O Papa com refugiados, em Lesbos, Grécia, Abril de 2016
A Fé não é do
domínio do racional. Qualquer discussão sobre isso é tempo perdido. A religião
implica a aceitação do dogma e uma discussão sobre isso termina sem qualquer
conclusão na esfera do racional. A Igreja, nomeadamente a católica, já é outra
coisa, e pode e deve ser discutida enquanto instituição de âmbito universal que
influencia a vida de milhões de pessoas. Mas não é este o momento para esse
debate. Hoje, o importante é sublinhar que há um Papa para além
da Igreja, mesmo reconhecendo que essa dimensão apenas é possível porque existe
Igreja.
A visita do Papa
a Fátima pode ter “mil leituras”, mas o Papa Francisco transporta,
principalmente, uma mensagem de Paz. Não é difícil ao cidadão comum aceitar a
Paz como um bem maior. Para quem conhece a guerra, a mensagem constante e
insistente do Papa Francisco tem um sentido ainda mais profundo. Francisco traz
também uma mensagem de combate às desigualdades, contra a indiferença perante
os que fogem da guerra e precisam de protecção, pela reconciliação entre
diferentes religiões. Francisco foi o homem que levantou a voz a Donald Trump: “Uma
pessoa que só pensa em construir muros, seja onde for, em vez de fazer pontes,
não é cristão”.
Na Primavera de
2016 acompanhei a visita do Papa à Ilha de Lesbos (Grécia). Francisco estava acompanhado do Arcebispo de Atenas e do Patriarca de Constantinopla. Foi
notória a vontade de Francisco contactar, falar e tocar os refugiados, que por
essa altura desesperavam na Grécia. Os dois líderes ortodoxos que o
acompanhavam mantiveram alguma distância no início mas perceberam que tinham de
mudar de atitude. Timidamente lá esboçaram uns sorrisos e dirigiram algumas
palavras a quem os aguardava. Francisco abria caminho, parava, falava, apertava
as mãos dos que se lhe dirigiam, fazia perguntas. Num momento baixou-se para
apanhar e devolver uma garrafa de água que uma mulher deixou escapar na altura
em que falava com o Papa. Francisco deixou em Lesbos palavras de encorajamento
para os que visitou e de fortes críticas para os responsáveis políticos pela
situação dos refugiados.
Foi esse mesmo
Francisco que vi esta sexta-feira a descer de um avião na Base Aérea de Monte
Real. Embora emparedado num protocolo rígido do programa que lhe prepararam,
quebrou esse protocolo, saiu do papamóvel para falar com as pessoas, crianças e
velhos, doentes, e ignorou o tapete de flores no acesso à capela da Base Aérea
para contactar com os que o aguardavam
Num mundo em
crise e em guerra, e mesmo que seja uma ilusão, as pessoas precisam de líderes
que as façam sentir pessoas e não números de um qualquer défice ou de uma
austeridade assassina, nem instrumentos de interesses económicos ou
geoestratégicos, vítimas de guerras e de políticas que, mesmo não usando armas
reais usam algumas ainda piores. Francisco deixou um apelo à concórdia entre os
povos.
Tal como os
portugueses, depois de 10 anos de Cavaco Silva, precisavam de um Presidente
como Marcelo Rebelo de Sousa, o mundo precisa de um Papa como Francisco. Não
por causa da Igreja Católica, mas porque a palavra de Francisco chega ao mundo
inteiro, tem peso, é ouvida, e talvez assuste e/ou faça pensar os líderes que
não nos respeitam. Não é possível, depois de Francisco, dizer que não há
política nesta mensagem supostamente apenas religiosa. Há, e ainda bem.
Pinhal Novo, 12
de Maio de 2017
José Manuel
Rosendo
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