Mostrar mensagens com a etiqueta Hassan Rouhani. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Hassan Rouhani. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Irão a votos

Iranianos já começaram a votar. Foto da Press TV (Irão) 

Ao ver algumas fotografias da campanha eleitoral no Irão, assaltam-me a memória outras imagens de uma outra campanha eleitoral que segui de perto, na Palestina. Corria o ano de 2006 e Yasser Arafat morrera em 2004. A marca que a memória registou foi precisamente a de uma campanha eleitoral em que a maioria dos cartazes, não era dos candidatos, mas sim de palestinianos já falecidos ou presos nas cadeias israelitas. Arafat era um desses casos, outro era o do Sheik Yassin, líder e fundador do Hamas, assassinado por Israel, e Marwan Barghouti, da Fatah, líder da segunda Intifada, preso desde 2002 e considerado ainda por muitos como o homem que pode vir a ser o futuro líder palestiniano. Foram estes homens que as forças políticas, principalmente Fatah e Hamas, escolheram para colocar nos cartazes de apelo ao voto e que faziam quase o pleno da propaganda eleitoral.


No Irão, por estes dias, os cartazes com a imagem do general Qassem Souleimani (assassinado pelos Estados Unidos), não fazem o pleno, mas estão presentes, para lembrar o mártir, mas principalmente como tentativa de criar um factor de união que leve os iranianos às urnas de modo a que o regime obtenha uma maior legitimidade.

Economia e Nuclear

Nestas eleições de 21 de Fevereiro há uma expectativa principal: saber se o moderado, Presidente Hassan Rouhani, obtém apoio para resistir à pressão, ou se os conservadores ganham terreno nos 290 lugares do Parlamento. Uma outra expectativa é a de saber qual vai ser a participação. Os apelos ao boicote têm surgido mas o Aiatola Ali Khamenei veio dizer que votar é um dever religioso. Em 2012 votaram 66% dos eleitores, em 2016 a participação caiu para 62%.

O Irão enfrenta uma forte crise económica que cresceu com a reposição e agravamento das sanções impostas pelos Estados Unidos da América, após Washington ter abandonado o Acordo Nuclear. O Presidente Rouhani, tido como grande influenciador do Acordo, e simultaneamente muito criticado internamente pelos termos do próprio Acordo, é agora também acusado de ser o responsável pela situação económica do país. A crise económica deu origem a grandes manifestações e a uma repressão que as autoridades iranianas negam, mas que os opositores do regime dizem ter provocado centenas de vítimas. Um terço dos eleitores tem entre 18 e 34 anos, uma faixa etária em que o desemprego toca os 18%, mas em que as mulheres são muito mais atingidas. O Fundo Monetário Internacional projecta um recuo da economia iraniana de 9,5% em 2019, com crescimento estável em 2020. A inflacção em 2019 ultrapassou os 30%.

Ao cenário económico e à contestação, junta-se o recente assassinato de Qassem Souleimani e o apelo para cerrar fileiras feito pelo regime. Saber qual destes factores vai pesar mais na decisão dos iranianos é a incógnita. Muitos poderão não ir às urnas porque também consideram que a abertura política e a prosperidade prometidas por Rouhani, afinal não se concretizaram. Em regra, a abstenção favorece a linha dura.

Moderados ou Conservadores?

58 milhões de eleitores vão ser chamados às urnas e uma das indicações que também vão dar está relacionada com as presidenciais do próximo ano. Rouhani não pode recandidatar-se, mas falta saber se os iranianos pretendem alguém da mesma linha considerada moderada e reformadora ou se preferem alguém da linha dura, sendo que muitos analistas dizem que as coisas não assim a preto-e-branco, existindo muitas nuances.

A Al Jazeera aponta como principais figuras o reformista Majid Ansari, o conservador Mohammad Bagher Ghalibaf e o ultra-conservador Morteza Agha Tehrani.

Para além de elegerem um Parlamento, os iranianos vão eleger também sete membros (dos 88) da Assembleia de Peritos, um órgão importantíssimo porque tem o poder de nomear o Líder Supremo do Irão.

Sendo que o Parlamento e a Assembleia de Peritos são os dois únicos órgãos do sistema político do Irão que eleitos por sufrágio universal, o problema está na desqualificação de muitos candidatos decidida pelo Conselho dos Guardiães, outro órgão do sistema político que é composto por seis religiosos nomeados pelo Líder Supremo e outros seis advogados eleitos pelo Parlamento. Os reformadores dizem que a desqualificação de muitos dos que queriam apresentar como candidatos inviabiliza a apresentação de candidaturas em vários círculos eleitorais.

Urnas abertas

À hora a que escrevo, as urnas já abriram. Face à desqualificação de muitos candidatos reformadores conhecidos da população, antecipa-se uma vitória dos conservadores. Não havendo sondagens no Irão, regresso às eleições palestinianas de 2006 para dizer que pode não ser avisado tentar antecipar resultados em eleições atípicas. Na Palestina, em 2006, mesmo havendo sondagens, elas revelaram-se absolutamente erradas. Essas sondagens davam uma vitória esmagadora à Fatah e até houve um jornal português que fez primeira página anunciando a vitória da Fatah antes de serem conhecidos os resultados. Mas não ganhou. Foi o Hamas que venceu as eleições, e com maioria absoluta.

Pinhal Novo, 21 de Fevereiro de 2020
josé manuel rosendo


quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Afinal, o que é que se passa no Irão?

Foto: Press TV

Pretender responder a esta questão - com a escassa informação disponível - de forma peremptória e sem possibilidade de erro, é impossível. Exige-se cautela e cuidado extremos na análise, mas é possível digerir alguns dados concretos.

