domingo, 13 de outubro de 2019

Os curdos têm dois “medos”: Turquia e Estado Islâmico. E têm razão para ter medo.

Familiares de combatentes do Estado Islâmico no Campo de Al Hol, no Curdistão sírio. Neste campo também já há notícia de tentativas de rebelião. Em Abril de 2019, o campo albergava cerca de 70 mil pessoas e entre elas estavam muitos estrangeiros. Se o "barril de pólvora" já era perceptível, agora não é difícil imaginar como será. Foto: jmr 


As imagens que têm sido divulgadas nos poucos dias de invasão/ofensiva turca no norte da Síria, não são bonitas. É preciso cuidado com a contra-informação (que todas as partes utilizam), mas há imagens com pormenores que permitem aferir da sua veracidade. É prematuro entrar na contabilidade dos mortos, mas o terror está instalado.

As Nações Unidas já referem 130 mil deslocados e admitem que esse número pode triplicar. As pessoas fogem, e fogem porque as “leis da guerra” há muito que são ignoradas por todos os locais onde são as armas as primeiras (e muitas vezes as únicas) a ditar quem manda. Dizer que a ofensiva turca está a fazer tudo para poupar as populações civis é um discurso para agradar e manter a ofensiva militar enquadrada no politicamente correcto. Apenas isso: retórica!

Nas guerras actuais, todas elas assimétricas, com exércitos nacionais e formais a combaterem grupos de milícias ou paramilitares, o que acontece em muitos casos é que essas milícias emanam das próprias populações, são parte delas e vivem com elas. Quem é civil e quem é combatente, é algo que é muito difícil de distinguir e em particular no Curdistão sírio é isso que acontece.

A invasão turca, para além de espalhar o terror entre a população curda no norte da Síria, está a abrir a porta para o ressurgimento do Estado Islâmico (EI). Não é possível aferir a dimensão e a capacidade desse ressurgimento, mas houve quem avisasse e há sinais de que isso está a acontecer. E é bom não esquecer que o líder do EI, Abu Bakr Al Bagdhadi, nunca foi capturado.

As Forças Democráticas da Síria (FDS) assumem que cerca de 900 familiares de combatentes do EI fugiram do campo de Ain Issa, onde estão cerca de 12 mil pessoas, e admitem que a situação é muito volátil; em Qamishli e Hassaké, as FDS dizem que já foram reactivadas células adormecidas do EI e a prova disso são os recentes atentados com carros-bomba nessas duas cidades; em Hassaké, o atentado visou uma prisão onde estão combatentes do Estado Islâmico.

No terreno, a invasão turca faz caminho, com a oposição das FDS – que não têm armamento pesado. Ankara reclama que a cidade de Ras Al Ain já foi tomada e recusa qualquer mediação com o argumento de que não negoceia com terroristas. O presidente turco diz que a “zona de segurança” no norte da Síria vai ter entre 30 a 35 quilómetros de profundidade ao longo da fronteira turco-síria. A Liga Árabe – de onde a Síria esteve suspensa durante vários anos – exige que a Turquia retroceda e reclama sanções dos países árabes. Os curdos reclamam uma “no-fly zone”, mas parece que ninguém os quer ouvir. Os Estados Unidos, que deram luz verde à Turquia, dizem que vão levar para casa os cerca de mil militares que ainda têm no norte da Síria. O Secretário da Defesa dos Estados Unidos da América, Mark Esper, disse que Donald Trump já deu a ordem para essa retirada. O caos agradece.


Pinhal Novo, 13 de Outubro de 2019

josé manuel rosendo

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