Mostrar mensagens com a etiqueta Xiitas. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Xiitas. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Afinal, o que é que se passa no Irão?

Foto: Press TV

Pretender responder a esta questão - com a escassa informação disponível - de forma peremptória e sem possibilidade de erro, é impossível. Exige-se cautela e cuidado extremos na análise, mas é possível digerir alguns dados concretos.

É, sem dúvida, um momento difícil para a grande potência xiita do Médio Oriente, pelo menos em termos da imagem que está a circular nos media ocidentais.
Estamos a falar de um país com mais de 80 milhões de habitantes, com a segunda maior reserva mundial de gás e a quarta maior reserva mundial de petróleo. É também o país com o qual as grandes potências assinaram um Acordo Nuclear que, agora, Donald Trump (e Israel) quer rasgar. Os Estados Unidos nunca digeriram o que passou em 1979. Após mais de 50 anos de domínio da dinastia Pahlavi (com conhecida ajuda da CIA), o Irão passou a República Islâmica com a revolução de 1979 e, por esses dias, a Embaixada norte-americana em Teerão foi palco de um braço-de-ferro com meia centena de reféns  durante mais de um ano e com uma operação militar de resgate falhada por Washington.

Até muito recentemente o Irão foi alvo de sanções internacionais já parcialmente levantadas, mas os Estados Unidos mantêm um vasto leque de sanções contra Teerão. A queda dos preços do petróleo também não ajudou a economia iraniana e em 2015 a austeridade fez-se sentir no Orçamento. As agências internacionais referem um desemprego de 12,5% sendo que 25% dos jovens estão sem emprego. O rendimento médio por pessoa caiu de quase 7.000 dólares em 2013, para 5.470 dólares em 2016 (dados do Banco Mundial). O Presidente Hassan Rouhani chegou ao poder com a promessa de melhorar a economia e as liberdades civis, mas estas manifestações podem ser o sinal de grande frustração com a situação no país.

Como funciona o complexo sistema iraniano?

Instituições não eleitas:

Líder Supremo – Escolhido por uma Assembleia de Peritos que vigia a sua actuação e tem poderes para o afastar. O Líder Supremo nomeia juízes, o Conselho dos Guardiões, o comandante das Forças Armadas e também os líderes da oração de sexta-feira bem como os directores da rádio e da televisão.

Assembleia de Peritos – mandato dos membros é de oito anos e realiza, em média, duas sessões por ano.

Conselho do Discernimento – Organismo Consultivo do Líder Supremo que nomeia os membros desta Instituição. Tem poder de arbitragem nas disputas sobre legislação entre o Parlamento e o Conselho dos Guardiões.

Sistema de Justiça – o líder é nomeado pelo Líder Supremo. A Lei é baseada na Sharia.

Instituições eleitas:

Conselho dos Guardiões – Considerada a mais influente instituição iraniana. Seis teólogos nomeados pelo Líder Supremo e outros seis pelos juízes e aprovados pelo Parlamento. Ratifica e pode vetar as leis produzidas pelo Parlamento. Tem poder de decisão sobre candidatos que pretendem concorrer a eleições.

Presidente – Eleito pelo povo mas os candidatos têm de ser aprovados pelo Conselho dos Guardiões. É o chefe do Governo e o responsável pela aplicação da Constituição.

Governo – É escolhido pelo Presidente mas tem de ser aprovado pelo Parlamento.

Parlamento – Deputados eleitos a cada quatro anos, mas a legislação que produz é sujeita a ratificação.

É este conjunto de instituições que exerce o poder no Irão. Religião e política são uma e a mesma coisa ou não tivesse sido o anterior Ayatollah Khomeini a dizer: “Tudo no Islão é política”!

É dentro desse Islão político que surgem as recentes manifestações, precisamente em Mashhad, segunda cidade do país e berço do actual Líder Supremo. A primeira ideia que fica é a de que foram provocadas por um sentimento de revolta comum a países submetidos à austeridade: há desemprego, há incerteza e houve, recentemente, um anúncio de aumento dos combustíveis.

Aparentemente, apenas há três origens possíveis para os protestos: a influência estrangeira (como acusa o regime), a oposição conservadora rival da corrente liderada pelo actual presidente Rouhani ou, hipótese aparentemente mais remota, uma revolta popular genuína com a intenção de tentar fazer cair o regime e provocar uma revolução.

