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quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Líbano: será possível fazer a Revolução?


Campo de refugiados palestinianos (Bourj Al Barajneh) nos arredores de Beirute (2013). Foto: jmr


É terrível a decisão com que se confrontam os libaneses. Terrível porque difícil e pode significar um corte com tudo o que têm conhecido na história recente do país. Perante um país em bancarrota, um Estado que não existe, desemprego em níveis assustadores e carências de toda a ordem – para além das ameaças externas – os libaneses estão na rua em protesto e já mostraram que conseguem fazer cair Governos. Mas esta é a fase em que os que verdadeiramente mandam no Líbano permitem o aliviar da pressão para evitar que a “panela rebente” de forma violenta e descontrolada.

 

Talvez seja exagerado anunciar a morte do actual sistema político e da divisão de poderes que serviu de pilar a 30 anos de paz entre as diferentes comunidades que compõem o Líbano mas, por outro lado, a necessidade de mudança é óbvia e, sem ela, não se vislumbra forma de dar um novo rumo ao país. Esse Acordo, que dividiu lugares no Parlamento, atribui a Presidência a um cristão Maronita, a liderança do Governo a um sunita e a Presidência do Parlamento a um xiita, parece um colete de forças do qual é imperioso que o Líbano se liberte, mas por outro lado é impossível prever o que pode acontecer se esse pilar da paz for dinamitado.

 

É habitual referirmo-nos a determinadas situações dramáticas ou de grande conflito com a expressão “nada vai ser como antes”. Algumas vezes será um excesso de linguagem provocada por visão curta da História, outras será uma leitura apressada e de hipervalorização de um determinado contexto, mas outras vezes é mesmo assim e a mudança é radical. E aqui convém sublinhar que “radical” significa tão só, literalmente, ir à raiz do problema.

 

O Líbano atravessa uma dessas situações. Isto é: o copo encheu e transbordou, a paciência ultrapassou todos os limites, e não há forma de acalmar a revolta dos libaneses a não ser que seja feita uma mudança radical no sistema político que os arrastou para um caldo de desespero que nunca foi visto em tempos mais recentes, mesmo com as sucessivas guerras, conflitos e vagas de refugiados.

 

Para que a revolta sossegue, será necessário que todos os protagonistas das últimas três décadas (ou até mais) saiam de cena. É essa a exigência da “rua”. Os libaneses não acreditam em políticos que quebraram sucessivamente as promessas feitas ao povo, ao mesmo tempo que enriqueceram e alimentaram clientelas, deixando o país minguar e entrar em falência.

Identificado o problema, falta encontrar uma solução. Quem deve substituir os actuais políticos?, “caras novas” das mesmas forças políticas? Será difícil, uma vez que não poderão escapar aos “esquemas” que essas forças políticas sempre controlaram. Então, quem? Será possível surgir uma nova geração de políticos, quiçá com origem nos diferentes (e são muitos) movimentos que organizam os protestos que já fizeram cair dois Governos? E que orientação política terá esse novo movimento? Conseguirá formar um único bloco/partido político que capte, independentemente da confissão religiosa, o voto e a confiança de muitos libaneses? Ou vão surgir vários pequenos partidos e movimentos que acabarão trucidados pelas forças políticas tradicionais? Basta que nos lembremos de que o Movimento que provocou a queda do egípcio Moubarak foi varrido nas eleições que se seguiram e, como sabemos, o Egipto já regressou à “casa de partida” com um ditador militar no poder. E se este Movimento de revolta no Líbano conseguir formar uma força política sólida, como vão reagir as forças políticas tradicionais? Vão abrir mão de toda a influência e poder que sempre mantiveram?

 

São perguntas com resposta extremamente difícil. Para além do que os libaneses pensam e querem é bom não esquecer as influências externas. Irão, Estados Unidos, Rússia, União Europeia (para não dizer França...) e até a China, estão a mexer “os cordelinhos”. Israel, embora não directamente, também influencia.

 

O único censo de que há registo foi feito em 1932 e não se sabe ao certo quantos são os libaneses. Mas sabe-se que existem 18 confissões religiosas no país. Na hora da verdade – do voto – há uma identidade confessional que pode sobrepor-se a um interesse nacional. É muito difícil a quem se sente desprotegido abandonar a única base que lhe oferece garantias de protecção e apoio. E aí chegados, os sunitas irão votar nos partidos sunitas; os xiitas nos partidos xiitas e os cristãos nos partidos cristãos. Não adiantará muito dizer que não pode ser assim, porque a realidade é assim mesmo e só mudará quando os libaneses quiserem.


