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sábado, 28 de dezembro de 2019

A segunda vaga da Primavera Árabe

Manifestação no Iraque. Créditos: Prensa Latina


Não é difícil imaginar o aborrecimento para quem anunciou a morte da Primavera Árabe. Para uns era apenas gente que anda sempre aos tiros e à pancada e nunca irá entender-se; para outros, era coisa de gente que vive ainda na Idade Média e por isso nada de bom será de esperar...; para outros ainda, tudo não passou de algo orquestrado do exterior e não teve nada de espontâneo. Lamento, mas não é possível concordar com qualquer destas teses simplistas. Seja como for, este é o momento de recorrer à citação do escritor que utilizou o pseudónimo de Mark Twain: a notícia da minha morte (é) foi manifestamente exagerada. Pois foi! A segunda vaga da Primavera Árabe está aí. Tal como a primeira não se sabe no que vai dar, mas está aí.


Desde logo, dizer que é uma segunda vaga, significa que a origem dos protestos e a fórmula encontrada, são as mesmas: ditaduras ou regimes autocráticos, corrupção, necessidade de mudança, social e política, e de liberdade.O que se passa, neste momento, do Sudão ao Líbano, passando pela Argélia e Iraque, deixa poucos argumentos a quem declarou a morte da Primavera Árabe e pensava que estava tudo a regressar à normalidade, entenda-se o regresso, ou manutenção, do poder político, em mãos que deixam o Ocidente tranquilo quanto ao que daí pode contar.Poderia ser assim, mas não é. A “rua árabe” volta a fazer tremer o poder em vários países. Desta vez já não lhe chamam “revolução facebook”. É uma segunda vaga com as características da primeira? Claro que não, nem poderia ser. Tal como a reacção dos poderes instalados não é aquela que foi protagonizada por Moubarak, Kadhafi ou Bashar Al Assad. 
Foquemo-nos em apenas três países, para umas breves notas de contexto.

