Foto do Yemen Rights Monitor
O General Yahya Saleh foi comandante das forças de operações especiais durante mais de uma dezenas de anos. É sobrinho do antigo Presidente Ali Abdullah Saleh, que continua a lutar pelo poder no Iémen, aliado dos Houthis e controlando Sanaa, a capital do país.
Yahya Saleh saiu do Iémen e passou por Portugal onde deu esta entrevista que já passou parcialmente no Programa Visão Global, na Antena 1, dia 19 de Novembro de 2017. Aqui fica a entrevista completa.
P - General Yahya Saleh, a actual situação no Iémen é fruto
da Primavera Árabe?
R - Começou com o que chamam de Primavera Árabe, mas depois
de 2011 houve um acordo do Conselho de Cooperação do Golfo para entregar o
poder a um novo Presidente e a um governo de coligação, e era suposto que dois
anos depois houvesse eleições. Mas os Estados Unidos, o ocidente e alguns
países árabes, entre eles a Arábia Saudita, descobriram que o novo Presidente
estava disposto a fazer tudo o que eles quisessem e tentaram mantê-lo no poder
por mais tempo.
Assim, desde essa altura, criaram problemas económicos e
houve ataques terroristas em Sanaa (capital do Iémen) e em outras cidades.
Muitos agentes dos serviços de informações foram alvejados. Mais de 250 agentes
dos serviços de informação ou que trabalhavam para agências de serviços
secretos que obtinham informação sobre a Al Qaeda foram mortos.
A situação de segurança do Iémen deteriorou-se e muitas
milícias começaram a formar-se em várias regiões do país. Os Estados Unidos
trabalharam com o Presidente (Abdrabbuh Mansur) Hadi para desmantelar as forças
armadas, o que ajudou as diferentes milícias a ficarem mais fortes do que o
exército nacional. Assim, os Houthis entraram em Sanaa a 21 de Setembro de 2014
e Hadi sentiu que estava a perder o poder e fugiu para a Arábia Saudita, a quem
pediu apoio para recuperar o poder. A Arábia Saudita sentiu que era o momento
de o colocar sob controlo, também porque há muito que eles queriam ter um
governo iemenita que lhes fosse fiel, não interessando se era uma monarquia,
uma república, socialista, nacionalista, desde que seguisse as orientações
sauditas.
Quando Hadi lhes pediu - eles dizem que pediu, mas nós
pensamos que o forçaram a isso, tal como forçaram Saad Hariri a resignar - bem...
quando eles começaram a guerra de agressão contra o Iémen era suposto eliminar
o Ansar Allah (os Houthi). Isso foi o que eles (Arábia Saudita) disseram nos
media... Que a guerra era contra os Houthi...
P – Os Houthis não são xiitas?
R - Não tem nada a ver. Isto é entre o Irão e a Arábia
Saudita... No Iémen não temos sunitas e xiitas, é diferente... A guerra no
Iémen não tem nada a ver com xiitas e sunitas... A Arábia Saudita quer manter o
controlo no Iémen não interessando quem governa o Iémen... Não tem nada a ver
com sunitas e xiitas... Isso é nos media.
Quando começaram a guerra de agressão em 25 de Março de 2015
bombardearam tudo em sítios que nada tinham a ver com a guerra... pontes... fecharam
o aeroporto... portos de mar ... as fronteiras... Se for ver os relatórios das Nações Unidas
sobre a situação humanitária no Iémen vai ver que há sete milhões de pessoas
com carências alimentares... 17 milhões a morrerem de fome... quase duas mil
pessoas morreram de cólera... 500 mil estão infectadas... muitas pessoas morrem
nos ataques aéreos... milhares de pessoas morrem devido à falta de
medicamentos... muitos dos meus amigos morreram em Sanaa devido à falta de
medicamentos e porque não puderam sair do país para receber tratamento...
P - Voltando à Primavera Árabe, pensa que foi um movimento
popular genuíno ou houve algo mais por detrás desse movimento?
R - A situação no Médio Oriente é muito complicada. Todas as
pessoas no Médio Oriente querem mudanças. O problema é que alguns radicais
usaram a Primavera Árabe para ganhar poder não o partilhando com outros. Os
radicais islâmicos capturaram a Primavera Árabe na Tunísia, no Egipto, no Iémen
e na Síria... E em vez da Primavera Árabe trazer mais democracia para o Médio
Oriente, transformou-se num banho de sangue. Por exemplo, na Líbia, não há
governo...
