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domingo, 21 de junho de 2020

Houthis acusam António Guterres de falta de coragem para enfrentar os grandes poderes.

Hisham Sharaf Abdullah, Ministro Negócios Estrangeiros Houthi.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo Houthi, estabelecido em Sanaa, Iémen, acusa o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, de não conseguir fazer frente aos grandes poderes que se movimentam nas Nações Unidas. 

Um dia depois de António Guterres ter enviado ao Conselho de Segurança da ONU, o relatório anual em que retira a Arábia Saudita da lista negra das Nações Unidas, o chefe da diplomacia Houthi, Hisham Sharaf Abdullah, em entrevista à Antena 1, disse que Guterres tomou uma decisão que defende os interesses financeiros da ONU mas não respeita os princípios da organização.

Hisham Sharaf Abdullah admite que António Guterres está sob forte pressão mas devia ter tido a coragem de dizer que não é adequado tirar a Arábia Saudita da lista negra da ONU enquanto as crianças iemenitas continuam a morrer, vítimas dos ataques aéreos da coligação liderada por Riade.

Transcrição da entrevista que teve como único ponto a decisão de António Guterres.

O que pensa  da decisão do secretário geral das Nações Unidas de retirar a Arábia Saudita da lista negra da ONU?

Em minha opinião, e penso que é partilhada por muitos, resulta da pressão, da riqueza e das ligações do regime saudita nas Nações Unidas. A ONU tem sido ameaçada muitas vezes de não obter apoio suficiente da Arábia Saudita e penso que depois do que o senhor Trump fez com a Organização Mundial da Saúde, e depois de sair de outras agências (da ONU), isso assustou as Nações Unidas. 
Retiraram a Arábia Saudita da lista negra debaixo da pressão de corte de fundos. É uma decisão errada e não sei como é que outros países e diplomatas que trabalham com as Nações Unidas ficaram calados e deixaram que esta decisão fosse tomada.

Mas o Governo Houthi continua na lista negra...

Sim, sim...  

O que pensa disso?

É o mesmo que a ONU está a fazer há muito tempo... 
Os fortes... Os ricos... Os que têm muitas ligações (países ou poderes), fazem o que querem e os que não têm acesso à ONU ou que não podem apelar, ninguém se importa com eles. É o que tem acontecido nos últimos 5 anos e vamos agora entrar no sexto ano de guerra no Iémen. Isto vai continuar até que alguns países e o mundo possam reverter este processo.

Pensa que António Guterres não é suficientemente forte para enfrentar a Arábia Saudita?

Penso que olhou para os interesses da Organização das Nações Unidas enquanto uma agência internacional com muitas despesas. Penso que olhou mais para o aspecto financeiro das Nações Unidas do que para os princípios da ONU. Penso que está debaixo de uma grande pressão. É a mesma pressão a que esteve sujeito Ban Ki-moon quando era Secretário-Geral das Nações Unidas. Fizeram-lhe o mesmo. Mas penso que as circunstâncias agora não são as mesmas desse tempo. Agora, as Nações Unidas têm sido alvo de vários ataques dos Estados Unidos e de outros países. Estão outra vez com falta de dinheiro. O senhor Guterres devia ter coragem para os enfrentar os grandes poderes e dizer-lhes que não é adequado, neste momento, tomar esta decisão, enquanto muitas crianças no Iémen estão a ser mortas pela Arábia Saudita.
Todas as notícias que chegam de Sanaa e de outros locais que nós controlamos, mostram que há uma enorme quantidade de ataques aéreos, muitas pessoas estão a ser mortas e ninguém quer ouvir. Ouvem o que acontece na Líbia, na Síria... O que aconteceu entre a China e a Índia. Os poderosos aparecem na fotografia e os que não têm acesso aos media internacionais, como nós... não aparecem. Ninguém nos ouve ou olha para o que se passa no Iémen. É o sexto ano de guerra num país onde há 32 milhões de pessoas. Ninguém olha para nós enquanto não acontecer alguma coisa no Mar Vermelho que corte a passagem dos navios de transporte de petróleo. Muita coisa tem de acontecer até que o mundo olhe para as pessoas deste país.

