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terça-feira, 10 de abril de 2018

Síria: agora Ghouta Oriental… segue-se Idlib? “Idlib não pode transformar-se num campo de batalha” (Jan Egeland)



"E a resposta do mundo? Palavras vazias, condenações fracas e um Conselho de Segurança paralisado pelo uso do veto." Foi assim que Zeid Ra'ad al-Hussein, Alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, comentou a situação na Síria.

Desde logo, uma coisa é certa: não há jornalistas no terreno, a não ser os sírios que trabalham nos órgãos de informação de Damasco. Do lado dos rebeldes a informação que nos chega é a dos próprios rebeldes. Damasco terá muita dificuldade em fazer com que acreditemos na informação que nos chega por essa via. Tal como os rebeldes. Uns e outros acabam por ser vítimas da ausência de jornalistas.

É verdade que as imagens são dramáticas. Os efeitos de gás de cloro ou seja o que for, principalmente em crianças, deixam-nos de coração apertado. Não se sabe ao certo se foram utilizadas bombas de cloro ou que tipo de gás foi utilizado. Não se sabe ao certo quem as utilizou. E, não relativizando ou desvalorizando o sofrimento daqueles que tais imagens mostram, é bom não esquecer que a guerra na Síria está a matar desde 2011. Repito: não desvalorizando a alegada utilização de armas químicas, por parte do regime de Assad ou de quaisquer outras forças, a chamada comunidade internacional não deve, não pode, olhar para este momento específico e esquecer todos os anos que passaram e em que… nada fez.  No caso da Síria e em muitos outros.

Lembram-se do menino curdo que apareceu morto numa praia turca? Aylan Kurdi (o curdo), o irmão Galip, e os pais, saíram de Kobani com o objectivo de chegar ao Canadá. O sonho morreu nas águas do Mediterrâneo. Aylan, Galip e a mãe, regressaram a Kobani para aí serem sepultados. O mundo indignou-se, as redes sociais encheram-se de partilhas e faixas negras. Entretanto, o drama dos refugiados continua. Muitos acantonados na Turquia, com a União Europeia a pagar para os manter à distância. A indignação desapareceu…

Lembram-se da campanha por causa da adolescente palestiniana Ahed Tamimi que acabou condenada a oito meses de prisão? Pois, mas quase todos os dias morrem palestinianos, seja em Gaza seja na Cisjordânia. E as resoluções das Nações Unidas continuam por cumprir. A indignação… tem dias.

Estas ondas de indignação são apenas um lavar de alma de uma comunidade internacional (nós) demasiado acomodada, demasiado focada em interesses menores, e que se serve destes momentos para uma espécie de catarse com a qual pretende autojustificar-se.
Gostaria de não ser mal entendido Não estou a dizer que os casos como os do menino curdo ou da adolescente palestiniana, não mereçam ser condenados e que não deva haver indignação O que estou a tentar dizer é que isso não é suficiente e até pode ajudar a fazer esquecer as grandes questões de que esses exemplos são apenas uma pequeníssima amostra.

Na Síria, sejam quais forem os verdadeiros números da desgraça (entre 350.000 e 500.000 mortos) em sete anos de guerra, para além dos milhões de refugiados e deslocados, são esses números que nos devem envergonhar.

Douma, cerca de 10 km a nordeste de Damasco, faz parte da região de Ghouta Oriental e é o último reduto da oposição a Bashar al Assad nas proximidades da capital. Aparentemente, há um acordo para que os combatentes da Jaish al Islam e respectivas famílias sejam retirados e levados para Idlib.

Chegados à província de Idlib, a única que é controlada pela oposição síria, dividida em diferentes grupos rebeldes, é porventura tempo para esperarmos uma de duas possibilidades: a “última batalha” ou um acordo entre Governo sírio e grupos da oposição (em moldes que não fáceis de prever…). E se essa última batalha tiver lugar, a única certeza é de que será muito pior do que foi em Ghouta Oriental. António Guterres disse de Ghouta Oriental que era o “inferno na Terra”, mas no caso de Idlib essa será porventura uma expressão insuficiente.

A possibilidade de Idlib ser palco de uma “última batalha” não deve ser excluído: é a região que falta para que Bashar al Assad controle todo o país, ou quase, e tratar então de fazer sair as tropas turcas de Afrin (cantão curdo).

Jan Egeland, conselheiro especial do enviado da ONU para a Síria (Staffan de Mistura) deixou bem claro o perigo que espreita em Idlib: "Precisamos aprender com as batalhas de Homs, Aleppo, Raqqa, Deir al-Zor e Ghouta Oriental. Idlib não se pode transformar em uma zona de batalha, está cheia de civis que são deslocados vulneráveis".

Jan Egeland lembra que Idlib é “o maior aglomerado de campos de deslocados no mundo” com cerca de 1,5 milhões de pessoas. Juntemos a estas pessoas as dezenas de milhares de combatentes que se têm aglomerado em Idlib depois de derrotados em outras regiões da Síria. Juntemos ainda a panóplia de forças de vários países e temos, na região de Idlib, o caldo perfeito para promover mais uma tragédia. Seria muito bom que assim não fosse.

Pinhal Novo 10 de Abril de 2018

josé manuel rosendo

quinta-feira, 1 de março de 2018

Quem é terrorista na guerra síria?



