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domingo, 15 de setembro de 2019

Afeganistão, 18 anos de guerra para a qual já não há argumentos.


 
Afeganistão, Cabul, comício de candidato presidencial em Agosto de 2009. Foto: jmr
É dos livros: a paz faz-se com os inimigos! Por mais ou menos (in)justiça que se queira encontrar numa guerra, tendo ou não havido lugar a atrocidades, quando é preciso assinar um acordo de paz as assinaturas que vão constar no documento terão de ser as daqueles que até aí se combateram. E as guerras, todas, têm um fim.


Tal como no Vietname, Os Estados Unidos vão ter de sair do Afeganistão, faltando apenas saber como será essa retirada. Da mesma forma que abandonaram Saigão, vencidos e humilhados, com os helicópteros a retirarem pessoas em pânico da embaixada norte-americana, ou de forma serena e sem ser a fugir do inimigo? A então União Soviética – derrotada, é certo – saiu do Afeganistão sem ser humilhada, numa retirada acordada e programada com o inimigo. A Rússia esteve quase 10 anos no Afeganistão; os Estados Unidos já lá estão há quase 18.

Fez a 11 de Setembro, 18 anos, que as torres gémeas e o Pentágono foram atacados, num acção, reconheçamos, de uma audácia e originalidade que surpreendeu o Mundo. Devido à violência e brutalidade pode ser difícil reconhecer que assim foi, mas muitos dos que estão a ler este texto recordam-se certamente de uma genuína reacção de incredibilidade: o que é isto? Um filme? Uma montagem...? Novas tecnologias? Foi preciso ver uma e outra e vezes sem conta, para percebermos que realmente aquilo – o ataque às Torres Gémeas e ao Pentágono – aconteceu mesmo e as imagens eram reais.

Não vale a pena repetir aqui a fórmula de que o Afeganistão é o cemitério dos impérios, mas os Estados Unidos sabem que mais tarde ou mais cedo vão ser obrigados – sim, obrigados -  a sair do Afeganistão. Ou isso, ou uma chacina com um preço político demasiado alto para qualquer inquilino da Casa Branca.

Em finais de Agosto, surgiu a notícia de que estava quase fechado um acordo entre os Talibã e os Estados Unidos, na sequência de longas negociações no Qatar. Zabihullah Mujahi, um porta-voz talibã, escreveu no twitter que o acordo estava próximo e esperava em breve poder dar boas notícias à nação muçulmana. A Shura reuniu-se na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão para avaliar o texto que estava a ser discutido no Qatar. Mas, de Washington, nunca chegou perspectiva do mesmo calibre. O Pentágono recusou falar em retirada, disse que é preciso assegurar que o Afeganistão não seja um santuário para ameaças aos Estados Unidos. O Ministro da Defesa, Mark Esper, disse que é preciso ver até onde eles (Talibã) chegam (nas condições de um acordo) e depois, então sim, poderá eventualmente falar-se de um acordo. Palavras cautelosas, tendo em conta que os Estados Unidos tinham como objectivo – sabe-se agora – fechar um acordo até às eleições presidenciais afegãs previstas para 28 de Setembro.

Aparentemente, o rascunho do acordo previa uma retirada relativa das tropas norte-americanas tendo como contrapartida que não fossem permitidas quaisquer acções da Al Qaeda ou do Estado Islâmico nos territórios que ficassem sob controlo Talibã. Donald Trump chegou a dizer que, em caso de acordo, dos actuais cerca de 14.000, 8.600 militares norte-americanos ficarão no Afeganistão (antes de deixar a Casa Branca, Barack Obama disse que iriam ficar 8.400), sem dizer por quanto tempo. A assinatura deste acordo significaria também um cessar-fogo e negociações de paz entre Talibã e Governo afegão. O emissário norte-americano para estas negociações, Zalmay Khalilzad, foi a Cabul mostrar o rascunho de acordo ao Presidente afegão, Ashraf Ghani. Um porta-voz de Ashraf Ghani chegou a dizer que o acordo previa um cessar-fogo e que poderia dar algum resultado desde que Talibã e Governo afegão (que não participou nestas negociações) negociassem directamente.

Talibã e Estados Unidos reconheceram que a guerra não tem uma solução militar e foi esse o ponto de partida para as negociações que começaram há cerca de um ano.