 Líbano – a 17 de Outubro, o governo anunciou uma taxa sobre as chamadas através da WhatsApp. Foi a gota de água. Há sempre uma “gota de água” que muitas vezes nem sequer é muito importante. Desde esse dia as manifestações não pararam. Manifestantes acusaram a classe política de corrupção generalizada e levaram à demissão do Primeiro-Ministro Saad Hariri. A “rua” exige uma mudança total da classe política que lidera o país desde o fim da guerra civil (1990). Numa primeira fase o Hezbollah esteve solidário com os protestos, mas depois distanciou-se. Barricadas nas ruas, pneus a arder, escolas e bancos encerrados durante muitos dias, economia a afundar-se. Foi indigitado um novo Primeiro-Ministro (Hassan Diab), um sunita – como tem de ser – mas não tem o apoio do bloco sunita e tem o apoio do Hezbollah e do Amal (partidos xiitas), e também do Movimento Patriótico Livre (partido cristão). No Líbano ouviu-se a palavra de ordem que marcou o início da Primavera Árabe em 2011: “O povo quer a queda do regime!”. 
Argélia – já lá vão dez meses de protestos. Em Fevereiro de 2019, a população saiu à rua depois de Abdelaziz Bouteflika manifestar a intenção de se candidatar a um quinto mandato presidencial. Os militares controlam o poder e foram eles que acabaram por resolver a questão exigindo a partida de Bouteflika. Assim foi, mas a “rua” e o Movimento “Hirak” (sem qualquer estrutura dirigente conhecida) exige o desmantelamento do sistema e a criação de instituições de transição que reformem o sistema político. Um tribunal militar condenou várias pessoas por conspiração (entre elas está um irmão de Bouteflika) e outras por corrupção (entre elas dois antigos primeiros-ministros). A exigência da “rua” mantém-se e aumenta a repressão contra os manifestantes. Instituições europeias e Organizações de Direitos Humanos condenam a reacção das autoridades argelinas.As eleições presidenciais de 12 de Dezembro tiveram cinco candidatos, mas o Movimento Hirak acusou os candidatos de serem meros fantoches do poder instalado e apelou à abstenção. Abdelmadjid Tebboune, um antigo Primeiro-Ministro de Bouteflika, venceu com 58% dos votos, mas a abstenção ultrapassou os 60%. Os manifestantes continuam a sair à rua, principalmente à sexta-feira (mais de 40 consecutivas) e querem uma mudança radical do sistema que dirige a Argélia desde a Independência, em 1962. Falta saber como o Exército argelino vai lidar com tudo isto, sendo que é uma instituição com o crédito de ser a herdeira do Exército de Libertação Nacional que travou a guerra da independência (1954-1962) e deu provas recentes de unidade e resistência a movimentos radicais islâmicos. 
Iraque – Como explicar que num país que “nada” em petróleo, a miséria seja a realidade da maioria da população? Desde 1 de Outubro que, com excepção da zona curda, as manifestações têm saído à rua. Exigem a saída dos actuais dirigentes políticos, um poder que acusam de corrupto e incompetente. A repressão tem sido dura: cerca de 500 mortos e vinte mil feridos. Também no Iraque “o povo exige a queda do regime!” e, tal como no Líbano e na Argélia, não há qualquer liderança organizada dos protestos. O poder xiita não está a conseguir lidar com a situação e foi até numa cidade xiita (Nassíria) que a repressão deixou maior marca. O Irão, aliado do actual poder em Bagdad, está também na mira dos manifestantes. O Iraque tem sido um país à deriva desde 2003: desarticulação das instituições do país (exército, polícia, etc..), depois a ascensão da Al Qaeda e, posteriormente, a presença do Estado Islâmico. Entretanto, as grandes petrolíferas instaladas no país utilizam mão de obra estrangeira deixando apenas tarefas menores para os iraquianos. O preço das sucessivas guerras, o desemprego da maioria dos jovens (60% da população tem menos de 25 anos) e a guerra de bastidores entre Estados Unidos e Irão, conduziram o Iraque a uma situação da qual não se sabe como é possível sair. 
Líbano, Argélia e Iraque, são países em que os ventos da Primavera Árabe de 2011 pouco se fizeram sentir mas onde agora o grito de revolta é semelhante. Houve manifestações, é certo, mas algumas promessas e alterações legislativas foram suficientes para acalmar a “rua”. No Iraque, as preocupações eram outras e as prioridades também. Desta vez o poder político está a braços com protestos que não desarmam. Fartas de miséria e habituadas à violência, as pessoas parecem querer dizer que já nada têm a perder.Líbano (1975-1990) e Argélia (1991-2002) são dois países com memória muito recente de guerras civis que custaram muitos milhares de vidas. São muitos anos de violência que levam a população a reflectir antes de qualquer acto que desestabilize estes países. Apesar disso, os protestos estão na rua, a determinação parece ser grande, e não se sabe como tudo isto vai terminar.


Pinhal Novo, 28 de Dezembro de 2019
josé manuel rosendo

quinta-feira, 22 de março de 2018

"Não se resolvem os problemas do Mundo sem uma solução justa para a Palestina"

Entrevista ao Grande Imã da Mesquita de Al Azhar, Ahmed Al Tayyeb, por ocasião dos 50 anos da Comunidade Islâmica em Portugal.

Pergunta - O poeta português, Fernando Pessoa,escreveu que os portugueses têm uma grande tradição árabe de tolerância e que isso torna os portugueses diferentes. Pensa que Portugal é o guardião do espírito árabe na Europa?


Resposta - Em nome de Deus o Misericordioso, em primeiro lugar quero agradecer ao Estado português, ao senhor Presidente da República e ao povo português, a boa e calorosa recepção que tive em Portugal. 