Os libaneses têm uma memória de guerra e violência que certamente não quererão repetir, mas também é verdade que muitos libaneses nada têm a perder.

 

Pinhal Novo, 12 de Agosto de 2020

josé manuel rosendo

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Tanta preocupação com o défice de Democracia na Venezuela...



O título conduz inevitavelmente à pergunta a que convém desde já responder: e a preocupação faz sentido? A resposta é óbvia: claro que sim! Quem tem a Liberdade por azimute principal, preocupa-se com a Democracia. Escrevi Democracia, não apenas eleições periódicas.

Por regra, em circunstâncias semelhantes às da Venezuela, os Estados Unidos fazem uma declaração, a União Europeia também, e logo alguns fazedores de opinião se apressam a dizer que a “Comunidade Internacional” disse isto e mais aquilo. Não, a “Comunidade Internacional” não é apenas Estados Unidos e União Europeia. Aliás, António Guterres, Secretário-geral das Nações Unidas disse que está disponível para ajudar a encontrar uma solução, mas lembrou a Juan Guaidó que o reconhecimento de Governos é uma responsabilidade da Assembleia-Geral da ONU.  

De Washington veio a ameaça de atirar Nicolas Maduro para Guantánamo (!) e a possibilidade de utilizar tropas norte-americanas na Venezuela. Coisa pouca. A União Europeia, fez um ultimato a Maduro dando um prazo para a realização de eleições. Em contraponto, Rússia, China, Irão, Turquia, são alguns dos países que declararam solidariedade a Nicolas Maduro, recusando reconhecer Juan Guaidó como Presidente interino da Venezuela. Foram estas algumas das reacções da “Comunidade Internacional” e assim estão dispostas as peças no tabuleiro da Venezuela.

De forma maniqueísta poderíamos apenas recorrer ao velho ditado: diz-me com quem andas dir-te-ei quem és! Mas seria redutor.

Convém ter presente que as ameaças de Donald Trump têm um potencial de concretização sem equivalência na solidariedade que outros países declararam a Nicolas Maduro. China, Rússia, Irão, Turquia, não vão certamente enviar tropas para a Venezuela – a solidariedade que declaram é um formalismo resultante da política de não ingerência que estes países defendem no âmbito das Relações Internacionais.

A questão é outra e não adianta tentar escondê-la: o que os Estados Unidos estão a fazer com a Venezuela e têm feito com toda a América abaixo da fronteira com o México (ou já está esquecida a Doutrina Monroe?) é apenas a atitude do fazendeiro que não quer ver os “quintais” dos Estados Unidos permeáveis a regimes políticos que não lhe agradem. Ou não foi assim com o Chile e com Cuba, apenas para dar dois exemplos? Se a América de Monroe devia ser apenas para os americanos (nesse tempo contra os colonizadores europeus), agora deve estar tudo sob controlo de Washington e de preferência sem qualquer tipo de simpatia por outra coisa que não os grandes liberais da Escola de Chicago. Se o “quintal” em causa tiver petróleo, bom e barato, então nem se fala mais nisso e se não for a bem é à força.

Por outro lado, quem quer falar de Democracia dificilmente poderá pensar que retira algum benefício de receber o apoio de Rússia, China, Irão e Turquia. Aliás, estes países não deixariam passar a oportunidade de afrontar Washington, com a Venezuela ou com outro qualquer motivo. Maduro saberá disso, mas está acossado e agarra-se a qualquer bóia que lhe seja atirada, até porque ali ao lado a ameaça é bem real. Se sentir que não lhe foge o apoio dos militares, podemos esperar o pior para a Venezuela.

Aquilo a que estamos a assistir é muito simples: as grandes potências, todas, cuidam da sua “zona de influência” - se não lhe quisermos chamar “espaço vital” apenas porque foi desenvolvido pelo Partido Nazi de Adolf Hitler. É disso que se trata. Se cada uma delas puder “picar” a zona de influência das outras, tanto melhor.

Quem se escandaliza com a acção da Rússia na Ucrânia e na Crimeia, deixa de lado o que os Estados Unidos fazem com a Venezuela e têm feito um pouco por toda a América, quando é afinal a mesma lógica. E a União Europeia que não lave as mãos porque a ofensiva a alguns países da antiga União Soviética é também um ataque ao espaço de influência da Rússia. Perguntarão se cada país não terá o direito de escolher os seus alinhamentos. Claro que sim, mas recusar ver a realidade é também um exercício de grande hipocrisia intelectual e política.