Ao longo destes 18 anos, os Estados Unidos chegaram a apostar no General David Petreaus para travar a insurgência no Afeganistão. O homem que travara, ou assim parecia...) a Al Qaeda no Iraque, e que viria a ser director da CIA, foi para o Afeganistão tentar replicar a estratégia que permitiu algum controlo da imensa província iraquiana de Al Anbar, santuário da Al Qaeda. Depressa percebeu que o Afeganistão era diferente. Esteve por lá um ano e virou costas, pouco depois de os Estados Unidos anunciarem a morte, em Maio de 2011, de Ossama Bin Laden – promessa anunciada logo após o 11 de Setembro e, por fim, cumprida.

Para além de Bin Laden, também vários líderes da Rede Haqqani, principal braço-armado talibã, foram abatidos nos últimos anos, mas nem isso enfraqueceu a insurgência. De uma forma pragmática, que alguns em Washington reconhecem, não há dúvidas sobre a deterioração da situação no Afeganistão. Os Talibã têm vindo a recuperar terreno, controlam uma grande parte do território e não existe nenhuma perspectiva de que esta tendência possa mudar. Os Estados Unidos continuam a somar baixas e a jogar à defesa denunciando a incapacidade para fazer outra coisa a não ser evitar um maior número de caixões cobertos com a bandeira dos Estados Unidos. Os ataques frequentes, desde há muitos anos, naquela que é a zona mais segura da capital afegã, são um sinal evidente da resiliência Talibã e da incapacidade norte-americana/Governo afegão, para susterem e anularem o inimigo.

É certo que mesmo com as negociações a decorrer e com o emissário norte-americano em Cabul para apresentar o acordo ao Presidente afegão, os Talibã continuaram os ataques, mas não deixa de ser caricato que Donald Trump, no fim de tudo isto, tenha dito que acabaram as conversas com os Talibã porque, num desses ataques recentes, morreu um militar norte-americano. Donald Trump também cancelou um encontro, em separado, em Camp David – até então mantido em segredo – com representantes Talibã e o Presidente afegão. Da expectativa de um acordo que acabasse com a mais longa guerra em que os Estados Unidos alguma vez se envolveram, passou-se para um ranger de dentes ainda mais feroz com Donald Trump a prometer atacar os Talibã de uma forma até agora nunca vista. A reacção não se fez esperar e os Talibã ameaçam “fazer sofrer a América”. O porta-voz Zabihullah Mujahid disse que há duas maneiras de acabar com a ocupação do Afeganistão: através da guerra ou de negociações, e acrescentou que se Trump não quer negociar, muito em breve vai arrepender-se de escolher o caminho da guerra.

Também é certo que se houver uma retirada o Afeganistão dificilmente encontrará a paz e poderá até mergulhar numa guerra civil, mas não é menos verdade que essa guerra civil já existe, sendo que a única diferença é a influência exercida pelas forças estrangeiras presentes no Afeganistão.

Se os arquivos da Casa Branca guardarem o que lhes é enviado do Afeganistão, vão certamente encontrar uma carta aberta enviada pelos Talibã, em Agosto de 2017. Nessa carta, o “Emirado Islâmico do Afeganistão” lembra que já foram aliados dos Estados Unidos e desafia Trump a ficar na história como o Presidente dos Estados Unidos que não deixa as questões da guerra apenas nas mãos dos militares que têm interesses próprios para manter esta guerra. Em duas dezenas de parágrafos há espaço para uma mensagem que devia fazer pensar Donald Trump: “No Afeganistão, cada pai ensina aos filhos a emancipação do país em relação aos invasores. Num país onde cada criança é criada com um espírito de vingança e detém a honra histórica de derrotar três impérios antes da invasão dos Estados Unidos, como conseguirão os norte-americanos uma situação estável para uma presença permanente? Todos percebem que o principal motor da guerra no Afeganistão é a ocupação estrangeira”.

Pinhal Novo, 15 de Setembro de 2019
josé manuel rosendo

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

É preferível estabilizar ditadores? Essa agora…


11 de Setembro à noite. No momento em que liguei a televisão estava na TVI 24. Não costuma estar porque apenas por lá passo por dever profissional. Mas desta vez estava e ficou. O tema interessava-me. Médio Oriente, Estado islâmico… Os protagonistas – Jaime Nogueira Pinto, Francisco Seixas da Costa e Nuno Barrento Lemos – prometiam, porque são conhecedores, estudiosos e informados. E depois, porque não tinha apanhado o início da conversa que me agarrou, voltei atrás. Confirmei o que me pareceu ter ouvido e que me fez abrir a boca de espanto. 