O último ataque aéreo foi hoje (16 de Junho) ...estou certo? Hoje ou ontem?

Hoje, sim foi hoje... Hoje de manhã 13 pessoas foram mortas, entre elas 4 crianças... 

Foi um ataque da Arábia Saudita?

Quem bombardeia o Iémen é a Arábia Saudita... Os Emirados Árabes Unidos tentam manter-se afastados dos ataques e apenas tratam de outros assuntos... Os Sauditas fazem sucessivos ataques... E o que é engraçado é que ao mesmo tempo falam de negociações com pessoas aqui em Sanaa, ou como eles dizem com os Houthis...

Quantas crianças morreram no Iémen no último ano nos ataques sauditas?

De acordo com algumas estatísticas que não sei se estão completas tivemos 590 crianças mortas*... Crianças inocentes mortas enquanto brincavam e jogavam futebol quando foram atingidas pelos ataques aéreos. Repito: ninguém se preocupa connosco excepto quando algo muito forte acontecer neste país e penso que dentro de pouco tempo o mundo inteiro vai olhar para nós.

O que quer dizer com isso?

Espero, e é a minha esperança enquanto político, uqe algo grande vai acontecer dentro de poucas semanas ou um mês. O mundo vai voltar olhar para nós quando um grande problema acontecer nesta parte do mundo.

Grande problema tal como?

Alguma coisa pode acontecer no Mar Vermelho... Ou no Mar Arábico... Talvez um grande massacre seja cometido pelos sauditas. E então o mundo vai sentir vergonha de olhar para o que acontecer. Os sauditas fazem voar os aviões no nosso país e não se importam nem um pouco com o que acontece desde que tenham riqueza e desde que tenham o apoio dos grandes poderes... Podem fazer o que quiserem...

* No momento desta entrevista, o Ministro iemenita não estava na posse dos números em relação aos quais foi questionado. Posteriormente, enviou a informação sobre o número de crianças vítimas dos ataques aéreos desde o início da guerra: 7.500! (até Dezembro de 2019)


Pinhal Novo, 20 de Junho de 2020
josé manuel rosendo

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Falta saber de onde partiu o ataque à Arábia Saudita. E quem é responsável. Houthis, Irão, Iraque ou...?

Houdeida, cidade portuária no Iémen, voltou a ser bombardeada pela Arábia Saudita após os ataques às instalações petrolíferas sauditas. Foto: jmr, Julho 2019




























Analisar a guerra no Iémen não é fácil e a leitura que aponta para uma guerra entre sunitas e xiitas é absolutamente redutora e não retrata a realidade. Se o conflito já tinha contornos bastante opacos, agora, com o ataque às instalações petrolíferas da Arábia Saudita e com a incerteza quanto à autoria desses ataques, tudo ficou ainda mais difícil.
Nada disto tem uma leitura fácil, no sentido de haver “os bons e os maus” ou de se saber exactamente o que motiva cada acção/movimento num conflito armado. Tem sido sempre assim, mas isso deve obrigar-nos a especiais cuidados na análise e ainda mais nas conclusões. 

Sabemos que os Houthis do Iémen reivindicaram o ataque à Arábia Saudita (como muitos outros que fizeram anteriormente) e disseram que é uma resposta aos constantes bombardeamentos de que são alvo por parte da coligação liderada pela Arábia Saudita.

Esta assunção da responsabilidade por parte dos Houthis parece não agradar à Arábia Saudita e aos Estados Unidos e desde o início que o dedo acusador de Riad e de Washington aponta para Teerão. Ainda foi admitida a possibilidade de o Iraque ter sido ponto de partida do ataque, mas Bagdad negou e não se voltou a falar nisso.

Teerão também rejeita responsabilidade, mas a Arábia Saudita mostrou o que disse ser provas inegáveis do envolvimento do Irão. Segundo Riad, terão sido utilizados 25 drones e mísseis contra as instalações sauditas, incluindo um avião não-tripulado iraniano e mísseis de cruzeiro Ya Ali (construídos no Irão). O Ministério da Defesa saudita disse que o ataque chegou do Norte e foi inquestionavelmente patrocinado pelo Irão. Isto é o que temos: uma convicção e restos de material iraniano.