Quanto à sua pergunta, desde o momento que cheguei a Portugal senti que o povo português é muito aberto, um povo que é um exemplo único de tolerância e de respeito pelos outros. Quando me refiro aos outros são aos que não são portugueses. Dentro da cultura portuguesa há aspectos muito positivos e um deles é a tolerância.
Em muitos países que já visitei e já celebrei cerimónias, e estive em conferências sobre a tolerância não vi nada como em Portugal. Portugal é um caso único. É uma experiência que é um exemplo e espero que se estenda aos outros países europeus, no sentido da tolerância, da convivência e da coerência. Este povo nunca tem medo de dizer que as outras culturas também estão relacionadas com a cultura portuguesa.

P - Na conferência que deu na Universidade Católica, o senhor falou muito de ética, foi crítico em relação ao Ocidente - disse que permanece o individualismo - e que o coração bate ao ritmo das bolsas de valores. A Religião é algo que o Homem não pode dispensar?

R - Acredito que o homem não pode ser homem se não for guiado pela religião, no sentido da ética da religião. A religião é o único caminho certo. Quais são as outras alternativas? São o avanço técnico, económico e científico. Estas questões sofrem alterações diárias, não são aspectos imutáveis. Cada avanço é diferente do outro. Por exemplo: o interesse de um país pode colidir com o interesse de outro país. Estas equações mudam constantemente e se deixarmos a Religião de fora, estas contradições e estes aspectos que estão em oposição levam a humanidade para um caminho de conflito e de tensão. Por isso a Religião é uma necessidade para a convivência, para as pessoas saberem o que devem e não devem fazer. Por vezes, estes avanços técnicos e económicos assentam na morte, em cascatas de sangue. Estamos a ver o comércio de armas a espalhar o caos em todo o mundo. Já vimos países destruídos, refugiados, já vimos muito sangue por causa do negócio das armas. Os media transmitem esta realidade todos os dias e não vale a pena dar exemplos. 

P - Já o ouvi a dizer que as actuais guerras no Médio Oriente não são guerras religiosas. O que é que sentiu quando ouviu Abu Bakr al Bagdhadi a declarar o Califado na Mesquita de Mossul?

R - Quando assisti a isso senti que estava perante um homem mentiroso, que mente sobre o Islão, que mente aos muçulmanos. Está rodeado por uma força que trabalha para causar mais cascatas de sangue, mais massacres na região. Através destes massacres eles colhem benefícios. Querem dar a entender ao Mundo que o Islão é uma religião de morte, de caos, de bárbaros, uma religião de sangue. Esta visão provocou a islamofobia no Mundo Ocidental. Esta islamofobia foi criada precisamente para beneficiar alguns interesses internacionais. Isto nunca aconteceu no Islão, nunca aconteceu no Cristianismo e nunca aconteceu no judaísmo. Algumas pessoas religiosas sequestraram a religião, apoderaram-se da religião e utilizaram-na para conseguir objectivos de guerra e pessoais.

A razão das cruzadas foi expulsar os infiéis (neste sentido eram os muçulmanos) da Terra Santa e do lugar onde Jesus foi sepultado. O Clero ocidental apoiava as cruzadas. Penso que qualquer religião não permite matar, nem permite derramar uma simples gota de sangue, a não ser em legítima defesa.
No Islão e nas outras religiões o Homem está no lugar mais alto. E tem o direito de ter paz. Muitas guerras foram feitas com os homens religiosos, como o clero, mas a Religião não tem nada a ver com isso. 

No Islão também não se pode derramar sangue de um animal. No Islão, o Mundo... o Cosmos, é visto como um ser vivo. Por isso temos que proteger este Mundo e foi esse o conselho do profeta aos seus líderes. Quando se trata de uma guerra para defender, não se pode matar mulheres, crianças, velhos, pessoas doentes ou que trabalhem nos campos. Não se pode matar pessoas religiosas cristãs nos mosteiros. Até um animal apenas pode ser morto pela necessidade de alimentos e não matar apenas por matar. Além disso, esta ideia estende-se às plantas: apenas se deve cortar uma árvore se for de facto necessário. Todas as criaturas são protegidas e os muçulmanos, nas guerras, têm de proteger estas pessoas, não se trata apenas de não matar e não agredir, é preciso também defender. O Islão proíbe a agressão. 