Em determinado momento, a propósito de ser ou não possível estabelecer democracias tipo ocidental naquela região do mundo, e tendo em conta as consequências da queda de Mohammar Kadhafi (na Líbia) e Saddam Husseín (no Iraque), Francisco Seixas da Costa admitiu que, face às características dos países em causa, “custa dizer isto mas se calhar é verdade, por vezes é preferível estabilizar ditadores e mantê-los contidos” do que chegarmos a situações como as que vivemos actualmente na região em causa com guerras civis na Síria e no Iraque, e na Líbia. 

Admirei-me, vindo de quem vem, habituado que estou a vê-lo fazer a defesa dos direitos humanos, da liberdade e da democracia. Pensava eu que era uma defesa de âmbito universal que não discriminasse regiões nem as pessoas que nelas vivem. É certo que a experiência enquanto diplomata permite “almofadar” todas as afirmações e assim também sublinhou que o ocidente (entenda-se Estados Unidos) foi de uma incompetência absoluta na tentativa de reconstrução do Iraque.

De facto, não é possível, não pode ser possível, concordar com a “estabilização” e “contenção” de ditadores em nome de algo que permita ao ocidente viver em paz. Não é possível concordar com esta tese, nem em termos político-ideológicos nem em termos morais. Desde logo, e porque a data de 11 de Setembro nos traz à memória não apenas os atentados que atingiram os Estados Unidos mas também o golpe de Estado no Chile, que derrubou o Presidente eleito Salvador Allende e mergulhou o Chile numa ditadura militar. 

O Chile foi “estável” e Pinochet esteve “contido” entre 1973 e 1990. A lógica que levou os Estados Unidos e a CIA a prepararem o golpe militar no Chile contra Salvador Allende é mais ou menos do mesmo tipo que pode levar alguém a pensar que é preferível ter ditadores “estabilizados e contidos” no Médio Oriente. No caso dos Estados Unidos (a célebre Doutrina Monroe) era o de não ter à porta o elemento desestabilizador consubstanciado num Presidente socialista no Chile (já chegava Cuba…); no caso da teoria explanada esta noite na TVI – preferir os ditadores ao caos em que se transformou a região - é o de não ter uma (várias…) guerra (s) cujas consequências atingem a Europa, seja através dos atentados, seja através da vaga de refugiados. Apesar desta semelhança de lógicas deixo muito claro que acredito que Francisco Seixas da Costa não teve e não tem nenhuma simpatia pelo golpe que afastou Salvador Allende.

Outros factos que é preciso ter em conta sobre a situação no Médio Oriente é o de que Saddam caiu derrubado pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha e ajudantes, numa clara tentativa de mudança de regime feita a partir do exterior; Kadhafi caiu devido à revolta dos líbios (embora com ajuda externa…) durante a chamada Primavera Árabe. No primeiro caso, acção absolutamente condenável, até porque assentou numa mentira fabricada para justificar a invasão; no segundo caso, acção perfeitamente aceitável porque qualquer povo tem o direito inalienável de ser livre e a tentar essa liberdade, desenvolvendo uma revolta para afastar um ditador, independentemente do resultado que venha a conseguir.

Basta atendermos ao exemplo de Portugal: o 25 de Abril de 1974 foi uma revolta militar que derrubou uma ditadura. Quando os militares saíram à rua ninguém podia garantir que a democracia seria instalada. E se o regime tivesse tido capacidade de resposta? E se tivesse havido uma guerra civil? Será que nós podemos tentar e os outros não? Aos outros reservamos os “ditadores estabilizados” e “contidos” para podermos viver a nossa vida sem o desassossego que as guerras no Médio Oriente nos provocam? O chamado Ocidente não pode ser assim tão egoísta. Acredito piamente que Francisco Seixas da Costa não tem qualquer tipo de simpatia por ditadores, mas acredito igualmente que é perigoso semear este tipo de ideias.

Pinhal Novo, 11 de Setembro de 2016

josé manuel rosendo