Não se conhecendo a origem (política) dos protestos é certo que estão a ganhar dimensão e a alastrar. É também certo que são distintos dos que tiveram lugar em 2009 e, desta vez, visam símbolos do regime e há palavras de ordem como “morte ao ditador”.

O Presidente Hassan Rouhani teve um discurso conciliador dizendo que é preciso dar espaço aos iranianos para que possam exprimir as suas inquietações, mas condenando a violência; quanto ao Supremo Líder, acusou os inimigos do Irão de estarem a provocar as manifestações. 

Aqui chegados, convém passarmos as fronteiras do Irão e perceber o que se passa na zona de influência xiita: o Irão está a vencer em vários palcos de conflito. Descodificando: está a vencer no Iraque, aliado do Governo de Bagdad que derrotou o Estado Islâmico; está a vencer na Síria, aliado do Governo de Bashar al Assad que se aguentou no poder; está a vencer no Líbano, aliado do poderoso Hezbollah que – se quiser – controla o país, e onde foi revertida a demissão do Primeiro-Ministro, Saad Hariri, que se tinha demitido em Riad por clara pressão da Arábia Saudita; no Yémen, estando ou não o Irão envolvido no apoio aos Houthis, é certo que as coisas não estão a correr bem para a rival regional Arábia Saudita. É este o cenário regional que certamente não agrada aos Estados Unidos (e a Israel). E quando um país não pode ser derrotado nas guerras que disputa no exterior, talvez possa ser derrotado internamente. Talvez...

Entretanto, mais de duas dezenas de mortos e várias centenas de detidos, é por agora o balanço conhecido dos confrontos e da repressão exercida pelo regime.


Pinhal Novo, 3 de Janeiro de 2018


josé manuel rosendo

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

"Sauditas controlam as embaixadas do Iémen; o Irão não está no Iémen"

Imagem Youtube - entrevista de Sadek al Saar na France 24

Sadek Al Saar é um diplomata. Estava na Embaixada do Iémen em Paris mas decidiu deixar o posto porque diz que as embaixadas iemenitas estão controladas pela Arábia Saudita e não lhe era permitido denunciar o que está a acontecer no Iémen. Garante que o Irão não está presente no Iémen e que tudo é fruto da vontade saudita de controlar o Iémen. Porquê? Porque o Iémen é uma República e estava a caminho de ser uma democracia onde as mulheres têm direitos. Acrescenta que tudo o que os media dizem sobre o Iémen são fake news pagas com dinheiro saudita. Parte desta entrevista passou no Programa Visão Global da Antena 1 dia 19 de Novembro de 2017. Aqui fica a entrevista completa.