P - Os países em guerra no Médio Oriente passaram pela chamada Primavera Árabe. Já disse que nas guerras existem outro tipo de interesses, de potências estrangeiras, ocidentais. Considera que as revoltas iniciais foram genuínas e depois infiltradas por interesses ocidentais ou foram desde o início os poderes ocidentais que estiveram na origem destas revoltas nos países árabes?

R - Desde o início que houve uma intervenção externa. O que aconteceu tinha a intenção de acabar com a estabilidade social. Foi um momento muito complicado, algo caótico, houve muitas manifestações ridículas. 
Eu já estava em Al Azhar e assisti a esse tempo difícil. Se fosse apenas uma revolução interna, que surgisse do interior do país nunca deixaria o país destruído. Nunca deixaria o país no caos. Quando olhamos a cronologia dos eventos daquilo a que chamaram a Primavera Árabe, foi uma maneira de levar os países para o caos.

Temos o exemplo da Líbia que foi destruída em horas. Não foi destruída em dias, foi destruída em horas e ainda hoje está destruída. Não podemos chamar a isto uma revolução.
Temos o exemplo da Síria: está submersa em sangue e até agora a situação está muito complica e por isso não podemos chamar a isto uma revolução.
O Iraque... Outro exemplo muito importante. Sabemos como foi destruído. Destruíram centros culturais, acabaram com o exército iraquiano, que foi dissolvido. Sabemos que o Iraque tem diferentes crenças dentro do país e vive sob tensão. Imaginemos como um país com esta dimensão pode viver sem exército.
Não lhe chamo Primavera Árabe. Esse conceito foi inventado para sensibilizar os jovens, para mexer com os seus sentimentos.

Nós não somos como a França e a revolução francesa. Conhecemos as lutas e as mortes que aconteceram. Não temos essa ideia, nunca vamos ficar separados, a lutar entre nós, a matar-nos. 

P - O Egipto também viveu a chamada Primavera Árabe, mas escapou à guerra. (O antigo presidente) Moubarak foi afastado, Mohammed Morsi (eleito após a revolta) foi afastado, e os militares estão de regresso ao poder com (Abdel Fatah) Al Sissi. O Egipto está no bom caminho?

R - Não falo como um homem político, falo como um cidadão árabe que conhece o sentir das pessoas. O Egipto escapou à ideia de destruição que vem de fora. Se os outros países conseguirem perceber como os egípcios perceberam, vão acordar, e também vão escapar como os egípcios conseguiram escapar.

P - Posso concluir que o Egipto está no bom caminho?

R - Sim, estamos no caminho certo. Estamos a fazer este caminho com passos muito firmes, sublinho passos muito firmes. Estamos a atingir a nossa meta.

P - Tenho duas frases sobre as quais gostaria de ouvir a sua opinião. A primeira é "O Islão é a solução"; a segunda: "No Islão tudo é política". Revê-se em alguma destas frases?

R - Perguntou no início se a Religião é a solução. A ética da Religião, não apenas do Islão, mas também cristianismo e judaísmo, tem aspectos semelhantes, coisas em comum, e são essas coisas em comum que são a solução. Não é apenas o Islão. São todas as religiões em comum, tudo o que é a ética da Religião.
Quero dizer também que a prova disso é quando os muçulmanos conquistaram países, e ao serem recebidos p'los nativos desses países nunca lhes disseram que o Islão era a solução. Ao contrário, sempre disseram a esses nativos que, se eram cristãos podiam continuar cristãos e podiam rezar, poderiam praticar a religião publicamente e os muçulmanos eram a garantia de que os povos se conseguiam sentir livres. Quando os muçulmanos chegaram a esses países protegeram os mosteiros e as igrejas, nunca destruíram. O papel dos muçulmanos era dar essa garantia. Por isso não podemos dizer que o Islão é a solução. Ainda hoje existem muitos países em que os muçulmanos, quando lá chegaram, casaram com cristãos. 

P - E podemos dizer que "no Islão tudo é política"?

