terça-feira, 19 de setembro de 2017

O referendo do povo das montanhas

Foto de kurdistan24.net 

Curdos sob intensa pressão

Curdos contra tudo e contra todos. A hora decisiva está a chegar. Na última sexta-feira, o Parlamento do Curdistão aprovou, por votação de braço no ar, a realização de um referendo (consultivo) sobre a independência do Curdistão a 25 de Setembro. A oposição não participou na votação. Está previsto o referendo em três províncias autónomas que formam o Curdistão iraquiano (Dohuk, Erbil e Sulaimaniya) e em (zonas disputadas por curdos e pelo Governo de Bagdad) Makhmour, Khanaqin, Sinjar e Kirkouk (zonas que chegaram a ser ocupadas pelo Estado Islâmico onde os Peshmerga combateram e que agora controlam).

Como (quase) sempre acontece no Médio Oriente, o xadrez político nunca é de leitura simples. Desta vez, apesar da independência ser há muito o sonho dos curdos, este referendo é convocado num momento em que o mandato do Presidente Massoud Barzani já terminou em 2015 e o Parlamento foi “recuperado” após dois anos sem sessões. O Curdistão tem, desde 1991, um estatuto de autonomia que, na prática, é uma independência de facto (não tendo obviamente o estatuto de par entre pares na Ordem Internacional). Barzani avança para o referendo – apesar de alguma oposição interna – com o argumento de que não tem um parceiro em Bagdad, acusando o governo federal de não cumprir os compromissos assumidos e de não respeitar a Constituição iraquiana e o que ela dispõe em termos de autonomia.

Os curdos também sabem que depois da resistência que fizeram ao Estado Islâmico – quando o governo central de Bagdad falhou – a comunidade internacional terá poucos argumentos para não aceitar que os curdos decidam a sua própria vida.

Após a I Guerra Mundial, o Tratado de Sèvres previa a criação de um Estado curdo, mas os Aliados acabaram por rever essa possibilidade. Os curdos guerrearam-se entre eles mas também foram alvo de uma campanha assassina por parte de Saddam Husseín. O período em que maiores ganhos registaram foi precisamente após a queda de Saddam Husseín (2003). Talvez vejam na desintegração do Estado Islâmico uma oportunidade de afirmação. Mas os curdos estão habituados a que os amigos de ocasião lhes voltem as costas. Não vão longe os “aplausos” internacionais à coragem e determinação dos curdos contra o Estado Islâmico (o que continuam a fazer na Síria) mas não é por acaso que um velho provérbio curdo diz que “os únicos amigos dos curdos são as montanhas”. 

Não se sabe quantos eleitores estão recenseados para este referendo. A região autónoma oficial terá cerca de 5,5 milhões de habitantes, mas serão quase 8 milhões se as outras áreas “não oficiais”, mas reclamadas pelos curdos, também participarem. O Presidente Massoud Barzani tem reafirmado sucessivamente que o referendo vai mesmo realizar-se. 
A ver vamos se há referendo.


As posições dos vários actores internacionais

Iraque – Governo central
O Parlamento federal (depois dos deputados curdos abandonarem o debate) já votou contra a realização do referendo e destituiu o governador de Kirkouk (que insistiu em manter-se no cargo).
O Supremo Tribunal ordenou a suspensão do referendo até que possa aferir da constitucionalidade da consulta popular. A verificação da constitucionalidade foi requerida pelo Primeiro-ministro Haider al Abadi. Alguns deputados xiitas e turcomanos também pediram a verificação da constitucionalidade.
O importante comandante militar xiita Hadi al Ameri, do Supremo Conselho Islâmico do Iraque, apoiado por Teerão, já alertou para a possibilidade de guerra civil.
O vice-Presidente e antigo Primeiro-ministro iraquiano, Nouri al Maliki, afirmou que recusa que o Curdistão venha a ser “um segundo Israel” e alertou para consequências perigosas se o referendo se realizar. Al Maliki argumenta que não permitirá o nascimento de um Estado de base étnica assente num modelo semelhante ao da criação do Estado de Israel.

ONU
O Secretário Geral António Guterres pede paciência e contenção. Guterres alerta para a possibilidade de o referendo prejudicar o objectivo de vencer o Estado Islâmico e da reconstrução dos territórios reconquistados. As Nações Unidas propõem suspender o referendo e oferecem em troca, no prazo de três anos, um acordo entre curdos e governo federal sobre o estatuto da região autónoma. O documento com uma proposta da ONU já chegou ao Presidente curdo e assenta em negociações estruturadas, apoiadas e intensivas que levem a um acordo entre Erbil e Bagdad. A ONU oferece-se como mediadora e, depois, está disponível para ajudar a implementar as decisões.

Estados Unidos da América
Contra o referendo. Washington avisa que o referendo será uma provocação e vai desestabilizar a região, sendo um entrave na luta contra o Estado Islâmico. Os Estados Unidos propõem um diálogo entre as autoridades curdas e as de Bagdad, propondo-se também como mediadores. A Casa Branca já fez chegar ao presidente curdo um projecto com alternativas ao referendo. Massoud Barzani ainda não respondeu.

Turquia
É o vizinho mais preocupado com o referendo e é frontalmente contra, apesar da boa relação comercial com o Governo Regional do Curdistão. A uma semana da consulta popular, Ankara anunciou exercícios militares junto à fronteira com o Iraque e já disse várias vezes que o referendo “terá um preço”. O Presidente Recep Tayyip Erdogan anunciou uma reunião do Conselho de Segurança turco para 22 de Setembro. Ankara e Bagdad estão de acordo quanto à necessidade de manter o Iraque com o actual modelo federal.

Irão
O país tem uma importante minoria curda e tem vindo a apelar para que o Referendo não se realize. O apoio militar do Irão aos Peshmerga foi importante na luta dos curdos contra o Estado Islâmico. O secretário do Conselho Supremo da Segurança Nacional do Irão avisou agora que fechará todos os postos fronteiriços com a região curda do Iraque e todos os acordos serão anulados. Há informação de que um comandante de uma unidade de elite dos Guardas da Revolução iranianos está em Souleimaniya e por lá vai ficar até à data prevista para o referendo.

Israel
O Primeiro-ministro Benjamin Netanyahu apoia a realização do referendo no Curdistão.

Reino Unido
A posição oficial é contra o referendo. O governo britânico defende a integridade do Iraque. O Ministro da Defesa fez uma última tentativa junto de Massou Barzani mas segundo a Rudaw TV o Presidente curdo disse que um eventual adiamento do referendo só com garantias de independência.

França
O Governo francês considera que o referendo é uma “iniciativa inoportuna”. O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Jean-Yves Le Drian, assumiu que a França está a preparar o pós Estado Islâmico e não quer que disputas entre iraquianos prejudiquem esse momento. A França defende a integridade territorial do Iraque e a sua dimensão federal.
A contrariar esta atitude do governo francês, o ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros, Bernard Kouchner, apoia a realização do referendo. Kouchner lembrou que todos tiram partido dos curdos mas não querem que eles sejam independentes. “É de um cinismo inacreditável”, afirmou Bernard Kouchner, acrescentando que é aos curdos que compete decidir se querem ou não a independência.

União Europeia
Bruxelas considera que a realização do referendo não é oportuna.

Pinhal Novo 19 de Setembro de 2017
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josé manuel rosendo

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