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quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Sentimos vergonha por Aleppo?


A foto é da autoria de Abdalrhman Ismail, da Agência Reuters, publicada na Al Jazeera.

Aleppo caiu. As forças rebeldes (Exército Livre da Síria e pouco mais) sucumbiram perante o maior poderio militar do governo sírio e das milícias do Hezbollah libanês que tiveram o apoio dos bombardeamentos aéreos russos.

Não se sabe ao certo quantas pessoas estão na zona oriental da cidade; não se sabe ao certo porque lá ficaram e se, agora, querem sair; não se sabe ao certo que tipo de garantia estas pessoas têm de que não vão ser acusadas de cumplicidade com os rebeldes; não se sabe, ainda, grande coisa, sobre o acordo de cessar-fogo. Há muito por saber, mas sabe-se – e a ONU pode falhar por omissão mas não costuma falhar quando faz acusações muito directas – que nas últimas horas 82 civis foram executados em casa pelas forças do regime sírio ou forças aliadas. E é bom não esquecer que o regime sírio tem cometido toda a espécie de crimes: tortura, execuções, prisões secretas, milhares de desaparecidos, bombardeamentos indiscriminados. Pode haver, e certamente há, muita propaganda contra Bashar al Assad, mas existem inúmeras fontes a darem conta desse tipo de atrocidades e não é mais possível ignorar a brutalidade do regime.

Do lado dos rebeldes também há notícias de atrocidades contra os civis, em particular contra os que tentaram passar para a zona oeste controlada por Damasco. Sendo tudo isto absolutamente condenável, não é fácil entender como é que algumas pessoas de esquerda em Portugal defendem um regime execrável apenas porque tem o apoio da Rússia e condenam os rebeldes apenas porque têm a simpatia de alguns países ocidentais; enquanto à direita apenas se condena os ataques com apoio da Rússia e do Irão esquecendo que do lado rebelde a forma de fazer a guerra também não é "flor que se cheire".

A Batalha de Aleppo, é uma moralizadora vitória para Assad e permite construir um eixo contínuo de cidades sírias (Aleppo, Idlib, Homs, Damasco e Daara) na região oeste do país. É um eixo que fica “colado” às duas províncias alawitas que são a base de apoio do Presidente Bashar al Assad. Estas cidades significam também a zona mais habitada, mais fértil e são a estrutura de suporte da Economia síria. Por outro lado estão concentradas num faixa pequena do território o que permite a sua mais fácil defesa em termos militares.

Mas a conquista de Aleppo não é um ponto final na guerra na Síria, uma guerra que tem duas frentes e até se pode dizer que são duas guerras. O regime sírio combate as forças da oposição que defende a revolta iniciada em 2011 e também combate o Estado Islâmico que ainda controla várias cidades sírias. A conquista de Aleppo parece ter levado a uma concentração do esforço militar na missão de Aleppo, obrigando a “destapar” outras necessidades militares como era o caso da protecção à cidade de Palmira. Essa opção (?) permitiu ao Estado islâmico reconquistar a cidade. Para além da derrota, as forças sírias perderam também muito equipamento militar para os extremistas. A Agência de notícias do Estado Islâmico divulgou esta terça-feira um vídeo de uma alegada base militar russa em Palmira, completamente deserta, e onde foi deixado muito armamento.

Agora resta saber qual é a capacidade militar do regime – fortemente diminuída após mais de cinco anos de guerra – para manter Aleppo e as outras cidades, para reconquistar Palmira e, vai ser terrível, desencadear um eventual ataque à capital do Califado, a cidade de Raqaa. Falta também saber qual a capacidade da oposição síria, em particular do Exército Livre da Síria, para reagrupar forças e tentar obter apoios internacionais para manter a oposição militar ao regime de Bashar al Assad. Em declarações à Al Jazeera, Haji Hassan, líder do concelho rebelde de Aleppo prometeu que a revolução vai continuar e desmentiu a influência da Jabat Fatah al Sham (antiga Front al Nusra, ligada à Al Qaeda) na cidade: “não são mais do que um por cento” dos rebeldes.

Esta é a análise fria da situação, mas o importante seria mesmo que as armas agora caladas em Aleppo se calassem em toda a Síria. As imagens que nos chegam de Aleppo deveriam envergonhar-nos a todos. O chamado falhanço da comunidade internacional é, nem mais nem menos, do que o nosso falhanço colectivo. Em pleno século XXI as nossas sociedades já deveriam ter força suficiente para exigir aos líderes políticos que encontrem forma de acabar com a tragédia.