Pergunta - Senhor Sadek Al Saar, porque é que deixou o seu trabalho na embaixada do Iémen em Paris?
Resposta - É uma boa questão mas deixe-me regressar à questão de saber se a situação no Iémen é fruto da Primavera Árabe. (Esta questão tinha sido colocada ao General Yahya Saleh, entrevistado em simultâneo)
Em minha opinião o Iémen está a pagar o que fez nesse aspecto. O que nós no Iémen chamamos de Revolução Jovem teve sucesso porque (o Presidente Ali Abdullah) Saleh resignou, houve diálogo entre todos os partidos políticos, com os jovens e as mulheres, e estávamos quase a chegar a uma solução. Concordámos em dar uma quota de 30% às mulheres no Governo, no emprego ... mais lugares para os jovens... Todos os partidos estavam dispostos a assinar o acordo. Quando a Arábia Saudita ficou a saber desse acordo, atacou o Iémen. (o acordo) Foi a 23 ou 24 de Março e eles atacaram o Iémen a 25 de Março de 2015. Isto consta da declaração do enviado das Nações Unidas Jamal Benomar que pode ser encontrada no Los Angeles Times.
P - Mas já havia confrontos antes de 2015...
R - Ninguém estava a combater. Havia algumas escaramuças entre Houthis e algumas tribos mas o Presidente (Abdrabbuh Mansur) Hadi disse que era um problema entre eles. Como lhe disse, o Iémen paga o preço da Arábia Saudita querer provocar o caos no Iémen. Gastaram muito dinheiro com isso, mas os iemenitas sabem o que é a guerra e viram o que estava a acontecer na Líbia e na Síria. Por isso resistimos e foi a própria Arábia Saudita a atacar o Iémen. Não podiam colocar um ditador no poder, não podiam criar o caos, então atacaram o Iémen.
Agora, porque é que deixei o meu posto...? Porque não podia falar da catástrofe humanitária. Disseram-me que era proibido falar disso. Então, quem vai falar disso?
Eu não resignei. Queriam que eu fechasse a boca ... perguntei quem iria falar disso. Se a Arábia Saudita diz que está a ajudar o Iémen, por que é que fechou as fronteiras? Por que faz um bloqueio? Por que destrói escolas? Até hospitais... Por que mata crianças e mulheres? Destruíram todas as infraestruturas, não posso acreditar que tenham ido em nossa ajuda.
Disseram-me para resignar, respondi que não o fazia. É o meu país e vou falar de todos os crimes que estão a cometer.
P - É por isso que tem a Fundação (Salam for Yémen – Paz para o Iémen)?
R - Depois criei a Fundação Salam for Iémen... Paz para o Iémen. Fazemos muitas conferências, encontros, exposições para mostrar como o Iémen é bonito e os iemenitas são pacíficos. Queremos também chamar a atenção porque há dois bloqueios ao Iémen: o bloqueio físico, que é o primeiro da história... bloqueio aéreo, marítimo e terrestre. Ninguém pode sair ou entrar no Iémen. Há também o bloqueio mediático. Ninguém fala do Iémen e do crime que está a ser cometido. Estão a matar as pessoas à fome. As Nações Unidas e muitas organizações não governamentais referem a maior catástrofe humanitária do nosso tempo. Provocada pelo homem. Não é um tsunami ou uma seca, é porque a Arábia Saudita e os Emirados, apoiados pelos Estados Unidos e Reino Unido, bloqueiam o Iémen.
P - Por que é que acha que o resto do mundo fecha os olhos a essa realidade?
R - Porque a Arábia Saudita está envolvida, com o apoio dos Estados Unidos, Reino Unido e França e também a Itália... um pouco a Espanha... não falo da Rússia porque não quer saber do Iémen ... tem muitos problemas na Síria, não tem interesse no Iémen... a China faz negócios em todo o lado, não quer saber do Iémen... é esta a realidade.
P - Concorda com o General Yahya (ver outra entrevista neste blog) quanto à solução que pode ser encontrada? Apenas entre iemenitas ou admite algum tipo de apoio externo?
R - O único apoio que precisamos é que a Arábia Saudita pare com a intervenção no Iémen. Precisamos que a Arábia Saudita e os Emirados deixem o Iémen e deixem os iemenitas dialogarem. Somos um povo civilizado e de diálogo. Somos assim há 5 mil anos, não se trata de um país novo ... é um país muito antigo e os portugueses conhecem muito bem o Iémen desde há 500 anos, ou talvez mais.
Tivemos muitas crises no passado, como em todo o lado, e resolvemo-las através do diálogo. Mas a Arábia Saudita decidiu interferir. Interferem a toda a hora com diferentes argumentos. Encontram sempre uma desculpa para interferirem no Iémen, para atacar o Iémen. De facto, a Arábia Saudita nunca esquece o Iémen devido a duas escolhas que fizemos: o sistema político, que é a única república na região, e as questões sociais em que demos todos os direitos às mulheres. As mulheres no Iémen podem ser ministros, podem eleger e ser eleitas, o que não acontece na Arábia Saudita, mesmo que possam viajar ou conduzir.
P - Quanto ao Presidente Saleh, primeiro contra os Houthis e agora com os Houthis. Estou enganado?