O que é importante na análise da crise política na Venezuela é tentar o equilíbrio, não “à Pilatos”, mas com a objectividade possível em função das acções de cada um dos envolvidos.

Lembram-se quando muitos se manifestavam, e bem, contra o Muro da Vergonha (em Berlim)? Muitos desses parecem estar agora muito confortáveis com outros muros. Da fronteira dos Estados Unidos com o México, passando pelos países europeus que travaram o fluxo de refugiados, até à Cisjordânia e à Faixa de Gaza, e seguindo por aí fora... aqueles que contestaram o Muro de Berlim parecem agora resignados. Ou confortáveis? Há muros e muros. Há a vergonha e a falta dela.

Voltando à questão da Democracia na Venezuela, trata-se apenas do pretexto para esse jogo muito mais abrangente que constitui as Relações Internacionais. Se a preocupação dos Estados Unidos fosse realmente a Democracia que cada país tem ou deixa de ter, Donald Trump não manteria relações diplomáticas tão intensas com países como a Arábia Saudita ou a China, não falaria ao telefone com Vladimir Putin nem teria tido um comportamento – e palavras – tão afectuosas para com Kim Jong-un.

Parece-me que podemos interpretar melhor o que está a acontecer na Venezuela, e no Mundo, se tivermos em conta todas estas questões.

Pinhal Novo, 4 de Fevereiro de 2019
josé manuel rosendo

sábado, 3 de setembro de 2016

Dúvidas existenciais. Peço a vossa ajuda


Tenho uma verdadeira e sincera dificuldade em encontrar uma explicação lógica para alguns alinhamentos de protagonistas nacionais com as políticas e os políticos de alguns países. Indo directo ao assunto, uma das dificuldades mais complexas tem a ver com alguma esquerda que fica toda eriçada quando Vladimir Putin é visado num qualquer argumento político. Não falo de Dilma, nem de Nicolas Maduro, não, é mesmo de Putin. A minha dificuldade reside num aspecto muito simples, até muito básico, reconheço: não é momento para dissertar sobre o actual regime russo, mas acho que ninguém tem dúvidas de que a Rússia já nada tem a ver com o comunismo ou com o socialismo; então, porquê essa defesa assanhada das políticas do Kremelin e do Presidente da Rússia? Que íman existe em Moscovo que provoca ainda esta atracção de alguma esquerda? Peço a vossa ajuda.

Outro aspecto que me provoca dificuldade na análise que tento fazer é a equipa de comentadores e políticos sempre alinhados com as directivas (perdão, queria dizer políticas) com origem em Washington. Estes, em regra, também alinham com tudo o que vem de Bruxelas. Tudo o que tenha passado por um discurso de um Presidente norte-americano ou da Comissão Europeia transporta um selo de garantia que estes comentadores e políticos nacionais recusam beliscar ou tocar, nem que seja com uma flor. Há até um que diz preferir a “chantagem” da Europa à do PCP e BE. Assim mesmo. Outros, apesar dos constantes avisos de gente muito avisada, e até de alguns europeístas convictos (devem ser uns radicais, e “radical” é expressão que apenas se aplica à esquerda…) defendem com unhas e dentes o TTIP (Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento). Mudam os governos, mudam as direcções partidárias e as direcções dos Órgãos de Comunicação, mas há um núcleo duro sempre fiel ao Tio Sam que não se cansa de nos tentar catequizar. Será amor? Lógico não é certamente… Peço a vossa ajuda.

Até admito que estes dois grupos acima referidos possam ter razão. Nós é que pensamos que a guerra-fria já terminou e parece que estamos enganados. Basta olharmos para o que se passa na Síria e rapidamente concluiremos que Estados Unidos e Rússia, apesar de telefonemas quase diários entre Washington e Moscovo, dizem ter um inimigo comum mas têm amigos diferentes. Difícil, não?

Grandes potências à parte faltam as potências que prometem. E muito. À China todos vão. É fantástico. É difícil descodificar o mistério. Pequim (apesar da poluição) tem uma aura que deslumbra os nossos dirigentes partidários. Quando chegam ao governo essa aura ganha um brilho redobrado. Não sei se vão a uma capital comunista ou ao centro de um novo capitalismo. Não sei se vão apenas para ver a Grande Muralha. Quem lá vai, quando volta também não ajuda a desfazer a dúvida. E quanto à política externa da China, canja e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém: silêncio absoluto ou então críticas muito suaves. Mao Tsé Tung ri-se, já se vê. Até um tal Catroga aceitou servir o capital do Império do Meio. Sempre ao meio, sempre ao centro, não o centro político mas aquele meio/centro que permite cair para onde é mais conveniente, Catroga, um exemplo a ter em conta. O que é que os chineses pensarão de algo assim? Será que a estratégia de Mao ainda tem seguidores. Estaremos perante uma réplica da aliança (de Mao) com Chiang Kai-shek para depois alcançarem o poder? Acham que devo ficar preocupado ou não é motivo para isso e os nossos políticos que vão a Pequim sabem muito bem o que andam a fazer? Peço a vossa ajuda.

