Imagem Youtube - entrevista de Sadek al Saar na France 24
Sadek Al Saar é um diplomata. Estava na Embaixada do Iémen em Paris mas decidiu deixar o posto porque diz que as embaixadas iemenitas estão controladas pela Arábia Saudita e não lhe era permitido denunciar o que está a acontecer no Iémen. Garante que o Irão não está presente no Iémen e que tudo é fruto da vontade saudita de controlar o Iémen. Porquê? Porque o Iémen é uma República e estava a caminho de ser uma democracia onde as mulheres têm direitos. Acrescenta que tudo o que os media dizem sobre o Iémen são fake news pagas com dinheiro saudita. Parte desta entrevista passou no Programa Visão Global da Antena 1 dia 19 de Novembro de 2017. Aqui fica a entrevista completa.
Pergunta - Senhor Sadek Al Saar, porque é que deixou o seu trabalho
na embaixada do Iémen em Paris?
Resposta - É uma boa questão mas deixe-me regressar à questão de
saber se a situação no Iémen é fruto da Primavera Árabe. (Esta questão tinha
sido colocada ao General Yahya Saleh, entrevistado em simultâneo)
Em minha opinião o Iémen está a pagar o que fez nesse
aspecto. O que nós no Iémen chamamos de Revolução Jovem teve sucesso porque (o
Presidente Ali Abdullah) Saleh resignou, houve diálogo entre todos os partidos
políticos, com os jovens e as mulheres, e estávamos quase a chegar a uma
solução. Concordámos em dar uma quota de 30% às mulheres no Governo, no emprego
... mais lugares para os jovens... Todos os partidos estavam dispostos a
assinar o acordo. Quando a Arábia Saudita ficou a saber desse acordo, atacou o
Iémen. (o acordo) Foi a 23 ou 24 de Março e eles atacaram o Iémen a 25 de Março
de 2015. Isto consta da declaração do enviado das Nações Unidas Jamal Benomar
que pode ser encontrada no Los Angeles Times.
P - Mas já havia confrontos antes de 2015...
R - Ninguém estava a combater. Havia algumas escaramuças
entre Houthis e algumas tribos mas o Presidente (Abdrabbuh Mansur) Hadi disse
que era um problema entre eles. Como lhe disse, o Iémen paga o preço da Arábia
Saudita querer provocar o caos no Iémen. Gastaram muito dinheiro com isso, mas
os iemenitas sabem o que é a guerra e viram o que estava a acontecer na Líbia e
na Síria. Por isso resistimos e foi a própria Arábia Saudita a atacar o Iémen.
Não podiam colocar um ditador no poder, não podiam criar o caos, então atacaram
o Iémen.
Agora, porque é que deixei o meu posto...? Porque não podia
falar da catástrofe humanitária. Disseram-me que era proibido falar disso.
Então, quem vai falar disso?
Eu não resignei. Queriam que eu fechasse a boca ... perguntei
quem iria falar disso. Se a Arábia Saudita diz que está a ajudar o Iémen, por
que é que fechou as fronteiras? Por que faz um bloqueio? Por que destrói
escolas? Até hospitais... Por que mata crianças e mulheres? Destruíram todas as
infraestruturas, não posso acreditar que tenham ido em nossa ajuda.
Disseram-me para resignar, respondi que não o fazia. É o meu
país e vou falar de todos os crimes que estão a cometer.
P - É por isso que tem a Fundação (Salam for Yémen – Paz para
o Iémen)?
R - Depois criei a Fundação Salam for Iémen... Paz para o
Iémen. Fazemos muitas conferências, encontros, exposições para mostrar como o
Iémen é bonito e os iemenitas são pacíficos. Queremos também chamar a atenção
porque há dois bloqueios ao Iémen: o bloqueio físico, que é o primeiro da
história... bloqueio aéreo, marítimo e terrestre. Ninguém pode sair ou entrar
no Iémen. Há também o bloqueio mediático. Ninguém fala do Iémen e do crime que
está a ser cometido. Estão a matar as pessoas à fome. As Nações Unidas e muitas
organizações não governamentais referem a maior catástrofe humanitária do nosso
tempo. Provocada pelo homem. Não é um tsunami ou uma seca, é porque a Arábia Saudita
e os Emirados, apoiados pelos Estados Unidos e Reino Unido, bloqueiam o Iémen.