R - No Islão não é tudo política. O Islão orienta a política, mas não é tudo política. Orienta a política no sentido de facilitar a vida das pessoas, facilitar a vida dos povos. Tudo o que é trabalhar para o bem da humanidade é política do Islão, mas temos outro tipo de política como por exemplo a de países que querem ficar ricos à custa de outros países ou à custa do conflito. O Islão não vive desta política. O Islão quando surgiu foi para orientar as pessoas, por isso não podemos dizer que no Islão tudo é política.

P - Sobre Jerusalém... Os Estados Unidos declararam Jerusalém como capital de Israel. Gostaria de saber se (por causa disso) recusou, de facto, receber o Vice-presidente norte-americano, Mike Pence, e gostaria de saber o que é que o Grande Imã de Al Azhar tem a dizer aos muçulmanos relativamente a esta questão. O que é que eles devem fazer, que atitude devem tomar?

R - Sim, nós recusamos, enquanto muçulmanos, este tipo de comportamento perante os nosso lugares sagrados. Lugares sagrados muçulmanos, cristãos e também judeus. 
Sim, recusei encontrar-me no momento com o vice-presidente norte-americano. Antes disso eles aceitaram o convite, mas passado algum tempo anunciaram a mudança da embaixada dos Estados Unidos para Jerusalém e portanto recusei encontrar-me com ele. É esse o meu dever perante a minha pátria e perante os lugares sagrados. Ninguém me pode culpar por esta atitude, ou será que querem pedir-me para me deixar humilhar e fazer que não vejo? Nem eu nem Al Azhar fazemos isso.

Faço-lhe uma pergunta: Imagine que chegamos hoje a Portugal e que dizemos que esta foi a nossa terra, estivemos cá durante séculos e séculos, temos a prova de que estivemos aqui e agora vamos aqui fazer um Estado muçulmano, vamos fazer o que quisermos... O que é que vai sentir? O que é que vai sentir quando dissermos que temos aqui origens e vamos fazer aqui um Estado? Claro que vai dizer que somos malucos.
Outro aspecto: a cidade de Jerusalém sempre foi habitada pelos árabes. 5 mil anos antes do Islão, chegou uma tribo árabe do Iémen e habitou a zona. Foi antes de Abraão. Sempre passaram muitos colonizadores e conquistadores por esta região que foi mudando sucessivamente de mãos. O período do governo de Israel, estamos a falar do tempo de David, foi um curto período de tempo, não se compara com o período de outras potências que também ocuparam a região. Se vamos falar assim, há outros países que também podem reclamar direitos sobre Jerusalém porque passaram muito mais anos na região do que os próprios israelitas.

Nos últimos tempos, não sei se reparou que os dois exércitos mais fortes desta zona foram destruídos, nomeadamente o exército iraquiano e o exército sírio. 
O exército egípcio, graças a Deus, salvou-se. Por que é que os outros dois exércitos foram destruídos? Porque estes dois exércitos estavam próximo deste corpo ("estrutura" foi a palavra utilizada em árabe, pelo Grande Imã, para se referir a Israel) que tem de ser protegido e assim estes dois exércitos tinham de desaparecer. Foi para a estrutura (o Estado de Israel) sobreviver. Por isso foram elminados estes dois exércitos. Vi ultimamente com muita tristeza as potências ocidentais apelarem à Rússia para parar de matar pessoas nesta região e que devia acabar com os bombardeamentos. Esta é a prova nais clara do que estes países estão a fazer na nossa zona... Os cordelinhos que andam a mexer. Ficou muito claro

 P - A minha pergunta concreta era: o que é que os muçulmanos devem fazer em relação a Jerusalém?

R - Pode acreditar ou não, mas os problemas do Mundo, não apenas do Médio Oriente, não são resolvidos sem haver uma solução justa para Palestina.

Quero lembrar à União Europeia e aos homens com poder, nomeadamente nos Estados Unidos e na Rússia, que têm de fazer o trabalho deles... Têm de exercer pressão, têm de resolver este problema. O que é que os países árabes e os povos muçulmanos podem fazer? Não podemos fazer nada. 

