sexta-feira, 29 de maio de 2015

Ao dinheiro o que é do dinheiro

No início desta semana o DN publicou um artigo brilhante assinado pelo editor do Financial Times, Wolfgang Münchau. Confesso que não sei quem o senhor é nem me dei ao trabalho de googlar. Mas sei que é editor do Financial Times, essa quase bíblia sempre referida com reverência por parte da nomenclatura nacional. E eu, sabendo isto, e porque parto sempre do princípio um pouco naïf de que quem chega a editor – ou director, ou seja lá o que for… – num órgão de informação, deve saber o que anda a fazer e a dizer, dou-lhe suficiente importância para lhe dedicar meia-dúzia de linhas.

O artigo em causa é a propósito da Grécia e, claro, Tsipras, esse bandido, que recusa ser bom aluno dos extremistas neoliberais. Desde logo, Münchau diz ao que vem e separa “constrangimentos económicos” de “constrangimentos políticos”. Isto é, ao dinheiro o que é do dinheiro. Essa coisa menor que é a política não importa a Wolfgang Münchau. Continua a fazer caminho a ideia de que a política deve submeter-se aos ditames da economia. Convém que assim seja. 

O editor do Financial Times explica que os “os constrangimentos políticos” são lá com Tsipras, mas ele, Münchau, quer discorrer sobre os “constrangimentos económicos”. E é então que o mago revela o interior da cartola: o acordo entre a Grécia e os credores dependerá do valor de superavit primário que ficar estabelecido. Isto é, os credores querem saber quanto fica nos cofres depois do Estado grego somar todas as despesas com vencimentos, pensões e afins; os credores querem saber quanto sobra, não para pagar a dívida, mas para pagar o serviço da dívida; os credores querem saber como é que a Grécia lhes vai encher o prato com essa especiaria chamada juros.

Uma coisa sempre me inquietou nesta coisa dos resgates e afins. Se agora, em relação aos países endividados, os credores exigem “ajustamento orçamental” (entenda-se austeridade: políticas de cortes em vencimentos, pensões e serviços) por que não fizeram a análise da possibilidade de pagamento antes de fazerem os empréstimos? Porquê agora, quando a Grécia (e os outros…) está com a corda no pescoço? Porque FMI, CE e BCE está cheia de gente competente, apenas encontro uma resposta: foi má-fé! Não é nova a receita de emprestar para depois, perante a incapacidade de pagamento, os credores ocuparem os territórios endividados. Noutros tempos foi mesmo ocupação militar e política; agora é ocupação financeira. Se houver “bons alunos” entre os nativos endividados, ainda melhor.

Regressando a Münchau, ele próprio critica os credores por terem oferecido à Grécia um “pacto com o diabo” aquando de anteriores empréstimos feitos na perspectiva de um superavit futuro de valores intangíveis. Mais uma vez: má-fé! A Grécia ficou de tal modo sem saída para a dívida que vai ter que ser um país à vontade dos credores, desenhado como se não houvesse povo nem território mas apenas uma enorme conta de deve e haver cujas parcelas têm que corresponder aos anseios dos credores. E nós sabemos bem do que significam “ajustamentos orçamentais”.

Pensando de dentro do sistema e, obviamente, de acordo com o sistema que tem por máxima “quem paga as contas é quem manda”, Wolfgang Münchau apresenta a solução ideal: deduz-se do seu texto que um superavit primário entre 1,5% e 2,5% do Produto Interno Bruto da Grécia seria algo razoável e que dentro dessa margem o país seria viável. Isto é: Wolfgang considera que a corda no pescoço da Grécia deve ser bem apertada, mas de modo a que a desgraçada, pendurada na forca, consiga tocar com a ponta dos pés no estrado do cadafalso. O equilíbrio é precário mas os Euros dos juros vão continuar a chegar aos bolsos dos usurários.

Manter o Sistema. Sempre. Talvez seja por isso que Wolfgang Münchau é Editor do Financial Times.

Pinhal Novo, 29 de Maio de 2015

josé Manuel rosendo

sábado, 18 de abril de 2015

Al Douri – morreu o nº2 de Saddam Husseín, por quem os Estados Unidos ofereciam 10 milhões de dólares.

