Comecei
a escrever este texto já o sol estava a nascer em Rojava (Curdistão Ocidental),
na Síria. Poucas horas antes, o Ministro da Defesa da Turquia assumira que os
preparativos para uma ofensiva militar no norte da Síria estavam concluídos,
deixando entender que só faltava as tropas iniciarem a marcha. No domingo, 6 de
Outubro, depois de uma conversa telefónica entre o presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump, e o Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, um
comunicado da Casa Branca dava conta da decisão de Trump relativamente à
situação no norte da Síria: a Turquia vai avançar em breve com uma operação há
muito planeada e os Estados Unidos não querem estar envolvidos na operação. Ou
seja, o assunto não diz respeito aos Estados Unidos, matem-se uns aos outros,
se quiserem. De uma forma simples, é isto que está escrito nos dois parágrafos
do comunicado e traduz bem a dimensão de homem de Estado que Donald Trump não
se cansa de transmitir. Foi aqui que interrompi a escrita. Depois de ler a
torrente de informação que estava a chegar de Washington, resolvi fazer uma
pausa, não fosse Donald Trump decidir outra coisa diferente antes de vestir o
pijama. Um homem com o Twitter sempre à mão, nunca se sabe, e eu arriscava-me a
acordar com este texto já desactualizado.
Agora,
no dia seguinte à tarde, ao reler as minhas notas e a nova informação que não para
de chegar, dou por certa a decisão de interromper a escrita: a confusão é
grande e já ninguém percebe o que Trump pretende, o que decidiu, ou o objectivo
que pretende atingir.
Na
foto acima podemos ver a decisão inicial. Depois, Trump veio dizer que se algum
militar norte-americano ficasse ferido (durante a ofensiva turca) os Estados
Unidos destruiriam a economia turca; a seguir disse que a decisão tomada, e
vertida no comunicado, não era uma luz verde para a ofensiva turca; depois, a Casa
Branca anunciou que não seria uma retirada mas apenas um reposicionamento das
forças norte-americanas no norte da Síria; depois, a Casa Branca acrescentou
que seria o reposicionamento de um pequeno número de militares, consoante a fonte
(entre 50 a 100 militares das forças especiais, ou menos de 25); internamente,
Republicanos e Democratas criticaram a decisão de Trump, alertando para o
perigo de beneficiar o Governo sírio de Bashar Al Assad, a Rússia e o Irão; Trump
disse ainda que (com cerca de mil militares norte-americanos na Síria) os
Estados Unidos não querem estar na linha de fogo, mas estarão a policiar a
situação; finalmente veio dizer que nunca abandonará os curdos, “um povo
especial com combatentes fantásticos”. Se isto não é de loucos então não sei o
que será.
Durante
estas declarações, ora na Casa Branca, ora através do Twitter, ora através de
um porta-voz ou de um comunicado de imprensa, Donald Trump sublinhou outro
aspecto que mostra como o presidente norte-americano confunde o que não pode
ser confundido. Aliás, já tinha feito algo semelhante aquando da morte do
assassinato do jornalista saudita Jamal Khaskoggi e das suspeitas que
imediatamente recaíram sobre a Arábia Saudita. Dessa vez, logo a seguir, Trump
veio lembrar a importância do acordo para a venda de 110 mil milhões de dólares
em armamento à Arábia Saudita; desta vez (está no Twitter) veio lembrar que a
Turquia é um importante parceiro comercial e também um parceiro que construiu a
estrutura do avião caça norte-americano F-35, para além de ser um aliado NATO.
Trump devia ter acrescentado que tem duas “Trump Tower” em Istambul e que
Erdogan foi convidado para o lançamento do projecto.
É
neste contexto que os curdos da Síria podem, mais uma vez, ser traídos por
supostos amigos e aliados. Não será a primeira vez que isso acontece aos curdos
e também não será a primeira vez que os Estados Unidos o fazem. Ao contrário da
máxima entre gente de bem que obriga a que ninguém seja deixado para trás,
Donald Trump parece não ter pudores. Ainda por cima os curdos da Síria têm uns
tiques de socialismo, o que para o Presidente dos Estados Unidos deve ser assim
uma espécie de lepra.
Perguntarão,
e a União Europeia? Pois, a Europa, muito antes de ser União, encarregou-se de
fazer a asneira com os resultados que estão à vista: o acordo Sykes-Picot
(Reino Unido-França), após a I Guerra Mundial, deixou os curdos sem um Estado e
divididos por quatro países. Quem isto fez e nada faz agora para resolver o
problema, está à espera de quê? Quem são, de facto, os terroristas? Aqueles que
assinam os documentos criminosos ou os que pegam em armas para defender aquilo
a que têm direito?
Pinhal
Novo, 8 de Outubro de 2019
josé
manuel rosendo
Gostei de ler. Dividir para conquistar.
ResponderEliminarA UE, fantoches do deep state.
Wikipedia - Deep State "A deep state (from Turkish: derin devlet)...", irónico.