terça-feira, 8 de outubro de 2019

A trapalhada de Donald Trump na Síria

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Comecei a escrever este texto já o sol estava a nascer em Rojava (Curdistão Ocidental), na Síria. Poucas horas antes, o Ministro da Defesa da Turquia assumira que os preparativos para uma ofensiva militar no norte da Síria estavam concluídos, deixando entender que só faltava as tropas iniciarem a marcha. No domingo, 6 de Outubro, depois de uma conversa telefónica entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, um comunicado da Casa Branca dava conta da decisão de Trump relativamente à situação no norte da Síria: a Turquia vai avançar em breve com uma operação há muito planeada e os Estados Unidos não querem estar envolvidos na operação. Ou seja, o assunto não diz respeito aos Estados Unidos, matem-se uns aos outros, se quiserem. De uma forma simples, é isto que está escrito nos dois parágrafos do comunicado e traduz bem a dimensão de homem de Estado que Donald Trump não se cansa de transmitir. Foi aqui que interrompi a escrita. Depois de ler a torrente de informação que estava a chegar de Washington, resolvi fazer uma pausa, não fosse Donald Trump decidir outra coisa diferente antes de vestir o pijama. Um homem com o Twitter sempre à mão, nunca se sabe, e eu arriscava-me a acordar com este texto já desactualizado.

Agora, no dia seguinte à tarde, ao reler as minhas notas e a nova informação que não para de chegar, dou por certa a decisão de interromper a escrita: a confusão é grande e já ninguém percebe o que Trump pretende, o que decidiu, ou o objectivo que pretende atingir.

Na foto acima podemos ver a decisão inicial. Depois, Trump veio dizer que se algum militar norte-americano ficasse ferido (durante a ofensiva turca) os Estados Unidos destruiriam a economia turca; a seguir disse que a decisão tomada, e vertida no comunicado, não era uma luz verde para a ofensiva turca; depois, a Casa Branca anunciou que não seria uma retirada mas apenas um reposicionamento das forças norte-americanas no norte da Síria; depois, a Casa Branca acrescentou que seria o reposicionamento de um pequeno número de militares, consoante a fonte (entre 50 a 100 militares das forças especiais, ou menos de 25); internamente, Republicanos e Democratas criticaram a decisão de Trump, alertando para o perigo de beneficiar o Governo sírio de Bashar Al Assad, a Rússia e o Irão; Trump disse ainda que (com cerca de mil militares norte-americanos na Síria) os Estados Unidos não querem estar na linha de fogo, mas estarão a policiar a situação; finalmente veio dizer que nunca abandonará os curdos, “um povo especial com combatentes fantásticos”. Se isto não é de loucos então não sei o que será.

Durante estas declarações, ora na Casa Branca, ora através do Twitter, ora através de um porta-voz ou de um comunicado de imprensa, Donald Trump sublinhou outro aspecto que mostra como o presidente norte-americano confunde o que não pode ser confundido. Aliás, já tinha feito algo semelhante aquando da morte do assassinato do jornalista saudita Jamal Khaskoggi e das suspeitas que imediatamente recaíram sobre a Arábia Saudita. Dessa vez, logo a seguir, Trump veio lembrar a importância do acordo para a venda de 110 mil milhões de dólares em armamento à Arábia Saudita; desta vez (está no Twitter) veio lembrar que a Turquia é um importante parceiro comercial e também um parceiro que construiu a estrutura do avião caça norte-americano F-35, para além de ser um aliado NATO. Trump devia ter acrescentado que tem duas “Trump Tower” em Istambul e que Erdogan foi convidado para o lançamento do projecto.

É neste contexto que os curdos da Síria podem, mais uma vez, ser traídos por supostos amigos e aliados. Não será a primeira vez que isso acontece aos curdos e também não será a primeira vez que os Estados Unidos o fazem. Ao contrário da máxima entre gente de bem que obriga a que ninguém seja deixado para trás, Donald Trump parece não ter pudores. Ainda por cima os curdos da Síria têm uns tiques de socialismo, o que para o Presidente dos Estados Unidos deve ser assim uma espécie de lepra.

Perguntarão, e a União Europeia? Pois, a Europa, muito antes de ser União, encarregou-se de fazer a asneira com os resultados que estão à vista: o acordo Sykes-Picot (Reino Unido-França), após a I Guerra Mundial, deixou os curdos sem um Estado e divididos por quatro países. Quem isto fez e nada faz agora para resolver o problema, está à espera de quê? Quem são, de facto, os terroristas? Aqueles que assinam os documentos criminosos ou os que pegam em armas para defender aquilo a que têm direito?


Pinhal Novo, 8 de Outubro de 2019

josé manuel rosendo


1 comentário:

  1. Gostei de ler. Dividir para conquistar.
    A UE, fantoches do deep state.
    Wikipedia - Deep State "A deep state (from Turkish: derin devlet)...", irónico.

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