Para o Secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, existe um consenso no Golfo de que a responsabilidade é do Irão e que o ataque às instalações sauditas foi “um acto de guerra”. É certo que Pompeo também disse que quer uma solução pacífica, mas Washington já decidiu reforçar a sua presença militar na Arábia Saudita. A incerteza e a falta de provas concretas traduzem-se em declarações reproduzidas na comunicação social e atribuídas a altos responsáveis norte-americanos, mas sempre a coberto do anonimato.

Não deixa de ser curioso que depois das acusações ao Irão, a Arábia Saudita tenha bombardeado alvos em Houdeida (cidade portuária no Iémen) com o argumento de que daí partiam ataques com mísseis e drones.

Temos ainda na memória os recentes ataques a petroleiros no Golfo de Omã. O dedo acusador foi inicialmente apontado ao Irão, houve muito burburinho, mas tudo se perdeu na espuma dos dias: de concreto, rigorosamente nada! Houve sim, mais sanções, que os donos do mundo aplicam, sempre que entendem, a seu bel-prazer. E também temos na memória a forma como a Arábia saudita tentou negar responsabilidade no assassínio do jornalista Jamal Khashoggi, até ter de se render às evidências.

A situação criada com o mais recente ataque à Arábia Saudita coloca-nos ainda uma questão incontornável para podermos ter uma noção sobre o que realmente aconteceu: tenha sido a partir do Yémen, do Irão ou do Iraque, como é possível que vários drones tenham voado centenas de quilómetros, sem deixarem rasto/registo, num território que deve ser dos mais vigiados do Mundo?

Será útil recordar que o Bahrein, a menos de cem quilómetros de Abqaiq - um dos locais atacados na Arábia Saudita - alberga a 5ª Frota da Marinha dos Estados Unidos (responsável pela região do Médio Oriente) e alberga também uma base britânica. Na região há também outras bases norte-americanas. Não sendo especialista em Defesa, tenho dificuldade em perceber como é que drones, aviões não-tripulados e mísseis, cruzam este território – um dos mais vigiados do mundo – sem serem detectados. Dizem os entendidos que os drones podem voar quase rente ao solo e por isso difíceis de detectar... E que nem sempre os satélites e os radares estão “apontados” para as zonas que terão sido utilizadas nos ataques. Dizem-me também que até poderão eventualmente ter sido detectados mas num momento em que já não havia tempo para a intercepção. Tudo isso pode ser verdade, e até pode ser que estejam agora a ser revistos os sistemas de vigilância da região para verificar se ficou registada a passagem dos instrumentos utilizados nos ataques. 

Perante situações anteriores em que a credibilidade de alguns protagonistas ficou de rastos, por terem forjado provas, será bom que as eventuais provas encontradas desta vez não deixem qualquer tipo de dúvidas.

Principalmente os Estados Unidos ficam muito mal neste episódio se a passagem dos drones, aviões e mísseis, não foi notada e dela não ficaram registos. 

Ou então teremos de questionar quem terá essa capacidade de utilizar drones, aviões não-tripulados e mísseis, sem deixar qualquer tipo de rasto.

Destes recentes ataques (aos petroleiros e às instalações petrolíferas sauditas) resultam dúvidas que importa esclarecer de forma muito rigorosa, sob pena de ganhar força a teoria de que alguém quer mesmo implicar o Irão e arrastar o mundo para mais uma guerra no Médio Oriente. Sabemos todos quem mais ganha com isso.

No meio deste desassossego, as Nações Unidas enviaram peritos à Arábia Saudita para tentar desvendar o mistério da responsabilidade do ataque. Até que mais alguma coisa se saiba, António Guterres referiu-se à necessidade de “nervos de aço” para evitar uma nova guerra.


Pinhal Novo, 23 de Setembro de 2019

josé manuel rosendo


segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Iémen, cada vez pior...

