Foto: Press TV
Pretender
responder a esta questão - com a escassa informação disponível - de forma
peremptória e sem possibilidade de erro, é impossível. Exige-se cautela e cuidado
extremos na análise, mas é possível digerir alguns dados concretos.
É,
sem dúvida, um momento difícil para a grande potência xiita do Médio Oriente, pelo
menos em termos da imagem que está a circular nos media ocidentais.
Estamos
a falar de um país com mais de 80 milhões de habitantes, com a segunda maior
reserva mundial de gás e a quarta maior reserva mundial de petróleo. É também o
país com o qual as grandes potências assinaram um Acordo Nuclear que, agora,
Donald Trump (e Israel) quer rasgar. Os Estados Unidos nunca digeriram o que
passou em 1979. Após mais de 50 anos de domínio da dinastia Pahlavi (com
conhecida ajuda da CIA), o Irão passou a República Islâmica com a revolução de
1979 e, por esses dias, a Embaixada norte-americana em Teerão foi palco de um
braço-de-ferro com meia centena de reféns
durante mais de um ano e com uma operação militar de resgate falhada
por Washington.
Até
muito recentemente o Irão foi alvo de sanções internacionais já parcialmente
levantadas, mas os Estados Unidos mantêm um vasto leque de sanções contra
Teerão. A queda dos preços do petróleo também não ajudou a economia iraniana e
em 2015 a austeridade fez-se sentir no Orçamento. As agências internacionais
referem um desemprego de 12,5% sendo que 25% dos jovens estão sem emprego. O
rendimento médio por pessoa caiu de quase 7.000 dólares em 2013, para 5.470
dólares em 2016 (dados do Banco Mundial). O Presidente Hassan Rouhani chegou ao poder com a
promessa de melhorar a economia e as liberdades civis, mas estas manifestações
podem ser o sinal de grande frustração com a situação no país.
Como
funciona o complexo sistema iraniano?
Instituições
não eleitas:
Líder
Supremo – Escolhido por uma Assembleia de Peritos que vigia a sua actuação e
tem poderes para o afastar. O Líder Supremo nomeia juízes, o Conselho dos
Guardiões, o comandante das Forças Armadas e também os líderes da oração de
sexta-feira bem como os directores da rádio e da televisão.
Assembleia
de Peritos – mandato dos membros é de oito anos e realiza, em média, duas sessões
por ano.
Conselho
do Discernimento – Organismo Consultivo do Líder Supremo que nomeia os membros
desta Instituição. Tem poder de arbitragem nas disputas sobre legislação entre
o Parlamento e o Conselho dos Guardiões.
Sistema
de Justiça – o líder é nomeado pelo Líder Supremo. A Lei é baseada na Sharia.
Instituições
eleitas:
Conselho
dos Guardiões – Considerada a mais influente instituição iraniana. Seis
teólogos nomeados pelo Líder Supremo e outros seis pelos juízes e aprovados
pelo Parlamento. Ratifica e pode vetar as leis produzidas pelo Parlamento. Tem
poder de decisão sobre candidatos que pretendem concorrer a eleições.
Presidente
– Eleito pelo povo mas os candidatos têm de ser aprovados pelo Conselho dos
Guardiões. É o chefe do Governo e o responsável pela aplicação da Constituição.
Governo
– É escolhido pelo Presidente mas tem de ser aprovado pelo Parlamento.
Parlamento
– Deputados eleitos a cada quatro anos, mas a legislação que produz é sujeita a
ratificação.
É
este conjunto de instituições que exerce o poder no Irão. Religião e política
são uma e a mesma coisa ou não tivesse sido o anterior Ayatollah Khomeini a
dizer: “Tudo no Islão é política”!
É
dentro desse Islão político que surgem as recentes manifestações, precisamente
em Mashhad, segunda cidade do país e berço do actual Líder Supremo. A primeira
ideia que fica é a de que foram provocadas por um sentimento de revolta comum a
países submetidos à austeridade: há desemprego, há incerteza e houve,
recentemente, um anúncio de aumento dos combustíveis.
Aparentemente,
apenas há três origens possíveis para os protestos: a influência estrangeira
(como acusa o regime), a oposição conservadora rival da corrente liderada pelo
actual presidente Rouhani ou, hipótese aparentemente mais remota, uma revolta
popular genuína com a intenção de tentar fazer cair o regime e provocar uma
revolução.
Não
se conhecendo a origem (política) dos protestos é certo que estão a ganhar
dimensão e a alastrar. É também certo que são distintos dos que tiveram lugar
em 2009 e, desta vez, visam símbolos do regime e há palavras de ordem como “morte
ao ditador”.
O
Presidente Hassan Rouhani teve um discurso conciliador dizendo que é preciso
dar espaço aos iranianos para que possam exprimir as suas inquietações, mas
condenando a violência; quanto ao Supremo Líder, acusou os inimigos do Irão de
estarem a provocar as manifestações.
Aqui
chegados, convém passarmos as fronteiras do Irão e perceber o que se passa na
zona de influência xiita: o Irão está a vencer em vários palcos de conflito.
Descodificando: está a vencer no Iraque, aliado do Governo de Bagdad que
derrotou o Estado Islâmico; está a vencer na Síria, aliado do Governo de Bashar
al Assad que se aguentou no poder; está a vencer no Líbano, aliado do poderoso
Hezbollah que – se quiser – controla o país, e onde foi revertida a demissão do
Primeiro-Ministro, Saad Hariri, que se tinha demitido em Riad por clara pressão
da Arábia Saudita; no Yémen, estando ou não o Irão envolvido no apoio aos Houthis, é
certo que as coisas não estão a correr bem para a rival regional Arábia Saudita.
É este o cenário regional que certamente não agrada aos Estados Unidos (e a
Israel). E quando um país não pode ser derrotado nas guerras que disputa no
exterior, talvez possa ser derrotado internamente. Talvez...
Entretanto, mais de duas dezenas de mortos e várias centenas de detidos, é por agora o balanço conhecido dos confrontos e da repressão exercida pelo regime.
Pinhal
Novo, 3 de Janeiro de 2018
josé
manuel rosendo
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