Os iemenitas tentaram evitar uma guerra civil, tentaram
encontrar uma solução política para o que chamaram de Primavera Árabe, mas a
Arábia Saudita não deixou que o povo iemenita encontrasse esse caminho.
P - Mas no passado o Iémen teve um presidente durante 33 ou
34 anos. Não é tempo a mais?
R - Temos que perceber esses 33 anos. Não foi eleito uma vez
e depois ficou durante 33 anos. O Iémen estava separado e (Ali Abdullah Saleh)
foi eleito presidente do Iémen do Norte. Antes da unificação foi eleito pelo
Parlamento e nas duas ultimas eleições foi eleito directamente pelo povo.
Assim, não ficou no poder tendo sido eleito apenas uma vez ou através de um
golpe para ficar no poder durante 33 anos. E depois da última eleição (em 2006,
para um mandato de 7 anos) era suposto deixar o poder em 2013.
P - Mas é tempo demais, mesmo com todas essas eleições...
Não concorda?
R - É melhor viver num país seguro do que num país instável
em que todos se atacam. Sei que é diferente na Europa, mas no Médio Oriente os
europeus não podem pedir ao Iémen que seja mais democrata e ao mesmo tempo
apoiarem a Arábia Saudita que é a maior ditadura no Médio Oriente. Não nos
podem pedir para sermos mais democratas só porque somos pobres e somos uma
república, e depois apoiarem a Arábia Saudita porque são ricos e ditadores.
P – General Yahya, por que é que fugiu do Iémen?
R - Eu não fugi...
P - Por outras palavras: por que é que saiu do Iémen?
R - Quando fui demitido do meu posto fui para o Líbano para
ficar por lá porque não tinha nada no Iémen depois do que aconteceu em 2011 e
2012. Fiquei por lá porque não me quis envolver na agitação política no
Iémen...
P - Não quer?
R - Nessa altura.
P - Mas porquê? Porque é um militar...
R - Não quis. Senti que já era suficiente, deixemos novas
pessoas envolverem-se... tentarem...
P - Sentiu algum receio que lhe pudesse acontecer alguma
coisa?
R - Quando foi formado o Governo, a Irmandade Muçulmana (al
Islah) ficou com alguns ministérios, um deles era o Ministério do Interior, e
nessa altura, como já lhe disse antes, muitos oficiais (dos serviços secretos)
foram mortos e sentimos que havia uma ligação entre a Al Islah e a Al Qaeda.
Porque nós sabíamos que havia uma ligação. Não de todos os líderes da Al Islah,
mas de alguns deles. Sentimos que estávamos expostos à Al Qaeda. Sentindo que
estava exposto e não tendo nada para fazer em Sanaa e no Iémen, era melhor
sair. Também não me queria envolver na situação política e resolvi sair. Então,
com a guerra e a agressão ao Iémen, senti que a minha obrigação era falar dessa
agressão e fazer com que outras pessoas soubessem o que se passa.
P - Agora existe um problema. Não sei que tipo de guerra
existe no Iémen mas é uma guerra. Não sei se é uma guerra civil ou outro tipo
de guerra ... Qual é a situação actual no terreno? Quem são os protagonistas?
R - Quando diz guerra civil isso é entre iemenitas. Por que
é que aviões da Arábia Saudita, Emirados e Qatar sobrevoam o Iémen? Não são
aviões iemenitas. Isto significa que outros países estão a atacar o Iémen ou a
ajudar iemenitas que são aliados deles. Guerra Civil não é uma expressão
correcta. É uma agressão da Arabia Saudita. Guerra Civil seria deixarem-nos
lutar entre nós.
P - Apenas depois de 2015 ou antes disso?
R - Não houve guerra civil antes de 2015. Começou tudo
quando a Arábia Saudita inciou os ataques. Há algumas facções no Iémen que
recebem apoio do Qatar, dos Emirados e outras que recebem apoio da Arábia
Saudita, mas ao mesmo tempo se estes países tirarem as mãos do Iémen, os iemenitas
vão encontrar uma solução. Encontraram uma solução em 2011 e vão encontrar
outra solução. Habitualmente, quando outros países colocam as mãos no Iémen
para resolver um problema criam um problema ainda mais complicado.
