Mostrar mensagens com a etiqueta Alauitas. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Alauitas. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 23 de março de 2016

Rever as fronteiras do Médio Oriente para acabar com o “Estado Islâmico”


Há muitas formas de abordar o que aconteceu esta terça-feira em Bruxelas. Podemos optar pelas mais sérias e consequentes ou pelas mais fáceis e populistas. Começando por estas últimas, que se despacham mais depressa, coloca-se mais polícia na rua, investe-se em novos equipamentos para controlo das entradas de locais estratégicos, reforçam-se os anéis de segurança, e vamos todos para as redes sociais chamar nomes aos autores dos atentados. 

Podemos juntar a esta abordagem o habitual descarregar de bombas contra os locais onde estarão os núcleos duros das organizações a que pertencem os autores dos atentados. Como consequência inevitável teremos mais danos colaterais e mais gente a odiar o Ocidente. Desabafamos, bombardeamos – saciando a sede de vingança – ficamos com a ilusão de uma segurança reforçada e o tempo encarregar-se-à de diluir a memória do que aconteceu. Até ao próximo atentado.

Se optarmos por uma abordagem mais séria, dá mais trabalho, exige leituras mais informadas e demora mais tempo. E, ainda assim, só o tempo dirá da sua eficácia. Exige, portanto, paciência. Algo que só uma sociedade mais educada e informada terá – paciência – para poder esperar pelo resultado.

Dentro desta abordagem mais séria convém, desde logo, rever a lista de algumas amizades, como por exemplo a da Arábia Saudita, país de onde parte uma fatia muito considerável do financiamento aos grupos islamistas mais radicais. Depois, convirá perceber as rotas do armamento que chega à organização Estado Islâmico e também as rotas da venda de petróleo. Quem vende armas ao Estado Islâmico? Quem compra petróleo ao Estado Islâmico? Armas e dinheiro. Não há organização que resista se o fluxo destes dois bens for cortado.

Em termos políticos e diplomáticos há outras abordagens possíveis. E muito mais complexas. Desde logo, atendendo ao ódio e à guerra sunitas/xiitas, devemos, neste momento colocar a questão: faz sentido admitir a criação de um “Sunistão” nos actuais territórios do Estado Islâmico, ou em fronteiras a definir? Não adianta iludir a questão: o Iraque e a Síria, tais como os conhecemos no último século, com as fronteiras ditadas pelo acordo Sykes-Picot, parecem estar condenados. Será preciso depois acomodar xiitas no Iraque, alauítas na Síria, e curdos na Síria (sendo que no Iraque, Turquia e Irão, a questão curda também se coloca). De caminho será absolutamente indispensável resolver a questão do Estado da Palestina.

Considerando tudo isto falta saber se a organização Estado Islâmico está disposta a conversar. É impossível para já dar uma resposta a esta questão, mas há sempre uma porta pela qual a diplomacia pode tentar entrar. Podemos pensar que o diálogo com uma organização pródiga em selvajarias é algo inaceitável, mas ao mesmo tempo devemos reter que até o Estado Islâmico pode mudar se, por exemplo, os sunitas que nele se acolhem por falta de alternativa, perceberem que existe a possibilidade de terem o seu próprio território.

Estamos a falar de um redesenho das fronteiras do Médio Oriente, algo que muitos já perceberam ser inevitável e que convém encarar de uma forma muito séria, sob pena de estarmos perante um ciclo de violência que nos vai colocar rotineiramente num debate inconsequente após cada atentado.

Esta é a abordagem que me parece mais séria. Dirão que é complexa, que é impossível e que é utópica. Talvez. É também uma abordagem que, para além de mexer com os actuais interesses nos territórios em causa, mexe também com os interesses das potências internacionais nesses territórios. Resta tentar.

Pinhal Novo, 22 de Março de 2016
josé manuel rosendo

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Estados Unidos e Rússia preparam “retirada” de Bashar al Assad para uma "nova Síria"


Praticamente desde o início da guerra na Síria que se fala da possibilidade de criação de um novo Estado que albergue Bashar al Assad e os Alauitas, ramo xiita a que pertence a família Assad. A "nova Síria" teria por base as províncias de Tartus e Lataquia, onde estão concentrados os Alauitas e que são as duas províncias mais a Oeste do actual território sírio, encostadas ao Mar Mediterrâneo.

Em termos puramente militares é por demais evidente a incapacidade das forças de Assad para recuperarem território: já perderam grande parte da Síria para as várias facções que combatem o regime mas que também combatem entre elas (por vezes em alianças de ocasião), apenas dominam a capital – ainda assim praticamente cercada –, as zonas controladas pelo Hezbollah libanês e algumas bolsas de terreno no resto do território, para além das duas províncias junto ao Mediterrâneo. Assad, enfrenta vários inimigos, conta com o apoio do Hezbollah libanês e de militares iranianos mas já não tem capacidade de recrutamento próprio. A confusão na Síria é muito grande. Arrumar a casa pode exigir um plano que comece por resolver o “problema Assad” e que passará por dar ao actual Presidente um território que seja étnica e religiosamente homogéneo. Depois se verá como pode evoluir o combate ao Estado Islâmico e quem ficará no que restar do território da actual Síria.