Pinhal Novo, 14 de Dezembro de 2016

josé manuel rosendo

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

E depois do Estado Islâmico?


Após os atentados de Paris, as emoções estão (ainda) à flor da pele e quando não alinhamos no instinto primário da vingança somos quase automaticamente colados aos defensores e autores da barbárie.

Ponto prévio: é muito escassa a informação fidedigna sobre o Estado Islâmico. Sabemos quase nada e o que sabemos tem origem na propaganda do próprio Estado Islâmico e na propaganda anti Estado Islâmico. Na maior parte dos casos a informação tem origem em fontes impossíveis de verificar. Existe uma guerra e, como em todas as guerras, a propaganda e a contra-informação fazem o seu caminho. Em qualquer guerra a face visível do confronto é apenas uma pequena parte do que de facto está em jogo.

Há várias semanas que, oficialmente, Estados Unidos e Rússia anunciam centenas de voos e milhares de alvos atacados. Das duas uma: ou o Estado islâmico tem uma dimensão, capacidade e organização, que ninguém quer admitir ou estão a largar bombas de forma indiscriminada sem terem noção dos alvos que estão a atingir e correndo o risco de provocar os habituais danos colaterais.

Aceitando como boa a informação que Estados Unidos e Rússia têm divulgado sobre os ataques aéreos, poucos terão dúvidas sobre o futuro do Estado Islâmico. Quando as duas grandes potências mundiais (e outras) descarregam toneladas de bombas na Síria e no Iraque, torna-se evidente que o Califa e os seus seguidores vão ser pulverizados ou, quanto muito, ficarão reduzidos a pequenos grupos dissimulados na população e de regresso à estratégia de guerrilha.

Convém no entanto avaliar alguns dados: porquê apenas agora o intensificar dos bombardeamentos? Porquê apenas agora os ataques a zonas petrolíferas (dizem…) e a camiões cisterna de transporte de petróleo? O que é que estes ataques significam? Vão “desfazer” o Estado Islâmico e deixar a sírios e iraquianos o resto do problema? E depois há aquela pergunta de “1 milhão de dólares”: a quem interessa esta guerra e a existência do Estado Islâmico? Há tantas respostas possíveis, mas a participação de várias potências e vários actores regionais nesta guerra tem desde logo um significado muito simples: querem ter uma palavra sobre o futuro da região quando o Estado Islâmico acabar. Acho que já vimos algo parecido precisamente na mesma região.

O futuro passa por uma pergunta simples de resposta terrivelmente complexa: e depois do Estado Islâmico? Desde logo não é de todo impossível que o Estado Islâmico não evolua para um “estado sunita” (faltando saber em que moldes e em que território). Há teorias nesse sentido. Depois: acabada a guerra com o Estado Islâmico (com a qual todos parecem concordar), o que fazer com Bashar al Assad? Como resolver o problema na Síria, palco para uma miríade de grupos mais ou menos extremistas, mais ou menos laicos? O que fazer com os curdos? O que fazer com o PKK (que combate o Estado Islâmico), considerado terrorista pelo ocidente? O que fazer com as (YPG) Unidades de Protecção Popular (que também combatem o Estado Islâmico) marcadas com o mesmo rótulo? O que fazer com os combatentes do Estado Islâmico que sobreviverem?

Um exemplo simples ajuda a explicar a complexidade da situação: Mossul. A segunda maior cidade do Iraque fica na fronteira da zona árabe com a zona curda. É reivindicada por curdos e árabes. Neste momento, a questão que já se discute no terreno é a de saber quem fica a controlar a cidade após a expulsão do Estado Islâmico. Parte da população de Mossul prefere viver com o Estado Islâmico a ver entrar os xiitas e as previsíveis vinganças; os xiitas querem a cidade para eles porque vão ter que ser as milícias xiitas, juntamente com as forças do governo de Bagdad – também quase só xiitas – a desencadear o ataque à cidade; os curdos reivindicam a cidade e têm o argumento de terem travado o Estado Islâmico quando o exército iraquiano bateu em retirada. Não é possível tomar Mossul sem a colaboração dos curdos mas estes não confiam na capacidade das forças de Bagdad – dizem que não podem confiar num governo que precisa de milícias para defender o seu próprio povo.

Sobre Raqaa, na Síria, declarada capital do Estado Islâmico, podemos fazer perguntas semelhantes embora envolvendo actores diferentes. Alguém sabe responder a tantas perguntas e a questões tão complexas? Parece haver, no entanto, uma resposta segura: vamos ter outras guerras na região depois de terminada a guerra ao Estado Islâmico.

Pinhal Novo, 7 de Dezembro de 2015

josé manuel rosendo