Azar (Egipto) e desde cedo pelo próprio líder da comunidade islâmica de Paris. Tariq Ramadan também condenou o ataque dizendo que “não foi o Profeta que foi vingado, foi a nossa religião, os nossos valores e os nossos princípios islâmicos que foram traídos e conspurcados”. Esse é o primeiro aspecto a ter em conta. Todos unânimes na separação que deve ser feita entre um acto criminoso praticado por alguém que soltou um “Allahu Akbar” e os valores do Islão.
A memória dos tempos que se seguiram ao 11 de Setembro de 2001, faz recear que os muçulmanos que vivem nos países ocidentais voltem a enfrentar algo semelhante. É chegado o tempo de percebermos que não é essa a solução. O mundo ocidental não pode cair na tentação de erguer muros que, tarde ou cedo, acabarão por cair, derrubados à força ou por se revelarem inúteis. Qualquer muro é uma ilusão.

Por outro lado, esta relação do Islão com países ocidentais não pode ser simplificada numa perspectiva de preto-e-branco colocando os “bons” de um lado e os “maus” do outro. Falta-nos debate sobre esta matéria (como em tantas outras) para que as reacções a casos como este não provoquem uma imediata rejeição do “outro”.

Temos exemplos na história da Europa de tentações de purificação da raça que todos sabemos como terminaram; existem forças políticas que apenas espreitam uma oportunidade para ressuscitar essas teorias; temos pessoas que apenas esperam uma oportunidade para, em nome da segurança, reduzirem os nossos direitos e a nossa Liberdade. Se nos deixarmos arrastar, sem debate, sem aprofundar a raiz dos problemas, cedendo ao medo, o futuro pode ser perigoso.

Este tipo de acontecimentos, o ataque ao Charlie Hebdo, assemelha-se à lava de um vulcão quando irrompe e arrasa tudo à volta. Da mesma forma que precisamos de saber mais sobre os vulcões para podermos prever e acautelar uma erupção, temos que saber mais sobre esta problemática que, não sendo um problema provocado pelo Islão, pode levar a uma rejeição do Islão e, então sim, dar origem a um problema mais grave e de maior dimensão.

O ataque ao Charlie Hebdo, sendo um ataque a um jornal, foi um ataque ao bem (para além da vida) mais valioso deste nosso mundo: a Liberdade de expressão. Não podemos prescindir desse nosso oxigénio que tantos séculos demorou a conquistar.

Mas é preciso também reflectir sobre a utilização que temos feito dessa nossa Liberdade. É necessário uma reflexão sobre as preferências dos portugueses em termos de jornais, de revistas e de programas de televisão, e talvez esteja encontrada uma explicação para a dificuldade em entender o que se está a passar e para algumas reacções que é possível ler nas redes sociais e nos comentários às notícias.

Neste aspecto, também os jornalistas que agora, e bem, condenam o que aconteceu, devem fazer uma reflexão sobre as opções editoriais: vamos fazer alinhamentos com temas que realmente são importantes ou vamos continuar preocupados com “aquilo que o povo quer” e consome? Vamos descodificar os acontecimentos ou vamos noticiá-los numa breve de jornal,  em 30 segundos de rádio ou com um “off” na televisão, com a tal preocupação de que as pessoas não estão disponíveis para “coisas” muito complicadas e não têm tempo para ver ou ouvir falar de guerras, de conflitos, de problemas religiosos e de geopolítica? As pessoas apenas querem saber o preço da gasolina e estão-se “nas tintas” para perder tempo a perceber os motivos da oscilação do preço do petróleo, é isso?
Pois, talvez seja isso, mas depois não me venham falar de Liberdade. 

Da mesma forma que muitos de nós não sabem merecer os que morreram nas cadeias do fascismo na luta contra a ditadura e na defesa da Liberdade, há jornalistas que não fazem um pequeno esforço por merecer os que hoje morreram em Paris em nome da Liberdade. Lamento, mas é o que sinto.

josé manuel rosendo

7 de Janeiro de 2015