11 de Setembro à noite. No momento em que liguei a televisão estava na TVI 24. Não
costuma estar porque apenas por lá passo por dever profissional. Mas desta vez
estava e ficou. O tema interessava-me. Médio Oriente, Estado islâmico… Os
protagonistas – Jaime Nogueira Pinto, Francisco Seixas da Costa e Nuno Barrento
Lemos – prometiam, porque são conhecedores, estudiosos e informados. E depois,
porque não tinha apanhado o início da conversa que me agarrou, voltei atrás. Confirmei
o que me pareceu ter ouvido e que me fez abrir a boca de espanto.
Em determinado
momento, a propósito de ser ou não possível estabelecer democracias tipo
ocidental naquela região do mundo, e tendo em conta as consequências da queda
de Mohammar Kadhafi (na Líbia) e Saddam Husseín (no Iraque), Francisco Seixas
da Costa admitiu que, face às características dos países em causa, “custa dizer
isto mas se calhar é verdade, por vezes é preferível estabilizar ditadores e
mantê-los contidos” do que chegarmos a situações como as que vivemos actualmente
na região em causa com guerras civis na Síria e no Iraque, e na Líbia.
Admirei-me,
vindo de quem vem, habituado que estou a vê-lo fazer a defesa dos direitos
humanos, da liberdade e da democracia. Pensava eu que era uma defesa de âmbito
universal que não discriminasse regiões nem as pessoas que nelas vivem. É certo
que a experiência enquanto diplomata permite “almofadar” todas as afirmações e assim
também sublinhou que o ocidente (entenda-se Estados Unidos) foi de uma
incompetência absoluta na tentativa de reconstrução do Iraque.
De facto, não é possível, não pode ser possível, concordar com
a “estabilização” e “contenção” de ditadores em nome de algo que permita ao
ocidente viver em paz. Não é possível concordar com esta tese, nem em termos
político-ideológicos nem em termos morais. Desde logo, e porque a data de 11 de
Setembro nos traz à memória não apenas os atentados que atingiram os Estados
Unidos mas também o golpe de Estado no Chile, que derrubou o Presidente eleito Salvador
Allende e mergulhou o Chile numa ditadura militar.
O Chile foi “estável” e
Pinochet esteve “contido” entre 1973 e 1990. A lógica que levou os Estados Unidos
e a CIA a prepararem o golpe militar no Chile contra Salvador Allende é mais ou
menos do mesmo tipo que pode levar alguém a pensar que é preferível ter
ditadores “estabilizados e contidos” no Médio Oriente. No caso dos Estados
Unidos (a célebre Doutrina Monroe) era o de não ter à porta o elemento desestabilizador
consubstanciado num Presidente socialista no Chile (já chegava Cuba…); no caso
da teoria explanada esta noite na TVI – preferir os ditadores ao caos em que se
transformou a região - é o de não ter uma (várias…) guerra (s) cujas
consequências atingem a Europa, seja através dos atentados, seja através da
vaga de refugiados. Apesar desta semelhança de lógicas deixo muito claro
que acredito que Francisco Seixas da Costa não teve e não tem nenhuma simpatia pelo golpe
que afastou Salvador Allende.
Outros factos que é preciso ter em conta sobre a situação no
Médio Oriente é o de que Saddam caiu derrubado pelos Estados Unidos,
Grã-Bretanha e ajudantes, numa clara tentativa de mudança de
regime feita a partir do exterior; Kadhafi caiu devido à revolta dos líbios (embora
com ajuda externa…) durante a chamada Primavera Árabe. No primeiro caso, acção absolutamente
condenável, até porque assentou numa mentira fabricada para justificar a
invasão; no segundo caso, acção perfeitamente aceitável porque qualquer povo
tem o direito inalienável de ser livre e a tentar essa liberdade, desenvolvendo
uma revolta para afastar um ditador, independentemente do resultado que venha a
conseguir.
Basta atendermos ao exemplo de Portugal: o 25 de Abril de
1974 foi uma revolta militar que derrubou uma ditadura. Quando os militares
saíram à rua ninguém podia garantir que a democracia seria instalada. E se o
regime tivesse tido capacidade de resposta? E se tivesse havido uma guerra
civil? Será que nós podemos tentar e os outros não? Aos outros reservamos os “ditadores
estabilizados” e “contidos” para podermos viver a nossa vida sem o desassossego
que as guerras no Médio Oriente nos provocam? O chamado Ocidente não pode ser
assim tão egoísta. Acredito piamente que Francisco Seixas da Costa não tem
qualquer tipo de simpatia por ditadores, mas acredito igualmente que é perigoso
semear este tipo de ideias.
Pinhal Novo, 11 de Setembro de 2016
josé manuel rosendo