O Mundo tem de assumir a sua responsabilidade.

Pinhal Novo, 22 de Março de 2018
josé manuel rosendo

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

É preferível estabilizar ditadores? Essa agora…


11 de Setembro à noite. No momento em que liguei a televisão estava na TVI 24. Não costuma estar porque apenas por lá passo por dever profissional. Mas desta vez estava e ficou. O tema interessava-me. Médio Oriente, Estado islâmico… Os protagonistas – Jaime Nogueira Pinto, Francisco Seixas da Costa e Nuno Barrento Lemos – prometiam, porque são conhecedores, estudiosos e informados. E depois, porque não tinha apanhado o início da conversa que me agarrou, voltei atrás. Confirmei o que me pareceu ter ouvido e que me fez abrir a boca de espanto. 

Em determinado momento, a propósito de ser ou não possível estabelecer democracias tipo ocidental naquela região do mundo, e tendo em conta as consequências da queda de Mohammar Kadhafi (na Líbia) e Saddam Husseín (no Iraque), Francisco Seixas da Costa admitiu que, face às características dos países em causa, “custa dizer isto mas se calhar é verdade, por vezes é preferível estabilizar ditadores e mantê-los contidos” do que chegarmos a situações como as que vivemos actualmente na região em causa com guerras civis na Síria e no Iraque, e na Líbia. 

Admirei-me, vindo de quem vem, habituado que estou a vê-lo fazer a defesa dos direitos humanos, da liberdade e da democracia. Pensava eu que era uma defesa de âmbito universal que não discriminasse regiões nem as pessoas que nelas vivem. É certo que a experiência enquanto diplomata permite “almofadar” todas as afirmações e assim também sublinhou que o ocidente (entenda-se Estados Unidos) foi de uma incompetência absoluta na tentativa de reconstrução do Iraque.

De facto, não é possível, não pode ser possível, concordar com a “estabilização” e “contenção” de ditadores em nome de algo que permita ao ocidente viver em paz. Não é possível concordar com esta tese, nem em termos político-ideológicos nem em termos morais. Desde logo, e porque a data de 11 de Setembro nos traz à memória não apenas os atentados que atingiram os Estados Unidos mas também o golpe de Estado no Chile, que derrubou o Presidente eleito Salvador Allende e mergulhou o Chile numa ditadura militar. 

O Chile foi “estável” e Pinochet esteve “contido” entre 1973 e 1990. A lógica que levou os Estados Unidos e a CIA a prepararem o golpe militar no Chile contra Salvador Allende é mais ou menos do mesmo tipo que pode levar alguém a pensar que é preferível ter ditadores “estabilizados e contidos” no Médio Oriente. No caso dos Estados Unidos (a célebre Doutrina Monroe) era o de não ter à porta o elemento desestabilizador consubstanciado num Presidente socialista no Chile (já chegava Cuba…); no caso da teoria explanada esta noite na TVI – preferir os ditadores ao caos em que se transformou a região - é o de não ter uma (várias…) guerra (s) cujas consequências atingem a Europa, seja através dos atentados, seja através da vaga de refugiados. Apesar desta semelhança de lógicas deixo muito claro que acredito que Francisco Seixas da Costa não teve e não tem nenhuma simpatia pelo golpe que afastou Salvador Allende.

Outros factos que é preciso ter em conta sobre a situação no Médio Oriente é o de que Saddam caiu derrubado pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha e ajudantes, numa clara tentativa de mudança de regime feita a partir do exterior; Kadhafi caiu devido à revolta dos líbios (embora com ajuda externa…) durante a chamada Primavera Árabe. No primeiro caso, acção absolutamente condenável, até porque assentou numa mentira fabricada para justificar a invasão; no segundo caso, acção perfeitamente aceitável porque qualquer povo tem o direito inalienável de ser livre e a tentar essa liberdade, desenvolvendo uma revolta para afastar um ditador, independentemente do resultado que venha a conseguir.

