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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Tanta preocupação com o défice de Democracia na Venezuela...



O título conduz inevitavelmente à pergunta a que convém desde já responder: e a preocupação faz sentido? A resposta é óbvia: claro que sim! Quem tem a Liberdade por azimute principal, preocupa-se com a Democracia. Escrevi Democracia, não apenas eleições periódicas.

Por regra, em circunstâncias semelhantes às da Venezuela, os Estados Unidos fazem uma declaração, a União Europeia também, e logo alguns fazedores de opinião se apressam a dizer que a “Comunidade Internacional” disse isto e mais aquilo. Não, a “Comunidade Internacional” não é apenas Estados Unidos e União Europeia. Aliás, António Guterres, Secretário-geral das Nações Unidas disse que está disponível para ajudar a encontrar uma solução, mas lembrou a Juan Guaidó que o reconhecimento de Governos é uma responsabilidade da Assembleia-Geral da ONU.  

De Washington veio a ameaça de atirar Nicolas Maduro para Guantánamo (!) e a possibilidade de utilizar tropas norte-americanas na Venezuela. Coisa pouca. A União Europeia, fez um ultimato a Maduro dando um prazo para a realização de eleições. Em contraponto, Rússia, China, Irão, Turquia, são alguns dos países que declararam solidariedade a Nicolas Maduro, recusando reconhecer Juan Guaidó como Presidente interino da Venezuela. Foram estas algumas das reacções da “Comunidade Internacional” e assim estão dispostas as peças no tabuleiro da Venezuela.

De forma maniqueísta poderíamos apenas recorrer ao velho ditado: diz-me com quem andas dir-te-ei quem és! Mas seria redutor.

Convém ter presente que as ameaças de Donald Trump têm um potencial de concretização sem equivalência na solidariedade que outros países declararam a Nicolas Maduro. China, Rússia, Irão, Turquia, não vão certamente enviar tropas para a Venezuela – a solidariedade que declaram é um formalismo resultante da política de não ingerência que estes países defendem no âmbito das Relações Internacionais.

A questão é outra e não adianta tentar escondê-la: o que os Estados Unidos estão a fazer com a Venezuela e têm feito com toda a América abaixo da fronteira com o México (ou já está esquecida a Doutrina Monroe?) é apenas a atitude do fazendeiro que não quer ver os “quintais” dos Estados Unidos permeáveis a regimes políticos que não lhe agradem. Ou não foi assim com o Chile e com Cuba, apenas para dar dois exemplos? Se a América de Monroe devia ser apenas para os americanos (nesse tempo contra os colonizadores europeus), agora deve estar tudo sob controlo de Washington e de preferência sem qualquer tipo de simpatia por outra coisa que não os grandes liberais da Escola de Chicago. Se o “quintal” em causa tiver petróleo, bom e barato, então nem se fala mais nisso e se não for a bem é à força.

Por outro lado, quem quer falar de Democracia dificilmente poderá pensar que retira algum benefício de receber o apoio de Rússia, China, Irão e Turquia. Aliás, estes países não deixariam passar a oportunidade de afrontar Washington, com a Venezuela ou com outro qualquer motivo. Maduro saberá disso, mas está acossado e agarra-se a qualquer bóia que lhe seja atirada, até porque ali ao lado a ameaça é bem real. Se sentir que não lhe foge o apoio dos militares, podemos esperar o pior para a Venezuela.

Aquilo a que estamos a assistir é muito simples: as grandes potências, todas, cuidam da sua “zona de influência” - se não lhe quisermos chamar “espaço vital” apenas porque foi desenvolvido pelo Partido Nazi de Adolf Hitler. É disso que se trata. Se cada uma delas puder “picar” a zona de influência das outras, tanto melhor.

Quem se escandaliza com a acção da Rússia na Ucrânia e na Crimeia, deixa de lado o que os Estados Unidos fazem com a Venezuela e têm feito um pouco por toda a América, quando é afinal a mesma lógica. E a União Europeia que não lave as mãos porque a ofensiva a alguns países da antiga União Soviética é também um ataque ao espaço de influência da Rússia. Perguntarão se cada país não terá o direito de escolher os seus alinhamentos. Claro que sim, mas recusar ver a realidade é também um exercício de grande hipocrisia intelectual e política.

O que é importante na análise da crise política na Venezuela é tentar o equilíbrio, não “à Pilatos”, mas com a objectividade possível em função das acções de cada um dos envolvidos.

Lembram-se quando muitos se manifestavam, e bem, contra o Muro da Vergonha (em Berlim)? Muitos desses parecem estar agora muito confortáveis com outros muros. Da fronteira dos Estados Unidos com o México, passando pelos países europeus que travaram o fluxo de refugiados, até à Cisjordânia e à Faixa de Gaza, e seguindo por aí fora... aqueles que contestaram o Muro de Berlim parecem agora resignados. Ou confortáveis? Há muros e muros. Há a vergonha e a falta dela.