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Manifestação de apoio ao Movimento Separatista do Sul. A bandeira em primeiro plano é a dos separatistas, a mesma da República Democrática Popular do Iémen (1967-1990). Créditos da fotografia: en.adenpress.news
Estava confusa a situação no Yemen? Sim, é verdade, mas ficou um pouco pior. O “xadrez” da guerra ganhou novos contornos com a desavença entre parceiros da coligação que combate os Houthi. Há muito se falava dos diferentes interesses dos dois principais parceiros de coligação, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos (EAU), mas agora esse antagonismo ficou evidente quando o Movimento Separatista do Sul avançou para o controlo da cidade de Aden, onde está o Governo do Presidente Hadi, reconhecido internacionalmente. Separatistas (com o apoio dos EAU) e tropas governamentais envolveram-se em violentos combates e os separatistas conseguiram o controlo da cidade. A Arábia Saudita reafirmou apoio ao Governo do Presidente Hadi.


Não se sabe como vai terminar esta guerra dentro da guerra, mas o Movimento Separatista pretende regressar à fórmula Iémen do Norte/Iémen do Sul – e até já tem o Conselho de Transição do Sul – algo que os Emirados parecem aceitar e que a Arábia Saudita já disse que recusa. O apoio dos EAU aos separatistas foi ao ponto de lançarem ataques aéreos contra as forças governamentais quando estas tentaram reconquistar a cidade às forças do Movimento Separatista. A confusão é de tal ordem que as agências de notícias dão conta de manifestações de apoio aos separatistas, em Aden, com as pessoas a exibirem bandeiras do Movimento Separatista, dos EAU, mas também da Arábia Saudita, principal apoiante do Governo que os separatistas agora combatem.

O Governo do Presidente Hadi recusa dialogar com os separatistas acusando-os de serem apenas um instrumento dos EUA que, por sua vez, pretendem dividir o Iémen. Apesar das acusações, o Governo diz que só aceita negociar com os EAU. Desde Junho que os EAU reduziram a presença militar no Iémen, mas a influência mantém-se através dos milhares de combatentes do Movimento Separatista, armados e treinados pelos EAU.

Os Estados Unidos anunciaram pela primeira vez que estão envolvidos em negociações com os Houthi. Não se sabe como nem onde, mas fontes ligadas ao processo e citadas pelo Wall Street Journal disseram que pode ser no Sultanato de Omã. Não seria a primeira vez que Omã serve de mediador já que Barack Obama também recorreu ao Sultanato quando iniciou as conversações que terminaram no Acordo Nuclear com o Irão, assinado em 2015.

Por agora, Arábia Saudita e EAU dizem que a coligação está unida e permanece forte no objectivo de combater os Houthi. Certo é que Sanaa foi tomada pelos Houthi em 2014 e desde então a coligação poucos ganhos tem conseguido, sendo que os Houthi mantêm a Arábia Saudita na linha de fogo com ataques frequentes a território saudita.

Os peritos da ONU referiram-se recentemente a um grande número de crimes de guerra cometidos no Iémen e para resumirem a questão acrescentaram que nesta guerra ninguém tem as mãos limpas. A lista de nomes que podem vir a ser acusados – no caso de haver um tribunal para a guerra no Iémen – é extensa, mas permanece confidencial. A lista de crimes é igualmente extensa: de ataques indiscriminados contra populações civis, à utilização da fome como arma de guerra, passando por tortura e violações. O relatório vai ser conhecido na totalidade quando for apresentado, esta terça-feira, 10 de Setembro, ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.

O mesmo grupo de peritos alerta a comunidade internacional para se abster de fornecer armas que possam ser utilizadas na guerra no Iémen e adverte para a eventual ilegalidade das vendas de armamento feitas pela França, Reino Unido, Estados Unidos e outros Estados. Os peritos dizem que a legalidade da venda de armas é discutível e os Estados podem vir a ser responsabilizados por violação do Direito Internacional se a cumplicidade ficar provada.

O Iémen continua a precisar de grande ajuda externa e o Plano de Resposta Humanitária 2019 requer cerca de 3 mil e 800 milhões de euros para prestar assistência a mais de 20 milhões de pessoas, mas o financiamento conseguido ainda não chega aos 40%.

Pinhal Novo, 9 de Setembro de 2019
josé manuel rosendo