Basta atendermos ao exemplo de Portugal: o 25 de Abril de 1974 foi uma revolta militar que derrubou uma ditadura. Quando os militares saíram à rua ninguém podia garantir que a democracia seria instalada. E se o regime tivesse tido capacidade de resposta? E se tivesse havido uma guerra civil? Será que nós podemos tentar e os outros não? Aos outros reservamos os “ditadores estabilizados” e “contidos” para podermos viver a nossa vida sem o desassossego que as guerras no Médio Oriente nos provocam? O chamado Ocidente não pode ser assim tão egoísta. Acredito piamente que Francisco Seixas da Costa não tem qualquer tipo de simpatia por ditadores, mas acredito igualmente que é perigoso semear este tipo de ideias.

Pinhal Novo, 11 de Setembro de 2016

josé manuel rosendo

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Síria: uma guerra com muitas guerras dentro e a reformulação de fronteiras no Médio Oriente


A imagem que ilustra este texto é da “Radio Free Syria” (afecta à chamada oposição moderada) e serve apenas para dar uma ideia da situação e da quantidade dos actores envolvidos, mas não é totalmente elucidativa. Falta incluir nesta ilustração a participação da Turquia, Estados Unidos, vários países europeus, Arábia Saudita e outros países do Golfo. E nem vale a pena tentar imaginar a quantidade de “inteligence” no terreno. Seja como for a imagem reflecte o que sente essa oposição e o Free Syrian Army: abandonados por aqueles de quem esperavam apoio.

A guerra na Síria integra o potencial de várias guerras que podem chegar logo a seguir a um eventual colapso do Estado Islâmico na sua formatação actual e após ficar resolvida a questão de Bashar al Assad. Desde logo tem consequências muito directas no Iraque (Mossul e Kirkuk podem exacerbar os ânimos entre curdos e árabes sunitas) e, embora menos, também no Líbano, não se sabendo por agora qual a intensidade dessas consequências na estabilidade e segurança no país dos cedros. Na Turquia havemos de ver.

O que parece certo é que está em curso o tão falado redesenhar de fronteiras no Médio Oriente. O Iraque dificilmente voltará a ser o que era aquando da era Sadam Husseín; a Síria dificilmente voltará a ser o que era aquando da “dinastia” Assad; os curdos querem certamente retirar alguma vantagem do conflito, eventualmente alargando território no Iraque – conquistaram Kirkuk ao Estado Islâmico e não vão ceder a cidade ao governo de Bagdad; se os curdos da Síria também conseguirem juntar alguma autonomia à dos irmãos iraquianos é certo que os curdos da Turquia (são cerca de 15 milhões) vão ganhar um novo alento; os sunitas, mesmo que não queiram viver sob a selvajaria do Estado Islâmico vão querer o seu próprio território, quiçá uma parte da Síria a outra do Iraque; não está excluída a hipótese da constituição de um Estado alauíta para acomodar Bashar al Assad (mantendo assim o importante porto de Tartus ao serviço da Rússia). 

Como é evidente são soluções que têm muitos escolhos pelo caminho e não agradam a todos os intervenientes nesta guerra. Desde logo ao Irão que teria um importante aliado (Assad) a perder território. A Rússia poderá não estar pelos ajustes porque afinal acaba de assumir um protagonismo importante no Médio Oriente a juntar aos acordos celebrados recentemente com o Egipto. Quanto à Turquia não quer nem ouvir falar em mais autonomia curda. Os Estados Unidos e os europeus pedem agora um cessar-fogo mas durante todo este tempo nunca acertaram uma estratégia de apoio à oposição moderada na Síria.

Dos países do golfo, a Arábia Saudita declarou-se disponível para enviar tropas para o terreno (certamente para combater o regime de Assad, mas não se sabe ao lado de quem) e a Rússia, que já acusou a Turquia de estar a preparar uma invasão terrestre, disse entretanto que uma ofensiva terrestre estrangeira na Síria poderá desencadear uma nova guerra mundial. Até o “nosso” Durão Barroso, embora de forma mais suave e não falando especificamente da situação na Síria, admite que não é impossível uma guerra generalizada.