R - Tem razão. Mas a Arábia Saudita empurrou Saleh e os Houtihis para estarem juntos porque atacou o Iémen. Atacou Saleh, que tinha uma boa relação com os sauditas. Mas já não tem. Porquê? Porque a Arábia Saudita encontrou uma razão para atacar o Iémen. Disseram que estavam a atacar os Houthis. Depois atacaram o Saleh e a organização militar próxima de Saleh, e foi isso que disseram os media. Mas foi apenas uma desculpa, na realidade vieram apenas para matar iemenitas e destruir o Iémen.
P - Como é que pensa que isto vai acabar?
R - Vai acabar quando as pessoas, como o meu amigo (General Yahya) disse, tomarem consciência e pararem. O que estão a fazer é um crime, é um genocídio. É incrível o que está a acontecer no Iémen. Como lhe disse, há um bloqueio, fecharam as fronteiras aos jornalistas. Há 3 meses, até a Cruz Vermelha Internacional trouxe alguns jornalistas mas não foram autorizados a entrar. A única coisa que se pode fazer é muita gente pressionar para que deixem de matar pessoas inocentes no Iémen.
P - Quantas pessoas já morreram... 9 mil?
R - Sim, oficialmente 9 mil, talvez 10 mil, mas em minha opinião são mais... São números oficiais de mortos directamente bombardeados. Consegue imaginar as vítimas indirectas, devido à falta de medicamentos, falta de alimentos... são muitos milhares... em minha opinião mais de 50 mil. Há agora também muitas doenças que é incrível existirem hoje ... temos cólera... Temos problemas com diabéticos que não têm insulina... Pessoas que precisam de fazer hemodiálise...
P - Quantas pessoas com cólera... Cerca de um milhão?
R - Cerca de 500 mil há três meses... Mas agora cerca de um milhão. Consegue imaginar? É horrível, é demais...
P - Quantas pessoas sem alimentos?
R - Pessoas quase em situação de fome são sete milhões e cerca de 17 milhões precisam de ajuda humanitária.
P - Alguma mensagem para António Guterres?
R - Por favor, não esqueça que há um bloqueio no Iémen, que há uma guerra... quer dizer... que há um ataque agressivo da Arábia Saudita e dos Emirados. Dizem que é por causa do Irão mas o Irão não está no Iémen. Se têm algum problema com o Irão, dialoguem, mas não matem iemenitas com argumentos falsos.
P - Quando deixou o seu posto na embaixada em Paris, apenas disse adeus, ou saiu sem dizer nada?
R - Mantenho o meu posto, não o deixei, porque sou iemenita e não tenho o direito de permanecer calado. Vou ficar (no posto diplomático) mas não vou discutir com eles. Quando eles perceberem do que é que eu estou a falar eu vou voltar. Não vou resignar. Iria resignar para a Arábia Saudita. Eles controlam tudo nas embaixadas.
P – Os sauditas controlam directamente as embaixadas, estando lá, ou por outras vias?
R - Indirectamente. Querem manter absoluto silêncio sobre este genocídio.
P - Por que é que os media não falam do Iémen.
R - Diabolizaram o Iémen...
P - Quem diabolizou o Iémen?
R - O ocidente, porque são próximos dos sauditas. A Arábia Saudita controla muitos media no mundo árabe e tem acordos com muitos grupos de comunicação. Têm um acordo com a publicis, o 4º maior grupo de marketing e comunicação em França apenas para não falarem do que se passa no Iémen. Também chamaram vários jornalistas que escrevem sobre o Iémen, convidaram-nos e pressionaram para que não escrevam sobre o Iémen. E também, nos dois últimos anos que começaram a atacar o Iémen, assinaram contratos de milhões com os Estados Unidos e o Reino Unido. Se for ver as notícias sobre o incremento de venda de armas, aceleraram 50%... Porque? Devido à venda de armas à Arábia Saudita e Emirados. O mesmo em França...
P - Mas existe também a (Agência) Reuters, a France Press ...a Associated Press...
R - Não sei o que há de errado com eles, mas se for ler as notícias dessas três agências, pensa que é a mesma pessoa que as escreve. Falam sempre de um conflito ou de uma guerra civil no Iémen e nunca, nunca, mencionam a Arábia Saudita.
P - Algumas vezes referem...
R - Algumas vezes... mas o que eu quero dizer é que a realidade diária é de bombardeamentos da Arábia Saudita e da coligação saudita.
P - Está a dizer que as três agências não nos dão a verdadeira imagem do que se passa...
R - Exactamente. Não é honesto. Estão a dar a mesma informação desde 25 de Março de 2015 até hoje. Dizem diariamente que há um conflito ou uma guerra civil entre o presidente Hadi apoiado pela Arábia Saudita e os Houthis apoiados pelo Irão. Não sou advogados dos Houthis, é um problema deles, mas como iemenita como posso dizer-lhe que não há um único iraniano ou armas iranianas no Iémen. É verdade que estão na Síria e eles dizem que estão. Dizem diariamente que não estão no Iémen mas por que é que France Press, Reuters e outros, dizem sempre mentiras... ou dão falsa informação?
P - Fake News...

R - Fake News, precisamente!

josé manuel rosendo
Pinhal Novo, 22 de Novembro de 2017