A frase caracteriza o país. Quem nunca a ouviu? Muitas
vezes, é certo, dita sem qualquer intenção, apenas substitui um “olá, como
estás?” ou um “como é que isso vai?”. Mas este “então, safas-te?”, pode ser
muito mais do que esse cumprimento inócuo, e muitas vezes é.
Alguém estar a safar-se pode significar seguir em frente
apesar dos obstáculos ou continuar a perseguir objectivos apesar das dificuldades.
O pior é quando o “então, safas-te?” encerra uma outra questão: o
desenrascanço, por cima de tudo e de todos. Acontece muitas vezes, vezes
demais. É aliás muito popular a frase “parvo era ele (ou ela) se não enchesse
os bolsos ou se não aproveitasse” ou ainda “todos fazem o mesmo, porque é que
este iria ser diferente?”. São frases ouvidas à mesa do café ou nos transportes
públicos. Sabemos que é assim. Ao mesmo tempo que criticamos os vigaristas
apanhados na vigarice, aceitamos que aqueles a quem o poder passe pelas mãos,
ou os que têm algum poder menor de decisão, tirem proveito próprio dessa
situação.
A juntar a este problema há outro: somos um país de faz-de-conta.
A Protecção Civil faz-de-conta que está tudo bem; as Forças Armadas fazem-de-conta
que está tudo bem; o Serviço Nacional de Saúde, dizem que é um dos melhores do
mundo e faz-de-conta que está tudo bem; o Sistema de Educação com turmas de
quase (ou mais) de 30 alunos e numa terrível carência de pessoal auxiliar, faz-de-conta
que tudo está bem. Cortam-se orçamentos ou cativam-se verbas, mas está tudo
bem.
E para que tudo esteja assim, bem, os que normalmente estão
no poder, acham sempre que se “pode fazer mais com menos”. Adoram a frase. Até
acham que vai ser essa a marca que vão deixar no sistema: o homem ou a mulher
que conseguiu “fazer mais com menos”.
O problema é apenas um: somos um país do faz-de-conta e “vamo-nos
safando”. Ou então, outro dito que nos assenta muito bem: “enquanto o pau vai e
vem, folgam as cotas”. Entretanto, abrimos a boca de espanto com os incêndios,
com o roubo de material de guerra do Exército e com presos que fogem das
cadeias e depois escarnecem do sistema nas redes sociais. Está tudo bem, são
coisas que acontecem.
Pagamos impostos através da Internet e com cartão de
crédito, mas perdemos dias nas filas para matricular os filhos no ensino básico
ou vamos para os centros de saúde durante a madrugada de modo a conseguir uma
consulta.
Preferimos comprar na “loja dos chineses”, sem perceber que
mais tarde ou mais cedo pagamos com língua de palmo o desemprego que essa opção
provoca.
Estamos no país onde houve problemas com os submarinos, os
blindados Pandur deram problemas e houve até problemas com as simples algemas
compradas para a PSP. Há sempre problemas. Há sempre gato escondido com rabo de
fora. No fim tudo acaba em nada. Está tudo bem.
Somos fantásticos em estatística e quando as olhamos até
parece que vivemos no país das maravilhas: sempre a melhorar, sempre a
investir, sempre a crescer.
Conheci um caso que ilustra bem o país do faz-de-conta. Foi
numa IPSS, e o caso tem a ver com a alimentação dos utentes (acho que preferem
chamar-lhes clientes) de um lar de idosos. A alimentação é diversificada, as calorias
são rigorosamente verificadas e as dietas seguidas sem qualquer cedência. A
bem, claro, da saúde e do bem-estar dos utentes (clientes...). Olhamos os mapas
e estamos no melhor dos mundos. Mas esse mundo muda quando essa IPSS dá uma
maçã inteira a um utente (cliente...) que já não tem dentes ou quando deixa um
tabuleiro com um suculento bife à frente de quem já não tem possibilidade de
comer sem ajuda.
É assim que somos: faz-de-conta que está tudo bem, mas há
muita coisa que está mal. E em muitos, mesmo muitos casos, a culpa não é do
Governo, do actual, dos anteriores ou dos que estão por chegar. “Safamo-nos”,
mas muitos de nós deviam ter vergonha. E há tanta gente a “safar-se”. Muitos apenas
esperam que ninguém “faça ondas”. Querem que o tempo vá passando, vão
amealhando, e desde que ninguém dê por eles apenas querem que assim continue.
Que se lixe o utente sem dentes do lar de idosos da tal IPSS a quem deram uma
maçã inteira para comer. Para a estatística – que uma qualquer fiscalização há-de
ver – o utente (cliente...) comeu a maçã. E se não comeu, paciência.
Faz-de-conta que está tudo bem.
Pinhal Novo, 10 de Julho de 2017
José Manuel Rosendo
Se fosse só numa IPSS... A história da maçã repete-se. Ao lado do cliente, no caso doente, que não a pode comer. Ou da sopa para a qual já não tem mãos. E é facilmente verificável nos Hospitais geridos como empresa. Que tem de dar lucro ou a menor da despesas. Como? Cortando em Recursos Humanos. Não cito o Hospital, por cortesia e respeito por muitos bons profissionais que lá trabalham. Mas a prática repetir-se-á por muitos outros. Basta passar na hora das refeições e ver o cenário.
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