Em qualquer conflito de grande intensidade há sempre a sensação de que a desgraça não vai ter fim, mas vai chegar o momento em que as várias forças que combatem na Síria vão querer solidificar os ganhos conquistados – ou evitar perdas maiores desde que possam sobreviver – e vão aceitar acordos. A região poderá não ficar em paz e poderão subsistir conflitos mais localizados, mas a selvajaria actual acabará por ter fim. Será o momento de fixar as novas fronteiras e, eventualmente de assistir ao regresso (pelo menos de uma parte substancial) dos milhões que andam em fuga. Depois, as potências mais endinheiradas ditarão a reconstrução possível das regiões afectadas, garantindo benefícios do petróleo e de outros recursos.

Até lá, como sempre acontece, cada uma das partes desta guerra tenta os maiores ganhos possíveis no terreno de modo a ter mais força à mesa das negociações. Sempre assim foi e dificilmente deixará de ser.

Pinhal Novo, 13 de Fevereiro de 2016

josé manuel rosendo

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Quando os “democratas” egoístas preferem ditadores no poder

Legenda da foto: “Acreditamos que o ser humano é o centro do universo e sem seres humanos não será possível alcançar o progresso em nenhum lugar do mundo. O ser humano é o mesmo e igual onde quer que ele pertença. Acreditamos na justiça dos homens”. Foto tirada na cave de um prédio em Salma, Síria, onde funcionava um hospital de campanha em território controlado pelo Free Syrian Army, Agosto de 2012.


O egoísmo dos bem instalados da vida é algo que chega a ser obsceno. Dizer que já se sabia no que ia dar a chamada Primavera Árabe e que os países envolvidos não estavam minimamente preparados para se transformarem em sociedades democráticas, é não perceber nada do que se passou – e ainda está a passar – ou então, de forma cínica, como também ouvi dizer, mas agora devolvo a ofensa, estar a perceber e ao mesmo tempo defender que é preferível alguns viverem sob ditaduras, desde que isso permita aos outros viverem descansados e instalados.

Acabo de ouvir tudo isto numa televisão portuguesa, dito sem pudor nem vergonha, e fico espantado quando este tipo de afirmações são produzidas por pessoas que reivindicam uma superioridade moral – porque, por exclusão de partes, consideram estar preparados para viver em democracia – de uma Europa supostamente evoluída, mas onde ainda há dias houve quem aprovasse leis que permitem o confisco de bens aos refugiados. Que tristeza, esta tão grande pobreza de pensamento.

E esta gente que se arroga de tão evoluída não percebeu uma coisa muito simples que esteve na génese da chamada Primavera Árabe e que foi um grande grito de revolta contra líderes déspotas que pouco ou nada fizeram pelos respectivos povos, acumulando fortunas e fazendo negócios, bons negócios, com essas potências democráticas ocidentais que nunca tiveram o mínimo pejo em negociar com eles desde que vissem as economias a crescer e os eleitores mais ou menos sossegados.

Não percebem aqueles que agora dizem que já se sabia qual iria ser o resultado da Primavera Árabe, que a democracia era a última das reivindicações dos que se revoltaram e fizeram cair ditadores. A rua árabe reivindicou a melhoria das condições sociais e económicas, reivindicou justiça e reivindicou dignidade. Aliás, a democracia é algo muito conotado com o ocidente e tem um sinal muito negativo numa fatia significativa do mundo árabe, devido a todas as memórias que o ocidente deixou na região.

Pretender que alguns vivam eternamente sob os ferrolhos de uma ditadura para que outros possam usufruir do sossego que permite os bons negócios, é de um egoísmo atroz e até obsceno, e revela que algumas fachadas muito democráticas são afinal reminiscências ferozes e bem escondidas do espírito colonial.

Pinhal Novo, 1 de Fevereiro de 2016
josé manuel rosendo