P - Por que é que acha que o resto do mundo fecha os olhos a
essa realidade?
R - Porque a Arábia Saudita está envolvida, com o apoio dos
Estados Unidos, Reino Unido e França e também a Itália... um pouco a Espanha...
não falo da Rússia porque não quer saber do Iémen ... tem muitos problemas na
Síria, não tem interesse no Iémen... a China faz negócios em todo o lado, não
quer saber do Iémen... é esta a realidade.
P - Concorda com o General Yahya (ver outra entrevista neste
blog) quanto à solução que pode ser encontrada? Apenas entre iemenitas ou
admite algum tipo de apoio externo?
R - O único apoio que precisamos é que a Arábia Saudita pare
com a intervenção no Iémen. Precisamos que a Arábia Saudita e os Emirados
deixem o Iémen e deixem os iemenitas dialogarem. Somos um povo civilizado e de
diálogo. Somos assim há 5 mil anos, não se trata de um país novo ... é um país
muito antigo e os portugueses conhecem muito bem o Iémen desde há 500 anos, ou
talvez mais.
Tivemos muitas crises no passado, como em todo o lado, e
resolvemo-las através do diálogo. Mas a Arábia Saudita decidiu interferir.
Interferem a toda a hora com diferentes argumentos. Encontram sempre uma
desculpa para interferirem no Iémen, para atacar o Iémen. De facto, a Arábia
Saudita nunca esquece o Iémen devido a duas escolhas que fizemos: o sistema
político, que é a única república na região, e as questões sociais em que demos
todos os direitos às mulheres. As mulheres no Iémen podem ser ministros, podem
eleger e ser eleitas, o que não acontece na Arábia Saudita, mesmo que possam
viajar ou conduzir.
P - Quanto ao Presidente Saleh, primeiro contra os Houthis e
agora com os Houthis. Estou enganado?
R - Tem razão. Mas a Arábia Saudita empurrou Saleh e os
Houtihis para estarem juntos porque atacou o Iémen. Atacou Saleh, que tinha uma
boa relação com os sauditas. Mas já não tem. Porquê? Porque a Arábia Saudita
encontrou uma razão para atacar o Iémen. Disseram que estavam a atacar os
Houthis. Depois atacaram o Saleh e a organização militar próxima de Saleh, e
foi isso que disseram os media. Mas foi apenas uma desculpa, na realidade
vieram apenas para matar iemenitas e destruir o Iémen.
P - Como é que pensa que isto vai acabar?
R - Vai acabar quando as pessoas, como o meu amigo (General
Yahya) disse, tomarem consciência e pararem. O que estão a fazer é um crime, é
um genocídio. É incrível o que está a acontecer no Iémen. Como lhe disse, há um
bloqueio, fecharam as fronteiras aos jornalistas. Há 3 meses, até a Cruz
Vermelha Internacional trouxe alguns jornalistas mas não foram autorizados a
entrar. A única coisa que se pode fazer é muita gente pressionar para que
deixem de matar pessoas inocentes no Iémen.
P - Quantas pessoas já morreram... 9 mil?
R - Sim, oficialmente 9 mil, talvez 10 mil, mas em minha opinião
são mais... São números oficiais de mortos directamente bombardeados. Consegue
imaginar as vítimas indirectas, devido à falta de medicamentos, falta de
alimentos... são muitos milhares... em minha opinião mais de 50 mil. Há agora
também muitas doenças que é incrível existirem hoje ... temos cólera... Temos
problemas com diabéticos que não têm insulina... Pessoas que precisam de fazer
hemodiálise...
P - Quantas pessoas com cólera... Cerca de um milhão?
R - Cerca de 500 mil há três meses... Mas agora cerca de um
milhão. Consegue imaginar? É horrível, é demais...
