Nem sequer houve abstenções. Catorze países do Conselho de
Segurança da ONU aprovaram uma resolução que condena o reconhecimento
unilateral (feito por Donald Trump) de Jerusalém como capital de Israel. A
resolução não passou porque os Estados unidos, tal como todos os outros quatro
países com assento permanente no Conselho de Segurança, têm poder de veto. E Os
Estados unidos vetaram. E a embaixadora norte-americana, Nikki Haley, disse que
a votação da resolução "é um insulto e um desprezo que não vamos esquecer".
A vitimização depois da asneira é algo que se não fosse tão triste daria uma
boa gargalhada. Assusta esta forma de ver as coisas e este tipo de reacção
ameaçadora. Infelizmente, estamos a falar da maior potência mundial. A forma
como os Estados Unidos estão a tratar uma questão tão melindrosa como é o caso
do estatuto de Jerusalém, revela uma de três coisas: 1 - absoluta ignorância; 2
- desprezo absoluto pelos direitos dos palestinianos (e de todos os muçulmanos
e cristãos) e simultânea cedência ao interesse do Governo de Israel; 3 -
factura a pagar pelos votos que colocaram Donald Trump na Casa Branca.
Detesto os maniqueísmos que colocam bons de um lado e maus
do outro. Nunca é assim nas Relações Internacionais, mas dos Estados Unidos
acumulam-se exemplos e casos que permitem questionar as decisões daquela que
não se cansa de se autoproclamar como a maior democracia do mundo. Três
exemplos: o bloqueio imposto a Cuba que acabou na Assembleia Geral da ONU com
os próprios Estados Unidos e Israel a serem os únicos a oporem-se à condenação
do bloqueio; a invasão do Iraque em 2003, baseada numa mentira levada ao
Conselho de Segurança por Colin Powell, então Secretário de Estado; e, agora, a
questão de Jerusalém. Nem é preciso falar no Pacto do Clima nem do acordo
nuclear com o Irão.
O desprezo referido por Nikki Haley é uma completa falácia
porque o verdadeiro desprezo foi aquele que os Estados Unidos revelaram pelas
resoluções das Nações Unidas, nas quais está muito bem estabelecido o estatuto
de Jerusalém e onde está também prevista a base de quaisquer negociações entre
os directamente envolvidos: israelitas e palestinianos. E de nada os Estados
Unidos se podem queixar, porque essas resoluções - pelo menos dez, aprovadas
entre 1967 e 2016 - tiveram a sua aprovação ou, pelo menos, não mereceram o seu
veto. Portanto, se de algum desprezo é possível falar, é dos Estados Unidos,
por tudo o que o Conselho de Segurança tem decidido sobre este conflito. O
embaixador de Israel, após a votação desta segunda-feira (18 de Dezembro) disse
algo que não é novo, mas é revelador: "os membros do Conselho (de
Segurança) podem votar e voltar a votar centenas de vezes. Isso não mudará o
facto de que Jerusalém é, foi, e será sempre a capital de Israel". Isto é,
o embaixador israelita na ONU revela absoluta indiferença por um fórum que, é
suposto, ponha alguma ordem no mundo. Está assim o Direito Internacional.
Por agora, o realismo político norte-americano está na sua
expressão mais dura. O poder militar e o poder económico ditam as regras.
Quero, posso e mando, é a máxima destes realistas que há muito fazem escola nos
Estados Unidos e têm seguidores um pouco por todo o mundo. O multilateralismo,
única via para acordos e decisões sustentáveis a médio e longo prazo, está a
ser atirado às urtigas. O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, que
admitiu pretender trabalhar precisamente para fazer regressar o
multilateralismo como forma de solucionar os conflitos, e de os evitar, tem
agora trabalhos dobrados.
Negociar é a única via. Cedências de todas as partes
envolvidas é a única solução.
Não é normal que a "maior democracia do mundo"
fique isolada, até perante aqueles que são os seus principais aliados no
Conselho de Segurança, como é o caso do Reino Unido e de França.
Já agora para
que conste, os actuais dez membros eleitos (não permanentes) são: Egipto,
Senegal, Bolívia, Japão, Etiópia, Uruguai, Itália, Cazaquistão, Suécia e
Ucrânia. Todos contra Donald Trump e o reconhecimento unilateral de Jerusalém
como capital de Israel.
PS - Por erro, no texto incial, indiquei vários países como estando no Conselho de Segurança que, afinal já tinham saído. Assim, saíram no final de 2016: Angola, Malásia, Venezuela, Nova Zelândia e Espanha. Acrescento que os países são eleitos para mandatos de dois anos. São eleitos cinco de cada vez, de modo a que todos os anos sejam substituídos cinco países. Estando quase no final de 2017 os países que terminam mandato são: Egipto, Senegal, Japão, Uruguai e Ucrânia. A correcção dos países que fazem parte do CS da ONU não altera o sentido do texto incial.
Pinhal Novo, 19 de Dezembro de 2017
josé manuel rosendo
Amigo, excelente artigo, mas muitos desses países não estão no conselho de segurança.
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