E porque já falámos de relações sólidas, falemos das mais flexíveis, eventualmente mais incertas, falemos dos flirts. O dicionário Priberam dá duas definições para flirt: 1 – Namorico, relação amorosa curta ou de pouca importância; 2 – Aproximação entre pessoas ou entidades, geralmente com uma intenção política. Para o caso, prefiro a segunda. E neste caso (outro que não consigo descodificar) incluo a notada presença de um dirigente do CDS no recente Congresso do MPLA. Investimento para um tempo em que o CDS regresse ao poder? Coisa estranha que até provocou algum alvoroço no próprio CDS. Que o PCP se faça representar, ainda vá, mas também neste caso, por onde anda o socialismo do MPLA (tal como o de Putin)? No caso do CDS, aponto para um flirt, mas no caso do PCP só pode ser um alinhamento rígido porque o PCP não é de flirts. Pelo menos a nível internacional porque quanto a questões internas as coisas parece que estão a mudar. O PS e o PSD também lá estiveram no número de equilibrismo habitual. O PS é governo e o PSD pensa que ainda é. Também neste caso, peço a vossa ajuda porque, parece-me, há um problema de liberdade e democracia em Angola. Ou isso já não conta para nada?

Pinhal Novo, 3 de Setembro de 2016
josé manuel rosendo


quinta-feira, 24 de março de 2016

Diz-me como está o negócio das armas, dir-te-ei como está o Mundo


Pode ser como está no título, mas também pode ser de outra forma: diz-me quem vende mais armas e dir-te-ei a quem serve o status quo. E a resposta é: os Estados Unidos dominam o comércio mundial e reforçaram esse domínio nos últimos cinco anos (2011-2015). Os Estados unidos passaram de 29% de quota de mercado (em 2006-2010) para 33% (em 2011-2015). A Rússia surge logo a seguir (25% das exportações mundiais), depois a China (5,9%, com grande crescimento), Alemanha (4,7%) e França (5,6%, ambas com assinalável recuo). Os números são do SIPRI (Instituto Internacional de Investigação para a Paz, de Estocolmo, Suécia). 

A directora do Programa de Armamento e Despesas Militares do SIPRI, Aude Fleurant, sublinha que “Os Estados Unidos venderam ou deram armamento a pelo menos 96 Estados nos últimos cinco anos, e a indústria de armamento norte-americana tem grandes encomendas de exportação pendentes, incluindo 611 aviões de combate F35 para nove países.

A Rússia está neste momento a ser afectada depois das sanções ocidentais contra Moscovo devido à guerra na Ucrânia. A Rússia exporta para a Índia mais do que os Estados Unidos. A Índia é o maior importador mundial de armamento. A China tem como grandes clientes Paquistão, Bangladesh e Birmânia. Regra geral o comércio de armamento foi afectado pela crise europeia com as compras dos países do velho Continente a recuarem 41%. Ainda quanto aos importadores, a Índia lidera a procura (14%), o dobro da Arábia Saudita e o triplo da China.

Outros aspectos a sublinhar:
Entre os períodos 2006/10 e 2011/15 as importações dos países africanos aumentaram 19%. Argélia e Marrocos são os dois maiores importadores de armas na região, com um total de 56% por cento das importações africanas.
A importação de armas no México cresceu 331% em 2011/15 em comparação com 2006/10; o Azerbaijão aumentou 217%; o Iraque aumentou 83%.
A França concluiu vários grandes contractos de exportação de armas em 2015, incluindo os dois primeiros contractos de venda (Egipto e Qatar) dos aviões de combate Rafale. De notar que já em 2016, a França fechou um outro contracto com a Índia para a venda de 36 Rafale.

O SIPRI refere que estes dados reflectem a quantidade de armamento transaccionado e não o volume de negócios. Quem quiser saber mais pode consultar: http://www.sipri.org/

Pinhal Novo, 23 de Março de 2016

josé manuel rosendo