P - Quantas pessoas sem alimentos?
R - Pessoas quase em situação de fome são sete milhões e
cerca de 17 milhões precisam de ajuda humanitária.
P - Alguma mensagem para António Guterres?
R - Por favor, não esqueça que há um bloqueio no Iémen, que
há uma guerra... quer dizer... que há um ataque agressivo da Arábia Saudita e
dos Emirados. Dizem que é por causa do Irão mas o Irão não está no Iémen. Se
têm algum problema com o Irão, dialoguem, mas não matem iemenitas com
argumentos falsos.
P - Quando deixou o seu posto na embaixada em Paris, apenas disse
adeus, ou saiu sem dizer nada?
R - Mantenho o meu posto, não o deixei, porque sou iemenita
e não tenho o direito de permanecer calado. Vou ficar (no posto diplomático) mas
não vou discutir com eles. Quando eles perceberem do que é que eu estou a falar
eu vou voltar. Não vou resignar. Iria resignar para a Arábia Saudita. Eles
controlam tudo nas embaixadas.
P – Os sauditas controlam directamente as embaixadas,
estando lá, ou por outras vias?
R - Indirectamente. Querem manter absoluto silêncio sobre
este genocídio.
P - Por que é que os media não falam do Iémen.
R - Diabolizaram o Iémen...
P - Quem diabolizou o Iémen?
R - O ocidente, porque são próximos dos sauditas. A Arábia
Saudita controla muitos media no mundo árabe e tem acordos com muitos grupos de
comunicação. Têm um acordo com a publicis,
o 4º maior grupo de marketing e comunicação em França apenas para não falarem
do que se passa no Iémen. Também chamaram vários jornalistas que escrevem sobre
o Iémen, convidaram-nos e pressionaram para que não escrevam sobre o Iémen. E
também, nos dois últimos anos que começaram a atacar o Iémen, assinaram
contratos de milhões com os Estados Unidos e o Reino Unido. Se for ver as
notícias sobre o incremento de venda de armas, aceleraram 50%... Porque? Devido
à venda de armas à Arábia Saudita e Emirados. O mesmo em França...
P - Mas existe também a (Agência) Reuters, a France Press ...a
Associated Press...
R - Não sei o que há de errado com eles, mas se for ler as
notícias dessas três agências, pensa que é a mesma pessoa que as escreve. Falam
sempre de um conflito ou de uma guerra civil no Iémen e nunca, nunca, mencionam
a Arábia Saudita.
P - Algumas vezes referem...
R - Algumas vezes... mas o que eu quero dizer é que a
realidade diária é de bombardeamentos da Arábia Saudita e da coligação saudita.
P - Está a dizer que as três agências não nos dão a
verdadeira imagem do que se passa...
R - Exactamente. Não é honesto. Estão a dar a mesma
informação desde 25 de Março de 2015 até hoje. Dizem diariamente que há um
conflito ou uma guerra civil entre o presidente Hadi apoiado pela Arábia
Saudita e os Houthis apoiados pelo Irão. Não sou advogados dos Houthis, é um
problema deles, mas como iemenita como posso dizer-lhe que não há um único
iraniano ou armas iranianas no Iémen. É verdade que estão na Síria e eles dizem
que estão. Dizem diariamente que não estão no Iémen mas por que é que France
Press, Reuters e outros, dizem sempre mentiras... ou dão falsa informação?
P - Fake News...
R - Fake News, precisamente!
josé manuel rosendo
Pinhal Novo, 22 de Novembro de 2017
A força que a comunicação social possui é uma coisa absolutamente assustadora. Se tiver essa pretensão ou estiver manietada, manipula por completo a informação que tem em mãos para fazer passar a mensagem que bem entender. Isto leva-me a colocar esta questão: de quantos conflitos recebemos a informação completamente deturpada? As supostas versões oficiais estão muitas vezes longe do que acontece na realidade, omitindo o que convenientemente tiver de ser omitido. Excelente entrevista, José Manuel.
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