A mesa redonda das
negociações em Astana, capital do Cazaquistão, era enorme e talvez por isso a
conversa tenha sido o que habitualmente chamamos de conversa de surdos. Todos à
mesa não significa que repartam o pão ou que conversem entre eles. De facto, de
vez em quando, quando alguns falavam, outros olhavam na direcção oposta. Claro
que ouviam, mas faziam com que parecesse o contrário. “Rebeldes” (as aspas
significam que nem todos lá estiveram) e Governo sírio continuam sem uma ponte
que os tire do abismo comum. Estiveram dois dias nisto. Destes dois dias saiu
uma espécie de acordo (que, em rigor, não se sabe qual é) para consolidar o
cessar-fogo. É o que dizem as notícias que chegam de Astana. Acrescentam que
não há qualquer avanço político. À partida o regime sírio fez saber que
pretendia um acordo político global para acabar com o conflito e prometia uma
amnistia aos rebeldes que depusessem as armas; os rebeldes queriam um
cessar-fogo total para depois tratarem de negociações políticas. Objectivos diferentes
para uma cimeira que... até ver, não deu em nada.
A falta de
diálogo directo na mesa das negociações é fácil de traduzir: o regime sírio não
fala com a Turquia com o argumento de que Erdogan apoia os rebeldes; os
rebeldes admitem que a Rússia pode vigiar o cessar-fogo mas o Irão não o pode
fazer com o argumento de que as milícias xiitas combatem ao lado do regime de Bashar
al Assad; os rebeldes querem um cessar-fogo total mas o negociador de Damasco
diz que continuarão os ataques a Wadi Barada (local de onde parte o
abastecimento de água à capital síria) enquanto os “terroristas” (entenda-se
rebeldes que não da Al Qaeda nem do Estado Islâmico) privarem de água os sete
milhões de habitantes de Damasco. Os arredores de Damasco não têm exclusividade
no prosseguimento dos combates (Idlib é outro local onde as armas nunca se
calaram...) e começa a ser óbvio que o cessar-fogo está ligado à máquina e
apenas à espera que alguém dê um valente puxão ao cabo da electricidade.
Em Astana, com os
Estados Unidos à margem e as Nações Unidas à boleia, foram a Rússia, Turquia e
Irão, quem tomou a iniciativa. Os três países assinaram uma declaração final
que o Governo sírio e os “rebeldes” recusaram assinar. Naturalmente que estes
três países encontraram forma de dizer que algo de positivo resulta dos dois
dias de reunião, mas fica muito claro que é mais fácil obter vitórias militares
no terreno do que abrir caminho para a paz e para uma solução política. Rússia,
Turquia e Irão também reconhecem que não há solução militar para esta guerra
com um número de mortos (300 mil???) que ainda havemos de saber qual e que já
atirou pelo menos 20% da população síria para a condição de refugiados.
Por fim, os
Estados Unidos, representados pelo Embaixador no Cazaquistão, limitaram-se a
saudar as acções que visam reduzir a violência e o sofrimento na Síria, e
fizeram um apelo para discussões políticas entre sírios; Stefan de Mistura,
enviado especial da ONU para a Síria, disse que espera para ver como é que o
cessar-fogo vai ser vigiado e reforçado. Aliás, fica a ideia de que Stefan de
Mistura foi contrariado a Astana. Depois de ter anunciado que iria enviar
representantes (o adjunto e o director dos assuntos políticos – foi o que disse
a France Press) Stefan de Mistura recebeu um “pedido” de António Guterres a dizer-lhe
que as negociações eram demasiado importantes para que Mistura estivesse
ausente. É Guterres a ver mais longe e a tentar reganhar a iniciativa para
tentar acabar com uma guerra que nos envergonha a todos. A 8 de Fevereiro, sob
a égide das Nações Unidas, estão previstas negociações em Genebra. Amanhã,
depois e depois, vão continuar a chegar notícias de combates, ataques,
bombardeamentos e... mortos.
Pinhal Novo, 24
de Janeiro de 2017
josé manuel rosendo
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