P - Mas agora como é que se pode resolver o problema? Entre
iemenitas ou, por exemplo, nas Nações Unidas?
R - Nós não confiamos nas Nações Unidas porque as Nações
Unidas não são uma organização livre. As Nações Unidas trabalham para as
grandes potências e quando indicam um enviado, em vez de resolver o problema o
mais rápido possível, prolongam-no e transformam-no num problema ainda maior.
As Nações Unidas nunca resolvem qualquer problema. Desde a causa palestiniana
até agora.
P - Quem pode resolver o problema?
R - Os iemenitas. O mais importante é que a Arábia saudita
tire as mãos do Iémen.
P - Quem pode fazer para que isso aconteça?
R - Ninguém. A menos que haja muita pressão de...
P - Das Nações Unidas?
R - Não, não das Nações Unidas.
P - Estados Unidos?
R - Estados Unidos, Rússia, países europeus... Mas até agora
não sentimos que alguém esteja a pressionar. Nem os russos...
P - Disse que não confia nas Nações Unidas... Também não
confia no secretário-geral? Ou no conselho de segurança?
R - O secretário-geral é um funcionário...
P - Se António Guterres estivesse aqui sentado connosco o
que é que lhe diria?
R - Ele tem relatórios das agências das Nações Unidas no
Iémen. Sentem pena de nós, mas quando a Arábia Saudita ameaça cortar apoios às
agências eles concordam.
P - Mas o que gostaria de lhe dizer?
R - Que siga a sua consciência e aplique a Carta das Nações
Unidas. Que não siga as grandes potências e o dinheiro da Arábia Saudita.
P - A Rússia está fora da guerra no Iémen...
R - A Rússia está envolvida na Síria. Disseram que quando
acabarem na Síria, olham para o Iémen...
P - Disse que apenas os iemenitas podem resolver a guerra,
mas como é que o vão fazer?
R - Temos uma Constituição que resulta de um diálogo de 9
meses. Temos de formar um Governo nacional, recolher as armas de todos os
grupos armados, e o governo nacional terá de ser reconhecido
internacionalmente, não apenas pela Arábia Saudita. Agora temos dois governos,
dois presidentes...
P - E possível sentar os dois presidentes à mesma mesa?
R - Não, não... Os iemenitas sentem que o presidente Hadi
está acabado. Quando me refiro a formar um governo nacional é com os partidos
políticos. Todos devem estar num novo Governo, todos os que têm vontade de
resolver o problema. Em todos os partidos políticos há pessoas que tentam tornar
as coisas mais fáceis e tentam resolvê-las. Em todos os partidos políticos
também há extremistas e são eles que controlam as forças políticas neste
momento. Quando se fala de diálogo, não se traz os extremistas para resolverem
os problemas.
P - Mas eles também são iemenitas...
R - Sim, eu sei, mas se queremos dialogar tem de ser com
pessoas que tentem encontrar soluções e que não tornem as coisas mais difíceis.
P - Assim o presidente Hadi não é parte da solução...
R - Todas as pessoas que nos arrastaram para esta situação
não devem fazer parte deste diálogo.
P - Mas será muito difícil obter a paz sem essas pessoas...
R - Em primeiro lugar Hadi não tem um partido político. Para
resolver um problema é preciso ter um partido político. Hadi já não faz parte
do Congresso Geral do Povo (maior partido político do Iémen) ... Não tem
partido que o possa nomear para um lugar à mesa das negociações. Não tem
exército porque o seu exército é o da Arábia Saudita. Não tem apoio do povo.
Até na sua cidade natal ele não tem apoio. Até em Aden... não pode ir lá...
Quando declarou Aden como capital o povo não o apoiou. Apenas é bem-vindo no “Palácio”
da Arábia Saudita. Somos iemenitas, queremos um presidente iemenita e somos os
únicos que o podemos escolher, não são os sauditas, é por isso que há guerra no
Iémen. Queremos ser independentes, escolher o Presidente e manter o nosso
sistema republicano e democrático.
josé manuel rosendo
Pinhal Novo, 22 de Novembro de 2017
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