12 anos depois do início da invasão do Iraque, o homem que era vice-presidente e “braço direito” de Saddam Husseín é dado como morto. Não é a primeira vez que é noticiada a morte de Ezzat Ibrahim al Douri, mas desta vez parece que é verdade. A televisão al Arabyia mostrou imagens de um cadáver que parecer ser al Douri e o Governador da província de Saladino (cuja capital é Tikrit, terra natal de Saddam…) confirmou que al Douri morreu na sequência de uma operação militar conjunta de forças militares iraquianas e milícias xiitas. Este governador disse que foram recolhidas amostras de DNA e prometeu resultados em breve.

Al Douri tinha a cabeça a prémio desde a queda do regime: os Estados Unidos ofereciam 10 milhões de dólares e classificaram-no como Rei de Paus (o 6º mais procurado numa lista de 55 nomes) no célebre baralho de cartas que os norte-americanos distribuíram para que todos pudessem identificar os que eram procurados.

A Reuters cita fontes das milícias xiitas que dizem ter recebido informação da presença de um VIP no local onde al Douri foi morto. Pensavam que era o líder do estado islâmico (Abu Bakr al Baghdadi), afinal era al Douri.Várias fontes acreditam numa aliança entre o Estado islâmico e os insurgentes sunitas que nunca deixaram de combater a presença estrangeira no Iraque e, por acréscimo, combatem também o governo de maioria xiita. A capacidade militar demonstrada pelo Estado Islâmico na ofensiva de 2014 só foi possível através de uma forte componente de estratégia militar ao alcance apenas de profissionais treinados na estratégia de guerra.

A morte de al Douri, a confirmar-se, é um forte revés para o Estado Islâmico, embora outros militares sunitas, escorraçados da vida militar na sequência da invasão em 2003, possam continuar a fornecer o know how necessário à estratégia do Estado Islâmico.

18 de Abril de 2015

josé manuel rosendo

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Afirmar valores… afirmar a Liberdade


Conheci jornalistas que morreram por causa deste nosso amado ofício. Doeu-me! Neste 7 de Janeiro morreram 8 jornalistas e mais 4 pessoas. Doeu-me! Eu sei que uma vida é uma vida e a de jornalista não vale mais do que qualquer outra, mas permitam-me esta dor particular.

Claro que todos somos Charlie (Hebdo). Nas redes sociais é fácil ser tudo e mais alguma coisa. É condenável o que aconteceu em Paris? Absolutamente: foi um acto criminoso e sem desculpa! E a solidariedade não deve ser desvalorizada. É importante que num momento destes, aqueles que prezam a Liberdade, não se encolham com medo e que manifestem essa vontade de não ter medo. Mas todos sabemos como estas “ondas” passam rapidamente e vão ser substituídas por outra “onda” que não tardará em aparecer. Defender a Liberdade é, também, quando se afigura mais fácil ir na procissão da opinião óbvia, parar por um momento e tentar aprofundar a questão. Gosto de dizer que “a Liberdade pratica-se”! E o Charlie Hebdo praticava-a.

Na hora a que escrevo este texto o ataque ainda não foi reivindicado. Não há certezas, mas o ataque desta manhã em Paris traz de novo para debate a relação do Islão com o chamado mundo ocidental e também a questão da integração dos imigrantes na Europa.

É bom que se diga que o ataque já foi condenado por muitos líderes e instituições islâmicas, desde logo por responsáveis iranianos, pela Universidade de Al Azar (Egipto) e desde cedo pelo próprio líder da comunidade islâmica de Paris. Tariq Ramadan também condenou o ataque dizendo que “não foi o Profeta que foi vingado, foi a nossa religião, os nossos valores e os nossos princípios islâmicos que foram traídos e conspurcados”. Esse é o primeiro aspecto a ter em conta. Todos unânimes na separação que deve ser feita entre um acto criminoso praticado por alguém que soltou um “Allahu Akbar” e os valores do Islão.
A memória dos tempos que se seguiram ao 11 de Setembro de 2001, faz recear que os muçulmanos que vivem nos países ocidentais voltem a enfrentar algo semelhante. É chegado o tempo de percebermos que não é essa a solução. O mundo ocidental não pode cair na tentação de erguer muros que, tarde ou cedo, acabarão por cair, derrubados à força ou por se revelarem inúteis. Qualquer muro é uma ilusão.