A questão de saber quem é terrorista, voltou a emperrar as mais recentes negociações para a resolução que o Conselho de Segurança aprovou, por unanimidade, para um cessar-fogo de 30 dias. As armas calam-se, mas quando se tratar de grupos ligados à Al Qaeda ou ao Estado Islâmico, o cessar-fogo não se aplica. Assim ficou definido.
Aliás, o actual momento da guerra na Síria está muito mal explicado. Se por um lado o Conselho de Segurança votou um cessar-fogo, por unanimidade dos 15 membros, ele nunca entrou de facto em vigor. E neste caso o que é mais difícil entender é que um dos membros (Rússia) que votou essa resolução, surja poucos dias depois a declarar uma “trégua humanitária” diária entre as 09h00 e as 14h00. Isto é: a Rússia troca uma resolução do Conselho de Segurança, que deveria defender, por uma trégua que ela própria declara e impõe de forma unilateral. Pensar que o Direito Internacional ainda tem algum valor substantivo é tarefa impossível.

Como também sempre acontece, neste e em outros conflitos, seja com uma trégua de algumas horas por dia ou mesmo com um cessar-fogo mais abrangente, os diferentes opositores acusam-se entre eles de violação dessa trégua. Como é evidente, todos negam as violações que lhes são atribuídas.

O que se passa em Ghouta Oriental, nos arredores de Damasco tem muitas semelhanças com o que aconteceu em Aleppo. Os diferentes grupos de combatentes, pressionados pelas forças do Exército sírio e aliados, que vão ganhando terreno, vão-se acantonando nas áreas que ainda controlam. Essas áreas são cada vez mais pequenas, à medida que aperta o cerco imposto por Assad, russos e aliados pró-iranianos. Vai chegar a um momento – já lá chegámos – em que é insustentável, para combatentes e civis, continuar a viver em Ghouta, se não estiverem dispostos a morrer. Porque é isso que vai acontecer se outra solução não for encontrada.

Com esta situação, qual é a alternativa? Eventualmente permitir, tal como em Aleppo, que combatentes e os civis que assim queiram, sejam levados para outro local. Esse outro local, controlado por rebeldes, só pode ser Idlib. Mas desde já é bom notar que também em Idlib o cerco está a apertar. Basta seguir os mapas que mostram os ganhos e perdas territoriais dos diferentes protagonistas para poder concluir que, quando Idlib for o último reduto rebelde, vai ser aí que Assad e aliados vão concentrar forças para uma eventual batalha final.

Aqui chegados, sabemos exactamente quem são as forças do Governo de Bashar al Assad; sabemos que os russos têm bases militares no terreno e que há forças pró-iranianas também a combater ao lado de Assad. Um pequeno parêntesis para dizer que os norte-americanos e turcos também estão no terreno, embora não na região de Ghouta/Damasco. E depois disto tudo sabemos muito pouco: o Exército Livre da Síria tem vindo a perder expressão; há uma panóplia de grupos combatentes, uns mais poderosos que outros, mas que temos dificuldade em perceber e definir. Muitos desses grupos, que de início até teriam objectivos puramente políticos (ou pelo menos não submetidos a uma bandeira de carácter religioso) estão num momento em que trabalham sobretudo para a sua própria sobrevivência. As alianças entre eles são absolutamente imprevisíveis e mudam consoante as tais necessidades de sobrevivência.

A questão de saber quem é (ou quem deve ser) considerado terrorista, tem sido um bloqueio em todas as negociações, seja sob a égide da ONU ou em Astana, com russos, turcos e iranianos a puxarem os cordelinhos. Se a ONU sempre tende a “convidar” a esmagadora maioria dos grupos que combatem na Síria, em Astana o filtro dos convites é mais apurado. Num caso e no outro há grupos que nunca chegam a sentar-se à mesa; outros que são recusados pelos anfitriões e outros que, por imposição de alguns que se sentam à mesa, acabam por não ter voz.

Para uma melhor compreensão das forças no terreno e para ficarmos elucidados quando à sua natureza, basta conferir a informação divulgada pelos principais protagonistas. Ver quem é acusado de terrorista por Governo sírio, Exército Livre da Síria, Turquia, Irão e até Iraque, vai levar-nos a um labirinto cuja porta de saída – saber quem é terrorista – é impossível de encontrar.

Perguntar-se-á: então como é que isto se resolve? Após sete anos de guerra, é bom não esquecer que tudo começou com o pedido de libertação de um grupo de jovens estudantes que tinham feito inscrições numas paredes. O regime reagiu de forma violentíssima e a reivindicação passou a ser realização de eleições livres, crescendo depois para a exigência da queda de Assad. A partir daí a história é conhecida.

Como em todos os conflitos, a única solução é sentar à mesa das negociações TODOS os que estejam dispostos a dialogar. Depois, é necessário que todos percebam que TODOS têm de ceder alguma coisa e então sim, pode começar um processo que deixe as armas em descanso. O problema é que esse momento de necessidade de diálogo apenas acontece quando todos os protagonistas sentem que não podem ganhar a guerra. Enquanto as acusações de terrorismo estiverem nos discursos, a Síria não terá descanso. Utopia? Será, mas em todos os conflitos a paz só é possível quando, aqueles que se guerreiam, e odeiam, apertam as mãos. E falta falar de Afrin e dos curdos, mas essa é outra questão, que nunca se sabe se não poderá ter consequências piores do que aquelas que neste momento estão no topo das preocupações.

Pinhal Novo, 1 de Março de 2018
josé manuel rosendo