É, sem dúvida, um momento difícil para a grande potência xiita do Médio Oriente, pelo menos em termos da imagem que está a circular nos media ocidentais.
Estamos a falar de um país com mais de 80 milhões de habitantes, com a segunda maior reserva mundial de gás e a quarta maior reserva mundial de petróleo. É também o país com o qual as grandes potências assinaram um Acordo Nuclear que, agora, Donald Trump (e Israel) quer rasgar. Os Estados Unidos nunca digeriram o que passou em 1979. Após mais de 50 anos de domínio da dinastia Pahlavi (com conhecida ajuda da CIA), o Irão passou a República Islâmica com a revolução de 1979 e, por esses dias, a Embaixada norte-americana em Teerão foi palco de um braço-de-ferro com meia centena de reféns  durante mais de um ano e com uma operação militar de resgate falhada por Washington.

Até muito recentemente o Irão foi alvo de sanções internacionais já parcialmente levantadas, mas os Estados Unidos mantêm um vasto leque de sanções contra Teerão. A queda dos preços do petróleo também não ajudou a economia iraniana e em 2015 a austeridade fez-se sentir no Orçamento. As agências internacionais referem um desemprego de 12,5% sendo que 25% dos jovens estão sem emprego. O rendimento médio por pessoa caiu de quase 7.000 dólares em 2013, para 5.470 dólares em 2016 (dados do Banco Mundial). O Presidente Hassan Rouhani chegou ao poder com a promessa de melhorar a economia e as liberdades civis, mas estas manifestações podem ser o sinal de grande frustração com a situação no país.

Como funciona o complexo sistema iraniano?

Instituições não eleitas:

Líder Supremo – Escolhido por uma Assembleia de Peritos que vigia a sua actuação e tem poderes para o afastar. O Líder Supremo nomeia juízes, o Conselho dos Guardiões, o comandante das Forças Armadas e também os líderes da oração de sexta-feira bem como os directores da rádio e da televisão.

Assembleia de Peritos – mandato dos membros é de oito anos e realiza, em média, duas sessões por ano.

Conselho do Discernimento – Organismo Consultivo do Líder Supremo que nomeia os membros desta Instituição. Tem poder de arbitragem nas disputas sobre legislação entre o Parlamento e o Conselho dos Guardiões.

Sistema de Justiça – o líder é nomeado pelo Líder Supremo. A Lei é baseada na Sharia.

Instituições eleitas:

Conselho dos Guardiões – Considerada a mais influente instituição iraniana. Seis teólogos nomeados pelo Líder Supremo e outros seis pelos juízes e aprovados pelo Parlamento. Ratifica e pode vetar as leis produzidas pelo Parlamento. Tem poder de decisão sobre candidatos que pretendem concorrer a eleições.

Presidente – Eleito pelo povo mas os candidatos têm de ser aprovados pelo Conselho dos Guardiões. É o chefe do Governo e o responsável pela aplicação da Constituição.

Governo – É escolhido pelo Presidente mas tem de ser aprovado pelo Parlamento.

Parlamento – Deputados eleitos a cada quatro anos, mas a legislação que produz é sujeita a ratificação.

É este conjunto de instituições que exerce o poder no Irão. Religião e política são uma e a mesma coisa ou não tivesse sido o anterior Ayatollah Khomeini a dizer: “Tudo no Islão é política”!

É dentro desse Islão político que surgem as recentes manifestações, precisamente em Mashhad, segunda cidade do país e berço do actual Líder Supremo. A primeira ideia que fica é a de que foram provocadas por um sentimento de revolta comum a países submetidos à austeridade: há desemprego, há incerteza e houve, recentemente, um anúncio de aumento dos combustíveis.

Aparentemente, apenas há três origens possíveis para os protestos: a influência estrangeira (como acusa o regime), a oposição conservadora rival da corrente liderada pelo actual presidente Rouhani ou, hipótese aparentemente mais remota, uma revolta popular genuína com a intenção de tentar fazer cair o regime e provocar uma revolução.

Não se conhecendo a origem (política) dos protestos é certo que estão a ganhar dimensão e a alastrar. É também certo que são distintos dos que tiveram lugar em 2009 e, desta vez, visam símbolos do regime e há palavras de ordem como “morte ao ditador”.

O Presidente Hassan Rouhani teve um discurso conciliador dizendo que é preciso dar espaço aos iranianos para que possam exprimir as suas inquietações, mas condenando a violência; quanto ao Supremo Líder, acusou os inimigos do Irão de estarem a provocar as manifestações. 

Aqui chegados, convém passarmos as fronteiras do Irão e perceber o que se passa na zona de influência xiita: o Irão está a vencer em vários palcos de conflito. Descodificando: está a vencer no Iraque, aliado do Governo de Bagdad que derrotou o Estado Islâmico; está a vencer na Síria, aliado do Governo de Bashar al Assad que se aguentou no poder; está a vencer no Líbano, aliado do poderoso Hezbollah que – se quiser – controla o país, e onde foi revertida a demissão do Primeiro-Ministro, Saad Hariri, que se tinha demitido em Riad por clara pressão da Arábia Saudita; no Yémen, estando ou não o Irão envolvido no apoio aos Houthis, é certo que as coisas não estão a correr bem para a rival regional Arábia Saudita. É este o cenário regional que certamente não agrada aos Estados Unidos (e a Israel). E quando um país não pode ser derrotado nas guerras que disputa no exterior, talvez possa ser derrotado internamente. Talvez...

Entretanto, mais de duas dezenas de mortos e várias centenas de detidos, é por agora o balanço conhecido dos confrontos e da repressão exercida pelo regime.


Pinhal Novo, 3 de Janeiro de 2018


josé manuel rosendo