Por outro lado, esta relação do Islão com países ocidentais não pode ser simplificada numa perspectiva de preto-e-branco colocando os “bons” de um lado e os “maus” do outro. Falta-nos debate sobre esta matéria (como em tantas outras) para que as reacções a casos como este não provoquem uma imediata rejeição do “outro”.

Temos exemplos na história da Europa de tentações de purificação da raça que todos sabemos como terminaram; existem forças políticas que apenas espreitam uma oportunidade para ressuscitar essas teorias; temos pessoas que apenas esperam uma oportunidade para, em nome da segurança, reduzirem os nossos direitos e a nossa Liberdade. Se nos deixarmos arrastar, sem debate, sem aprofundar a raiz dos problemas, cedendo ao medo, o futuro pode ser perigoso.

Este tipo de acontecimentos, o ataque ao Charlie Hebdo, assemelha-se à lava de um vulcão quando irrompe e arrasa tudo à volta. Da mesma forma que precisamos de saber mais sobre os vulcões para podermos prever e acautelar uma erupção, temos que saber mais sobre esta problemática que, não sendo um problema provocado pelo Islão, pode levar a uma rejeição do Islão e, então sim, dar origem a um problema mais grave e de maior dimensão.

O ataque ao Charlie Hebdo, sendo um ataque a um jornal, foi um ataque ao bem (para além da vida) mais valioso deste nosso mundo: a Liberdade de expressão. Não podemos prescindir desse nosso oxigénio que tantos séculos demorou a conquistar.

Mas é preciso também reflectir sobre a utilização que temos feito dessa nossa Liberdade. É necessário uma reflexão sobre as preferências dos portugueses em termos de jornais, de revistas e de programas de televisão, e talvez esteja encontrada uma explicação para a dificuldade em entender o que se está a passar e para algumas reacções que é possível ler nas redes sociais e nos comentários às notícias.

Neste aspecto, também os jornalistas que agora, e bem, condenam o que aconteceu, devem fazer uma reflexão sobre as opções editoriais: vamos fazer alinhamentos com temas que realmente são importantes ou vamos continuar preocupados com “aquilo que o povo quer” e consome? Vamos descodificar os acontecimentos ou vamos noticiá-los numa breve de jornal,  em 30 segundos de rádio ou com um “off” na televisão, com a tal preocupação de que as pessoas não estão disponíveis para “coisas” muito complicadas e não têm tempo para ver ou ouvir falar de guerras, de conflitos, de problemas religiosos e de geopolítica? As pessoas apenas querem saber o preço da gasolina e estão-se “nas tintas” para perder tempo a perceber os motivos da oscilação do preço do petróleo, é isso?
Pois, talvez seja isso, mas depois não me venham falar de Liberdade. 

Da mesma forma que muitos de nós não sabem merecer os que morreram nas cadeias do fascismo na luta contra a ditadura e na defesa da Liberdade, há jornalistas que não fazem um pequeno esforço por merecer os que hoje morreram em Paris em nome da Liberdade. Lamento, mas é o que sinto.

josé manuel rosendo

7 de Janeiro de 2015

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Primeiro foi o (bicho papão) PREC, agora é 2011… e o perigo do populismo

Ouvir Cavaco Silva é um exercício difícil. A lengalenga é intraduzível. Ora encriptada, ora abstracta e ambígua. Mas há sempre uma conclusão: está tudo bem como está, são necessários entendimentos para manter o rumo, há sinais de que as coisas vão melhorar, nada de precipitações nem de promessas impossíveis e… cuidado com a demagogia e o populismo. Cuidado com o bicho papão!

Olhando para trás, Cavaco Silva diz que não podemos voltar a 2011 (terá querido dizer que os portugueses não devem votar PS?); olhando para a frente avisa contra o populismo e a demagogia. Lembrei-me do tempo (e de outros papões) em que nos diziam que não podíamos voltar ao PREC (foi por essa altura que os Espírito Santo foram ter vida santa para outro lado… voltaram e sabemos no que deu); lembrei-me da chantagem de que os investidores podiam deixar o país e provocar a descapitalização das empresas; lembrei-me das promessas de que Portugal tinha que entrar no Euro porque não podíamos ficar na “segunda divisão da Europa” (terá sido demagogia?). Lembrei-me de tanta coisa ao ouvir cavaco Silva. Lembrei-me de tanta promessa e de tanta demagogia que nos tem sido servida em véspera de eleições pelos tais partidos do “arco da governação”. Chegámos a este estado. Apesar de termos votado de forma “politicamente correcta” por medo do velho papão, apesar de termos entrado no Euro, apesar dos capitalistas não terem fugido ou mesmo terem regressado os que chegaram a ir embora.