Voltando à questão da Democracia na Venezuela, trata-se apenas do pretexto para esse jogo muito mais abrangente que constitui as Relações Internacionais. Se a preocupação dos Estados Unidos fosse realmente a Democracia que cada país tem ou deixa de ter, Donald Trump não manteria relações diplomáticas tão intensas com países como a Arábia Saudita ou a China, não falaria ao telefone com Vladimir Putin nem teria tido um comportamento – e palavras – tão afectuosas para com Kim Jong-un.

Parece-me que podemos interpretar melhor o que está a acontecer na Venezuela, e no Mundo, se tivermos em conta todas estas questões.

Pinhal Novo, 4 de Fevereiro de 2019
josé manuel rosendo

sábado, 5 de agosto de 2017

Monroe, always Monroe. E muito petróleo...


A Doutrina Monroe deve o nome a James Monroe, presidente dos Estados Unidos da América entre 1817 e 1825. Em Dezembro de 1823, o então presidente fez uma declaração ao Congresso em que, simultaneamente, ditou dois dos pilares da política externa norte-americana: o que se passasse daí para a frente na América apenas diria respeito aos americanos; os Estados Unidos dispensavam-se de intervir na Europa em conflitos regionais. O objectivo declarado era simples: as antigas potências europeias estavam avisadas que não deviam interferir nas colónias que tinham mantido na América (se o fizessem teriam de se haver com os Estados Unidos...) e em troca dessa blindagem da América aos interesses europeus, os Estados Unidos deixavam aos europeus a resolução dos seus próprios problemas.

Como sabemos, estas directivas políticas permitiram aos Estados Unidos da América a preservação dos seus interesses no continente americano e a hegemonia de Washington na região. Os Estados Unidos expandiram-se territorialmente, comprando e anexando territórios. Sabemos o que aconteceu às tribos índias que foram varridas neste contexto. Quanto à segunda destas directivas da Doutrina Monroe (a não interferência dos Estados Unidos em assuntos europeus) também sabemos o que aconteceu. Aliás, se a primeira directiva se mantém, a segunda desapareceu por completo. Os Estados Unidos não se coíbem de interferir não só na Europa, mas em qualquer parte do Mundo.

Dito isto, chegamos à Venezuela. Mas antes de olharmos para a Venezuela será bom ter em conta o que aconteceu noutros países americanos ao longo dos últimos dois séculos. Primeiro os Estados Unidos apoiaram independências de forma a que as potências europeias atravessassem o Atlântico e por cá ficassem. Depois o controlo dos países recém-nascidos. Talvez nem seja necessário recordar um por um os vários países do continente americano em que a interferência norte-americana levou a golpes de Estado e à instalação de ditadores. Durante a guerra-fria a lógica era muito simples: tudo o que é anticomunista (entenda-se anti-Rússia) é bom! Não importava que os regimes fossem ferozes ditaduras onde os direitos humanos eram absolutamente espezinhados. Cuba tinha de ser isolada, e foi. Tudo o que se assemelhasse a uma réplica do regime de Castro, tinha de ser combatido.
Um bom e abrangente exemplo da política externa norte-americana quanto aos países do continente americano é a chamada “Operação Condor”, já muito documentada, e recentemente ilustrada no livro “Condor” do fotojornalista português João Pina. Os Estados Unidos sabiam de tudo. O objectivo servia os interesses de Washington. A Doutrina Monroe é a origem genética da política externa norte-americana e, com as necessárias adaptações, ainda prevalece.

Pensar ou pretender que tudo o que está a acontecer na Venezuela não passa, também, por Washington, só pode ser ingenuidade ou cegueira. Isso não significa que Nicolas Maduro não tenha, há muito, perdido o pé e tenha enveredado por decisões que lhe retiram alguma razão que possa ter, mas enveredar por um maniqueísmo em que de um lado estão os bons e do outro estão os maus, desfoca a análise fria e objectiva e apenas contribui para construir barricadas. E também é forçoso reconhecer que a uma tão grande preocupação com a democracia na Venezuela, corresponde um alheamento quase total com a mesma democracia noutras latitudes em que os governantes são mais amigos dos Estados Unidos. É assim a política internacional.

Ah... e é bom não esquecer que a Venezuela tem as maiores reservas de petróleo a nível mundial: cerca de 300 mil milhões de barris. Não se estranhe o apetite por uma mesa assim tão farta.

Pinhal Novo, 5 de Agosto de 2017


josé manuel rosendo