Os mais de quatro anos de guerra já provocaram mais de 240.000 mortos, vários milhões de refugiados e deslocados. Os países vizinhos albergam milhões de refugiados sírios e, também eles, querem ver rapidamente terminado uma guerra que facilmente pode galgar fronteiras. Os curdos capitalizam o esforço de guerra que têm feito contra o Estado Islâmico e vão certamente querer que isso se traduza em algo mais, quer na Síria quer no Iraque, sendo que na Turquia o governo dá sinais de não querer ser reactivo e já se apressou a tomar a iniciativa de modo a que os curdos não sintam qualquer margem de manobra a exigências que sempre assustaram Ancara. Se nada for feito a guerra na Síria só pode alastrar.

O entendimento Estados Unidos/Rússia conhecido nos últimos dias, com responsáveis militares dos dois países a discutirem a situação na Síria é um sinal claro de que algo está a ser preparado. Tem havido uma roda-viva nos corredores da diplomacia: Washington, Moscovo, Teerão, Riad, Omã, são algumas das capitais que guardam o segredo do que está a ser preparado. Dos últimos dias vem também a deslocação do Primeiro-Ministro israelita a Moscovo. O chefe da diplomacia síria esteve em Omã (deslocação rara a um país sunita), o chefe da secreta síria esteve em Riad… Teerão já terá um plano para a divisão da Síria que poderá ser um ponto de partida para um entendimento. Assad terá de perceber que não podendo ganhar esta guerra terá de perder alguma coisa para não perder tudo. Basta para isso que os interesses da Rússia sejam satisfeitos e que o Irão não estique demasiado a corda, até porque o acordo com o grupo dos 5+1 sobre o programa nuclear parece ser algo de que Teerão não se quer desviar.

Falta saber qual é a linha de fronteira no interior da Síria que Assad vai querer estabelecer e até pode acontecer que queira manter num futuro Estado algumas das cidades que há muito lhe escaparam da mão. Várias cidades, de Damasco a Aleppo, passando por Homs e Hamah, todas elas a poucos quilómetros da costa mediterrânica, seriam a cereja no topo do bolo da solução que parece estar a caminho. Assad pode ficar satisfeito com Lataquia e Tartus e mais uma faixa de território até Damasco. A fronteira com o Líbano é território em que pode ter a ajuda do Hezbollah. Todos os sinais apontam para que Assad aceite uma solução que lhe permita de algum modo salvar a face numa guerra que não pode vencer. Para trás fica terra queimada entregue a extremistas e a rebeldes que vão continuar a bater-se e onde as várias potências vão esgrimir argumentos, explorar apoios e fidelidades. Ainda assim a solução da “nova Síria” poderá também ser agarrada com ambas as mãos pelos rebeldes do Exército Livre da Síria, cansados de esperar por apoios externos que nunca chegaram.

Já se percebeu que os países ocidentais não querem colocar tropas no terreno. Também já se percebeu que os ataques aéreos da coligação internacional contra o Estado Islâmico não estão a conseguir alterar a situação. Por outro lado, já se viu que a Rússia está a enviar equipamento militar para as duas províncias junto ao Mediterrâneo (sem oposição dos Estados Unidos), sinal de que poderão estar a ser criadas as infra-estruturas militares mínimas que garantam a defesa de um futuro Estado de Assad. Se isso vier a acontecer, não é de todo desajustado considerar que é a Rússia quem mais beneficia deste longo braço de ferro em que nunca “deixou cair” Bashar al Assad no Conselho de Segurança da ONU. Afinal, se os Estados Unidos já contam com um fiel aliado na região, a quem dão um forte apoio militar (Israel), a Rússia mantém o aliado Assad e reforça a presença militar no Médio Oriente. Israel, se não sentir a sua segurança em risco, não se vai importar com este novo desenho até porque é conhecida a política russa em relação a movimentos islâmicos mais radicais. Talvez o Irão seja o parceiro mais difícil de contentar nesta solução. Quanto ao Líbano, encravado entre Israel a sul e uma “nova Síria” a norte e a leste, há muito que é um barril de pólvora mas essa característica também tem produzido ensinamentos que ajudam a enfrentar realidades complicadas. 

Fazer este tipo de previsões é arriscado, mas olhando para a geografia, para os interesses das potências envolvidas e para os últimos desenvolvimentos da agenda diplomática, a criação de uma “nova Síria” é a solução para onde todos os dados apontam.


Pinhal Novo, 23 de Setembro de 2015

josé manuel rosendo