Mas Cavaco Silva deve ver as sondagens em Espanha e na Grécia. Os Syrizas, os Podemos, os Blocos de Esquerda, prometem ameaçar as políticas que nos empurraram para uma austeridades castradora e para um desemprego que fere de morte a dignidade humana (o trabalho é um direito, lembram-se?). Não sabemos se um dia, eventualmente chegados ao poder, algum destes partidos políticos vai cumprir a promessa, ou se, independentemente da vontade de o fazer, vai conseguir. Mas há uma coisa que sabemos: assim não dá.

Já todos percebemos que há quem viva muito bem com a actual situação e por isso o problema é mesmo se um dos referidos partidos chega ao poder. Cavaco Silva parece estar alarmado com a real capacidade de um PS receoso dos efeitos do “caso Sócrates” e com um PSD a quem apenas um milagre salvará de uma pesada derrota. Na minha ingenuidade pensava que democracia era isso mesmo: os partidos vão a votos e vence quem for mais votado. Mas parece que não é. E, não sendo, tenho que dizer que os mais perigosos radicais que é possível vislumbrar na vida política portuguesa são aqueles que apenas querem que nada mude e que perante a mínima possibilidade de mudança logo vão ao baú e de lá tiram todos os fantasmas, perspectivando tempestades a cada passo. É o bicho papão a ameaçar comer as criancinhas que se portam mal.

Para além do bicho papão que ameaça a estabilidade deste sistema, em Portugal está ser criado um clima para que as próximas eleições sejam disputadas em torno do caso Sócrates. Para além de estar a ser disseminado o medo perante a esperada subida das forças políticas não-alinhadas com os habituais partidos da governação, há também a construção que coloca o chamado centrão como única possibilidade de escolha: quem defende Sócrates e acha que ele foi alvo de artimanhas por parte do poder vigente vai votar PS (a alegada vítima); quem acha que Sócrates é um bandido e que, se calhar, até já devia estar condenado em julgamento sumário, vai votar PSD (o alegado vilão). Depois ainda vamos ter as sondagens a apresentarem os dois partidos (PS e PSD) muito próximos e a cativar a atenção dos eleitores para essa disputa como se mais nada interessasse.
Por agora, esperemos, mas os spin doctors estão com muito trabalho entre mãos.

josé manuel rosendo

2 de Janeiro de 2015

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

A dignidade da ilha


O Presidente dos Estados Unidos assumiu que falhou a estratégia de mais de 50 anos a tentar isolar Cuba e o regime político instaurado com a revolução de Che e Fidel. Este é o ponto. E assumir esta realidade é reconhecer que Cuba resistiu. E esse é o outro ponto.

Tradicionalmente há uma notória dificuldade dos Estados Unidos em entenderem regiões do mundo e sociedades com passado milenar, mas o que mais perturbava no caso de Cuba era que a questão principal era a da dignidade da soberania de um Estado, e essa questão os Estados Unidos não deviam ter dificuldade em entender porque têm uma história ainda recente de luta pela sua própria soberania.

Depois dessa luta pela soberania surgiu a Doutrina Monroe (tudo o que acontecia na América era do interesse dos Estados Unidos), argumento para expulsar os colonialistas europeus. Aliás, presumo que tenha origem nessa teoria o facto de, ainda hoje, os norte-americanos se referirem aos estados Unidos da América como “a América”. Depois surgiu o apoio a várias ditaduras de má memória.

Em Cuba, a revolução que afastou o ditador Fulgêncio Batista também tocou interesses norte-americanos. Argumento para que os Estados Unidos não parassem de tentar interferir na situação interna de Cuba. Nunca conseguiram derrubar Fidel Castro, e posteriormente o irmão Raúl Castro.

O embargo económico atingiu Cuba e os cubanos. Fazer alguém passar fome e fazê-lo acreditar que a culpa é de quem governa o país é estratégia antiga, mas nem isso resultou. Havia, pois claro, gente descontente. Claro que foram reprimidos e de forma –dizem alguns relatos – nada respeitadora dos direitos humanos. Mas havia um desígnio superior: a dignidade de quem não vende a consciência apenas para ter mais uns dólares no bolso. É uma questão de opção, certamente pouco aceitável em sociedades que se sentam horas frente à televisão a ver os reality shows e que depois votam em partidos de direita ao mesmo tempo que reclamam políticas de esquerda.
Cuba optou pela dignidade, sem nunca aceitar ser tratada como parceiro menor numa relação que deve ser entre iguais. É assim que os Estados se devem relacionar: iguais na grandeza da sua soberania e autodeterminação.

Agora, entre iguais, entre dois estados soberanos, com discursos apaziguadores em simultâneo, os dois presidentes deram o passo que Cuba precisa (qual era afinal o crime de Cuba para uma punição assim?) e que os Estados Unidos já não tinham forma de evitar.
Era insustentável para a imagem dos Estados Unidos ter uma Assembleia Geral da ONU a votar de forma esmagadora o fim do embargo a Cuba. O Mundo inteiro contra os Estados Unidos, num fórum em que apenas Israel votou ao lado dos estados Unidos e em que se abstiveram apenas três Estados que são protectorados dos Estados Unidos (Ilhas Marshall, República de Palau e Estados Federados da Micronésia). Um Estado democrático com a dimensão dos Estados Unidos não precisa da força de um embargo para se afirmar perante Cuba.

No pensamento realista que domina a política internacional e, em particular, os Estados Unidos, a ética ocupa o espaço de uma formiga e por isso este desfecho terá sido, certamente, um murro no estômago.

Também para os cubanos que se acomodaram em Miami a sonhar com os tempos do ditador Fulgêncio, os próximos dias vão ser uma azia terrível.

Seja como for, o Mundo parece ter ficado um bocadinho melhor. As relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos são um muro que Obama e Castro começaram a destruir esta quinta-feira, cada um com a sua picareta. 

Esperemos agora que cada passo seja dado a seu tempo sendo que, como lembrou a embaixadora cubana em Portugal, o embargo ainda não terminou.

josé manuel rosendo

17 de Dezembro de 2014

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Há 10 anos na Palestina...



“Arafat morreu”. A notícia, a meio da madrugada, via telefone, dada por um camarada da redacção em Lisboa, acordou-me num hotel em Jerusalém e tirou-me o sono. Há momentos que sabemos que nunca vamos esquecer.

Tinha saído de Lisboa com a imagem marcante de Yasser Arafat acenando aos palestinianos no momento em que entrava no helicóptero jordano que o retirava de uma Mukataa – quartel-general da Autoridade Palestiniana – onde viveu cercado durante cerca de 3 anos, sem nunca quebrar. Nesse dia, nessa despedida, Arafat não levava o tradicional lenço árabe mas sim um barrete de pelo que teimava em cair-lhe da cabeça. Li no olhar do velho líder que ele sabia, e eu pressenti, que jamais voltaria à Palestina. Não sei se Arafat chorou, mas de certeza que os palestinianos choram hoje a sua ausência. Os beijos atirados da porta do helicóptero foram a despedida de um pai que não podia abraçar todos os filhos de uma terra pela qual lutou sempre. Deixou a herança possível: a mesma luta.

Alguns dias depois, a Mukataa assistiu às lágrimas de um povo que se sentiu órfão. O funeral de Yasser Arafat foi um desses momentos em que quase dispensamos o bloco de notas tal a força das imagens e a forma como elas se instalam na nossa memória.

Era uma sexta-feira, talvez umas duas da tarde em Ramallah, o helicóptero jordano que transportava a urna de Arafat planou alguns minutos por cima da Mukataa para que milhares de palestinianos se afastassem e abrissem uma clareira onde pudesse aterrar. Depois, um ensurdecedor tiroteio e a urna transportada pelas mãos palestinianas até à sepultura que, dizia-se em Ramallah, tinha terra da Esplanada das Mesquitas. Israel não autorizou que Arafat tivesse sido sepultado em Jerusalém. A solução foi trazer a terra da cidade santa para receber o corpo do líder. Para os palestinianos Arafat está sepultado provisoriamente em Ramallah, porque há-de ser sepultado junto à Mesquita de Al Aqsa, em Jerusalém. O “directo” para a rádio há-de estar gravado no arquivo da Antena 1. Nesse dia foi um telefone satélite que salvou o directo porque as redes de telemóvel estavam saturadas (ou bloqueadas?).

As fotos são desses dias, desses momentos, passados ao redor da Mukatta, e também lá dentro, no funeral, depois de um velho militar palestiniano ter aberto a porta a dois jornalistas portugueses ao lembrar-se que tinha sido português, o primeiro presidente – Mário Soares – a dormir em Gaza depois de Arafat lá se ter instalado quando regressou do exílio.

josé manuel rosendo
12 de Novembro de 2014

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Isto só lá vai com uma valente zaragata, e à bofetada…


Ainda sem aquecer o lugar de Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker tem em mãos um escândalo de fuga ao fisco por parte de centenas de grandes empresas durante o tempo em que foi Primeiro-Ministro do Luxemburgo (1995-2013). O porta-voz veio dizer que Juncker está cool. Ou seja, tranquilo.

O caso que ameaça Juncker, foi divulgado esta quinta-feira por vários jornais europeus a partir de uma investigação jornalística internacional. Aborda os chamados “Acordos Fiscais Preliminares”: negociação entre o Governo e uma determinada empresa que estabelece a forma como essa empresa será taxada caso decida ter actividade fiscal no país.

As conclusões de um grupo de jornalistas de investigação - Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação de 26 países – mostra como centenas de empresas multinacionais conseguiram, no Luxemburgo, através de esquemas financeiros e fiscais, pagar impostos extremamente baixos sobre os lucros que declaravam, nalguns casos inferiores a 1%. É assim que os “grandes” gestores apresentam grande lucros para gáudio dos accionistas e recebem prémios chorudos.

A referida investigação conta ainda que, no Luxemburgo de Juncker, foi encontrada uma morada (apenas uma…) onde estava a sede de 1.600 empresas. A investigação refere ainda a ajuda da consultora Price Waterhouse Coopers para chegar a decisões fiscais favoráveis a empresas.
O homem que esteve à frente do Governo do Luxemburgo enquanto tudo isto aconteceu, e que agora preside à Comissão Europeia, ainda há dois dias acusava os primeiros-ministros britânico e italiano de enganarem os seus cidadãos sobre as negociações orçamentais na União Europeia. É assim que estamos.

Mas se este é o retrato da forma como as coisas são feitas na União Europeia, Portugal não é diferente. Houve em Portugal um Estado de Direito que não era democrático. Temos agora um Estado de Direito dito democrático. Mas uma coisa é o direito e outra coisa é a justiça. Olhando para o nosso país e para as desigualdades crescentes, só uma grande ousadia e descaramento permite falar de justiça em Portugal. Então, coloca-se a pergunta: para que precisamos nós de um Estado de Direito democrático se ele não promove a justiça? Para que precisamos nós de um Estado de Direito democrático se apenas estão salvaguardadas as negociatas entre os grupos de interesses que se apoderaram do sistema e, apesar de alguma dança de cadeiras, permanecem sempre os mesmos ao leme? Falam-nos de austeridade e carregam-nos de impostos para depois eles, os das grandes multinacionais, escaparem ao fisco – legalmente, claro – e dividirem os despojos?

O Presidente do Parlamento Europeu disse, entre outras coisas, que o que mais o preocupa é que os procedimentos noticiados possam ser "legais em alguns Estados-membros" e que "a fraude e evasão fiscais sejam facilitadas".
De facto, justifica-se o receio de Martin Schultz quando o que é criminoso surge transformado em actividade legal. E é isso que também me assusta. E é por isso que, escândalo atrás de escândalo, ninguém vai preso.
Sugere Schultz que é urgente que os Estados-membros trabalhem connosco – Parlamento Europeu – para pôr fim a práticas sistemáticas de evasão fiscal na Europa. Partilho do alarme de Martin Shultz mas, infelizmente – porque até gosto de soluções pacíficas fruto do diálogo – não partilho da solução apontada.

Há uma elite que tomou conta dos Estados. Em nome da liberdade de um Mercado que verdadeiramente não existe, porque está viciado, esta elite vigarista suga-nos o tutano, esmifra-nos com impostos, e acaba a rir-se porque eleição após eleição mantém o controlo de tudo o que verdadeiramente lhe interessa.

Tenho para mim que isto só se resolve com uma valente zaragata e com esta gente corrida a murro, pontapé e o que mais for necessário. E depois que venham dizer que não é democrático…

josé manuel rosendo

6 de Novembro de 2014